terça-feira, 30 de agosto de 2011

O Partido Comunista Brasileiro e os 32 anos Anistia Política

       Vinte e nove de agosto é uma data histórica para todos os brasileiros, especialmente para nós que militamos no campo da Esquerda.Não só pela posse da primeira diretoria da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia como também por ser comemorativa dos 32 anos da Anistia, embora saibamos que ela não foi a  que esperávamos.
        Como sabemos,desde 1860, o Capitalismo esgotou sua função de promover o progresso humano. Para fugir  de suas sucessivas crises, impôs etapas e formas  mais cruéis, como:
         1-O Imperialismo, responsável pela primeira e segunda guerras mundiais;
         2-As piores degradações humanas.
         Não é segredo que as medidas compensatórias, permitindo algumas conquistas sociais, sempre buscaram encobrir a  brutal exploração da força de trabalho.
         Nos momentos de crise até as compensações são retiradas como vem se dando nos últimos 30 anos de predomínio o neoliberalismo com seu discurso do poder supremo do Mercado e do Consumo desenfreado.
         Ao enfraquecer o Estado e ao se livrar de todo controle, o Capital colocou a nu sua natureza voraz, levando a exploração da mais valia a limites impressionantes bem como a multiplicação ilimitada da especulação numa louca corrida rumo à barbárie.
         Substituindo a ética e os valores pelo Mercado, os 10% mais ricos, sob o comando dos grandes monopólios e as oligarquias financeira, industrial e comercial, amordaçam anda mais a combalida democracia liberal, através da ditadura escancarada do grande capital, que permite dúzias de partidos e se ujtiliza de todo aparado para manter o jogo do poder. Poder esse contraditoriamente concentrado no bipartidarismo que encena uma oposição o tempo todo e até se reveza no pode.
      Diante desse quadro nada alentador, cabe a nós, homens e mulheres de Esquerda, nos unirmos contra a as elites burguesas e o imperialismo, defendendo os verdadeiros heróis populares, representados por índios, negros, trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra, trabalhadores urbanos e proletários além do povo em geral.
      Como é sabido, desde 1922 o Partido Comunista Brasileiro, PCB, mantém histórica coerência em suas reivindicações imediatas, mesmo errando e aprendendo com seus erros, na luta por uma alternativa anticapitalista, rumo ao Socialismo.
      Assim, fomos uma das organizações de Esquerda que mais foi perseguida aa ditadura cívico-militar de 1964.
     Julgamos que o momento atual é o de lutar pela efetivação da Comissão da Verdade, de modo a que os torturadores, dentre eles os executores e seus mandantes, sejam punidos, como vem acontecendo em alguns países da América Latina.
    Já é passada a hora também da abertura dos arquivos da ditadura para que toda a sociedade possa ter acesso às informações  que  esclareçam de vez toda a questão das centenas de "desaparecidos políticos".
    Exigimos que o governo deixe de retardar, como vem acontecendo em âmbitos federal e estadual, os reparos e indemnizações devidas às famílias e aos heróis da luta contra o arbítrio dos Anos de Chumbo.
  Em dezembro a Declaração Universal dos Direitos Humanos estará completando 63 anos, embora muito dela ainda possa  ser considerada mera letra morta no papel.
  Na realidade o que vemos é uma brutal violação dos direitos nela inseridos. Violação imposta pelo Capitalismo, acrescente-se.
  Prossigamos em nossa luta.
  Que sejam respeitadas as resoluções  do III Plano Nacional de Defesa dos Direitos Humanos. 
  Que posamos caminhar para a construção de uma frente anticapitalismo e pela construção do Socialismo.
  Em defesa dos direito humanos.
  Viva a unidade do povo brasileiro.
  Viva o Memorial a Anistia
     
     29 de agosto de 2011
   
José Carlos Alexandre e José Francisco Neres

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Homenagem a Fidel Castro

Anistia completa 32 anos e atos em BH começam com debate na ALMG e posse da diretoria da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia




Tomará posse nesta segunda-feira, às 20h, no Teatro da Cidade, a diretoria da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia

