segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Ditadura: Caso Manoel Fiel Filho completa 40 anos

                                                            
Cláudia Sanches e Edir Lima

O assassinato de Manoel Fiel Filho não teve a repercussão da morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida menos de três meses antes no mesmo local e em circunstância semelhante, mas ficou marcada na história do país. Fiel foi morto sob tortura dos agentes da ditadura, em 17 de janeiro de 1976, na carceragem do DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo. O que chama a atenção são os 40 anos sem ninguém ter sido processado. O crime não prescreve porque é contra a humanidade.

Manoel Fiel Filho não era sequer um dirigente sindical relevante, não tinha militância política importante, nem fazia parte de grupos da luta armada. O suposto crime cometido pelo metalúrgico foi pertencer ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e ajudar a distribuir o jornal Voz Operária.

A Justiça não aceitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), apesar de este ter desmontado a farsa de que Manoel havia se suicidado, como foi forjado pelos militares. O procurador Andrey Mendonça recorreu e aguarda decisão do Tribunal Regional Federal (TRF). Ele acusa sete agentes da repressão pelo assassinato.

Na época, o caso não foi muito divulgado, mas irritou o presidente Ernesto Geisel, que mandou demitir o comandante do 2º Exército, general Ednardo D’Ávila Mello. O constrangimento de Geisel se deve, segundo especialistas, ao fato ter ocorrido justamente quando ele falava em abertura” – nome dado ao processo de liberalização do regime, iniciado em 1974 e considerado finalizado com a promulgação da Constituição de 1988.

Entre 2012 e 2014, a Comissão da Verdade investigou o período da ditadura militar e apontou os responsáveis pelas torturas, desaparecimentos e mortes, mas ainda faltam a reparação e justiça às vítimas e familiares.

Sequestro

A esposa Thereza Fiel relatou, em entrevista à Agência Brasil, os momentos de apreensão que antecederam o assassinato de Fiel Filho.

“Meu marido morreu e salvou a turma que estava presa lá [no DOI-Codi]”, disse Thereza Fiel à Agência Brasil, ressaltando que o assassinato do marido provocou mudanças no tratamento dado aos presos políticos da época.

Ela lembrou que, naquele dia, como fazia todas as manhãs, o marido acordou cedo, banhou-se, tomou café e foi para a Metal Arte, no bairro da Mooca, na cidade de São Paulo, onde trabalhava como prensista.

Segundo a publicação, era uma sexta-feira e, por volta do meio-dia, dois homens, sem qualquer ordem judicial, o retiraram do trabalho, foram com ele até a sua residência, na Vila Guarani, revistaram a casa em busca de exemplares do jornal Voz Operária, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), nada encontraram e, sob os olhares apreensivos da mulher, Thereza Fiel, levaram o metalúrgico para o Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

“Ele me deu um beijo na testa e foi embora. Eu falava: ‘Não leva ele, não”, disse Thereza, ao lembrar que o marido chegou a dizer que voltaria logo. “E ele nunca mais voltou”.

Logo após o sequestro de Fiel, Thereza reuniu toda a família, incluindo as duas filhas, e peregrinou por várias delegacias de polícia em busca de informações do companheiro.

“Um conhecido da Polícia Civil disse que ele estava na Operação Bandeirantes [grupo criado em 1969 pelo Exército, com apoio de empresários para coordenar todas as operações dos órgãos de repressão] e que só se entrava lá com ordem do presidente da República”.

Thereza soube da morte do marido no dia seguinte, sábado, 17 de janeiro de 1976. Por volta das 22 horas, um carro parou em frente à casa. “Desceu um fulano com um saco de lixo preto na mão”. Ele disse: ‘‘Essa aqui é a roupa dele, e ele está morto”.

Bom marido

Hoje com 83 anos, Thereza, emocionada, lembra do marido trabalhador e amoroso.

“Trabalhava na firma e ainda me ajudava em casa. Era bom demais. Atencioso, me ajudava bastante. Adorava as filhas. Marido igual àquele não se acha mais”, disse.

Manoel nasceu em Quebrangulo, em Alagoas. Em 1950, decidiu tentar a sorte em São Paulo. Trabalhou como padeiro e cobrador de ônibus antes de se tornar metalúrgico, exercendo a atividade de prensista na mesma empresa por 19 anos. ~

Embora a família não soubesse, ele era responsável pela difusão do jornal Voz Operária, do Partido Comunista Brasileiro, e pela organização do partido entre os operários das fábricas do bairro da Mooca, conforme relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

CORRIDA POR NANOEL

Para marcar a data do assassinato de Manoel Fiel Filho, o jornalista Rodolfo Lucena realiza uma homenagem jornalístico-esportiva ao operário metalúrgico, promovendo a “Corrida por Manoel”, organizando 40 dias de corridas por percursos significativos.

“Homenagear Manoel Fiel Filho, 40 anos após seu brutal assassinato, com essa corrida simbólica, significa resgatar a luta dele como operário metalúrgico, trabalhador consciente de seu papel, e de todos aqueles que deram a vida em favor do fim de um dos regimes mais violentos que tivemos no Brasil republicano”.

A largada da “Corrida por Manoel” será em ato no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo (rua Galvão Bueno, 782), às 8h da próxima quarta-feira, 17 de fevereiro. Logo após a prova, haverá uma caminhada em memória da vida e da morte do operário.

(Com a ABI)

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