É a seguinte a composição da diretoria:

Presidenta – Maria Christina Rodrigues
Vice-Presidente -  Betinho  Duarte
Secretária - Valéria Ciriaco Carvalho
Tesoureiro - Carlos Alberto de Freitas
2º Secretário - Jorge Antônio Pimenta Filho
Conselho Deliberativo Fiscal:
Aluísio Rodrigues Coelho
João Marques de Aguiar
Lúcia Marly de Oliveira
Marco Antonio Azevedo Meyer
Maria Clara Abrantes Pêgo
Maria Gezica Valadares
Nilmário Miranda
Foram indicados para o Conselho Consultivo, dependendo de aceite entre outros:
Aloísio Morais Martins
Amilcar Martins
Ângela Gutierrez
Ângela Pezzuti
Antonia Puertas
Antônio Pinheiro
Antônio Ribeiro Romaneli
Apolo Heringer Lisboa
Carlos Cateb
Celina Albano
Cléber Consolatrix Maia
Clotilde Ayer
Dídimo Paiva
Dinorá do Carmo
Diva Moreira
Elizabeth Maria Fleury Teixeira
Emely Vieira Salazar
Evilázio Teubner Ferreira
Fahid Tahan Sab
Fernando Damatta Pimentel
Flávio Andrade
Frei Beto
Gildásio Cosenza
Guy de Almeida
Helvécio Ratton
Hildebrando Pontes Neto
Ione Grossi
Ivo José
Jânio Oliveira Bragança
Jardel Lopes
Joana D’Arc Gontijo
Jorge Raimundo Nahas
José Carlos Laender Castro
José Edgard Amorim Vieira

José Francisco Neres
José Maria Rabelo
Jurandir Persechini
Lázara Maria da Felicidade Ribeiro Lemos
Leonardo Spencer
Luiz Carlos Bernardes
Magda de Almeida Neves
Márcio Araújo de Lacerda
Márcio Augusto Santiago
Marcos Santana
Marcos Tito
Maria Auxiliadora Bambirra
Maria Dirlene Marques
Maria Emília
Maria Leonor P. Marques
Maria Merces Somarriba
Mauro Mendes Braga
Michel Marie Le Ven
Neide Pessoa
Neusa Ladeira
Otávio Elisio Alves Brito
Otávio Soares Dulci
Padre Henrique
Patrus Ananias de Souza
Paulo Elisiário Nunes
Pedro Paulo Cava
Plínio Arantes
Renato Santos Pereira
Ricardo Apigaua
Roberto Carvalho
Sálvio Humberto Penna
Sônia Lacerda Macedo
Suzana Lúcia Silva Belo
Teuda Bara Fernandes
Vanda Regina Rodrigues
Vera Pape Pape
Vicentão
Em homenagem póstuma e reconhecimento, foram indicados para o Conselho  de
Honra In Memoriam
:
Adherbal Teixeira Rocha
Adriano Fonseca Filho
Afonso Carlos Vitor

Afonso Maria da Cruz
Agnaldo Galvão Leal - Padre Agnaldo
Aides Dias de Carvalho
Alcides de Oliveira
Alcides Salles Filho
Aldo de Sá Brito de Souza Neto
Alvaro Hardy – Veveco
Alvaro Rabelo
Alvino Ferreira Felipe
Amílcar Vianna Martins
Andréia Marques Rodrigues Ladeira
Anélio Marques Guimarães
Ângelo Pezzuti da Silva
Anthero de Carvalho Drumond
Antônio Carlos Bicalho Lana
Antônio Holandino de Araújo
Antônio Joaquim de Souza Machado
Antônio José dos Reis
Antônio Luiz Paixão
Antônio dos Três Reis Oliveira
Arildo Valadão
Ariosvaldo Campos Pires
Aristides Lisboa
Arlindo José Ramos
Armando Ziller
Arnaldo Cardoso Rocha
Ary de Souza
Áurea Eliza Pereira Valadão
Azarias Duarte Soares Souza Lima
Benedito Gonçalves
Carlos Alberto Scotti
Carlos Alberto Soares de Freitas
Carlos Schirmer
Carmela Pezzuti
Cecílio Emígdio Saturnino
Célio de Castro
Celius Aulicus Gomes Jardim
Celso Aquino Ribeiro
Celso Monteiro Furtado
Ciro Flávio Salazar e Oliveira
Custódio Rezende Evangelista de Paula
Daniel José de Carvalho
Darcy Ribeiro
David Rodrigues Diniz
Décio Geraldo de Oliveira Sales
Devanir José de Carvalho
Dimas da Anunciação Perrin
Domingos Ribeiro Viotti
Edgar de Godói da Mata Machado
Edina Maria da Paixão
Eduardo Antônio da Fonseca
Eduardo Colen Leite - Bacuri
Eduardo Demétrio Ferreira
Helena Greco
Eliane Martins
Eloy Ferreira da Silva
Elson Costa
Euro Luís Arantes
Evelyne Pape Singer
Flávio Sampaio

Francisco de Assis Magalhães Gomes
Francisco Lage Pessoa - Padre Lage
Francisco Mário de Souza - Chico Mário
Francisco Nascimento - UTP
Frederico Ozanam Pereira
Geralda Damatta Pimentel - Dona Dina
Geraldino Heleodoro de Carvalho
Geraldo Bernardo da Silva
Geraldo Ludovico
Geraldo Magela de Almeida
Geraldo da Rocha Gualberto
Gerosina Silva Pereira
Getúlio D'Oliveira Cabral
Gildo Macedo Lacerda
Gilson Miranda
Guido Leão Santos
Guido Rocha
Guinaldo Nicolaevscky
Helber José Gomes Goulart
Hélcio Pereira Fortes
Hélio Pellegrino
Hélio Pontes - sociólogo
Hélio Salvador de Azevedo
Henrique Cláudio de Lima Vaz - Padre Vaz
Henrique de Sousa Filho - Henfil
Herbert Eustáquio de Carvalho
Herbert José de Sousa - Betinho
Herculano Mourão Salazar
Idalísio Soares Aranha Filho
Isis de Araújo D'Ávila Magalhães
Itair José Veloso
Ivan Mota Dias
Izaurino Alves de Souza
Jaime Petit da Silva
Jair Ferreira de Sá
James Alen Luz
Jaime Nelson Wright - Reverendo Jaime Wright
Jayme Goifman
Jeová de Assis Gomes
João Batista Franco Drummond
João Bosco Burnier - Padre Burnier
João de Carvalho Barros
João Domingos Fassarella
João Firmino Luzia
João Lucas Alves
João Pio de Souza
Joaquim José de Oliveira
Joel José de Carvalho
Jorge Batista Filho
José de Assis
José Bartolomeu Greco
José Carlos Novaes da Mata Machado
José do Carmo Rocha
José Costa - jornalista José Costa
José Flávio Rodrigues Pereira
José Isabel do Nascimento
José Júlio de Araújo
José Matheus Pinto Filho
José Pereira Martins Filho - Zequinha
José Prímola Ferreira

José Renato Campos do Amaral
José Roberto Gonçalves Rezende
José Rocha Filho - Frei Matheus
José Teubner Ferreira
José Toledo de Oliveira
Juarez Guimarães de Brito
Judith Vieira Lisboa
Lenine Moreira da Silva
Lourival Vilela Viana
Lúcia Helena Righetti Melino
Lucimar Brandão Guimarães
Lúcio Petit da Silva
Luis Bento
Luiz de Carvalho Bicalho
Luiz Pompeu de Campos
Magda Magalhães Alves
Marcelo Guimarães
Marcelo Righi Marco
Márcio José de Araújo
Marcos Magalhães Rubinger
Maria Augusta Carneiro Ribeiro - Guta
Maria Auxiliadora Lara Barcellos
Maria das Graças Teixeira
Maria Floripes Nascimento Alves
Maria Lúcia Petit da Silva
Maria da Penha Lima - MST
Mário Alves de Souza Vieira
Mário Bento da Silva
Mariza Afonso
Maurício de Rezende Pires Alcântara
Mílton Freitas de Carvalho
Mílton Soares de Castro
Murilo Pinto da Silva
Nathanael de Moura Giraldi
Nelson José de Almeida
Nestor Veras
Ney Jansen Ferreira Júnior
Olympio Perez Munhoz – Seu Olympio Garçon
Ondina Pedrosa Nahas
Oracílio Martins Gonçalves
Orestes Timbaúva Rodrigues
Orlando da Silva Rosa Bomfin Júnior
Osório da Rocha Diniz
Osvaldo Orlando da Costa
Oswaldo França Júnior
Otaviano de Carvalho
Paschoal Souza Lima
Paulo Costa Ribeiro Bastos
Paulo Freire
Paulo Irmensul Rogedo
Paulo Regulus Freire
Paulo Roberto Pereira Marques
Pedro Alcântara Moreira
Pedro Alexandrino de Oliveira Filho
Raimundo Carlos
Raimundo Eduardo da Silva
Raimundo Gil da Silva
Raimundo Gonçalves Figueiredo
Raul Amaro Nin Ferreira
Regina Nabuco

Reinaldo Melgaço
Roberto Décio de Las Casas
Roberto Francis Drummond
Rodolfo de Carvalho Troiano
Rodolpho Fritsch Filho
Ronaldo Mouth Queiroz
Sami Sirihal
Sebastião Tomé da Silva
Sinval de Oliveira Bambirra
Sônia Maria de Moraes Angel Jones
Stela Mares Rafante Martins
Stuart Edgar Angel Jones
Sylvio de Vasconcellos
Therezinha Viana de Assis
Tito de Alencar Lima - Frei Tito
Valmir José de Resende
Vicente Abreu
Vinícius José Nogueira Caldeira Brant
Virgílio Faustino Salomão
Waldemar das Dores - Mamário
Walkíria Afonso Costa
Walter de Souza Ribeiro
Zilah Souza Spósito
Zuleika Angel Jones - Zuzu Angel

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Governados por cegos e irresponsáveis



         Leonardo Boff (*)



Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a midia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado.
As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele.
No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele país, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011.
Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um "software social" que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados.
O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:"vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos". Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no pais onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.
Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paises entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?
O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo "software social" na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um "modo sustentável de vida"da Carta da Terra, o "bem viver" das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, "capitalismo natural"(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.
Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem.
É impertivo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos. A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.
                                                                                       (*) Leonardo Boff é teólogo e escritor

Quem pensa em lucrar com esta crise na Líbia


por Pepe Escobar [*]

Pense da nova Líbia como o capítulo mais recente da série "Capitalismo do desastre". Ao invés de armas de destruição em massa, temos a R2P ("responsibility to protect"). Ao invés de neoconservadores, temos imperialistas humanitários. 

Mas o objectivo é o mesmo: mudança de regime. E o projecto é o mesmo: desmantelar e privatizar completamente uma nação que não estava integrada no turbo-capitalismo; abrir uma outra (lucrativa) terra de oportunidade para o neoliberalismo com turbo-propulsor. A coisa toda é especialmente conveniente porque é um empurrão em meio a uma recessão quase global. 

Levará algum tempo; o petróleo líbio não retornará totalmente ao mercado nos próximos 18 meses. Mas há a reconstrução de tudo o que a NATO bombardeou (bem, não muito do que o Pentágono bombardeou em 2003 foi reconstruído no Iraque...) 

Seja como for – desde o petróleo à reconstrução – em tese assomam oportunidades de negócio sumarentas. O neo-napoleonico Nicolas Sarkozy, da França, e o britânico David da Arábia Cameron acreditam que estarão especialmente bem posicionados para lucrar com a vitória da NATO. Mas não há garantia que a nova fonte de riqueza líbia seja suficiente para erguer as duas antigas potências coloniais (neo-coloniais?) acima da recessão. 

O presidente Sarkozy em particular extrairá as oportunidades de negócios para companhias francesas por tudo que elas valem – parte da sua ambiciosa agenda de "reposicionamento estratégico" da França no mundo árabe. Os complacentes media franceses exultantes dizem que esta foi a "sua" guerra – fiando-se em que ele decidiu armas os rebeldes no terreno com armamento francês, em estreita cooperação com o Qatar, incluindo uma unidade de comando chave rebelde que foi [enviada] por mar de Misrata para Tripoli no sábado passado, no princípio da "Operação Sirene". 

Bem, ele certamente viu a oportunidade quando o chefe do protocolo de Muamar Kadafi desertou para Paris em Outubro de 2010. Foi quando o drama da mudança total de regime começou a ser incubado. 

Bombas por petróleo 

Como observado anteriormente (ver Welcome to Libya's 'democracy' , Asia Times Online, August 24) os abutres já estão a circular sobre Tripoli para agarrar (e monopolizar) os despojos. E, sim, a maior parte da acção tem a ver com negócios de petróleo, como se verifica nesta clara afirmação de Abdeljalil Mayouf, gestor de informação na "rebelde" Arabian Gulf Oil Company: "Nós não temos problemas com países ocidentais como as companhias italianas, francesas e britânicas. Mas podemos ter algumas questões políticas com a Rússia, a China e o Brasil". 

Estes três acontece serem membros cruciais do grupo BRICS de economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), as quais estão realmente a crescer enquanto as economias atlantistas que fazem os bombardeamentos da NATO estão ou encravadas na estagnação ou em recessão. Acontece que os quatro principais BRICS também se abstiveram de aprovar a resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU, a fraude da zona de interdição de voo (no-fly) que se metamorfoseou na mudança de regime conduzida pela NATO. Eles viram correctamente desde o princípio. 

Para tornar as coisas piores (para eles), apenas três dias antes de o Africom do Pentágono lançava seus primeiros 150 Tomahawks sobre a Líbia, o coronel Kadafi deu uma entrevista à TV alemã enfatizando que se o país fosse atacado, todos os contratos de energia seriam transferidos para companhias russas, indianas e chinesas. 

Assim, os vencedores da mina petrolífera já estão designados: membros da NATO mais monarquias árabes. Dentre as companhias envolvidas, a British Petroleum (BP), a Total da França e a companhia nacional de petróleo do Qatar. Para o Qatar – o qual despachou caças a jacto e recrutadores para as linhas de frente, treinou "rebeldes" em técnicas de combate exaustivas e já administra vendas de petróleo na Líbia oriental – a guerra revelar-se-á uma decisão de investimento muito sábia. 

Antes dos longos meses de crise que agora está na sua etapa final com os rebeldes na capital, Tripoli, a Líbia estava a produzir 1,6 milhão de barris por dia. Uma vez retomada a produção os novos dominadores de Tripoli colheriam uns US$50 mil milhões por ano. A maior parte das estimativas estabelece as reservas de petróleo da Líbia em 46,4 mil milhões de barris. 

Os "rebeldes" da nova Líbia é melhor não se meterem com a China. Cinco meses atrás, a política oficial da China já era apelar a um cessar-fogo. Se isto tivesse acontecido, Kadafi ainda controlaria mais da metade da Líbia. Mas Pequim – que nunca foi adepta de mudanças de regime violentas – por enquanto está a exercer extrema contenção. 

WenZhongliang, o vice-ministro do Comércio, observou deliberadamente: "A Líbia continuará a proteger os interesses e direitos de investidores chineses e esperamos continuar o investimento e a cooperação económica". Numerosas declarações oficiais estão a enfatizar a "cooperação económica mútua". 

Na semana passada, Abdel Hafiz Ghoga, vice-presidente do duvidoso Conselho Nacional de Transição (CNT), disse à [agência] Xinhua que todos os negócios e contratos efectuados com o regime Kadafi seriam honrados – mas Pequim não quer correr riscos. 

A Líbia forneceu mais de 3% das importações de petróleo da China em 2010. Angola é um fornecedor muito mais crucial. Mas a China ainda é o principal cliente da Líbia na Ásia. Além disso, a China poderia ser muito útil quanto à reconstrução da infraestrutura, o na exportação de tecnologia – não menos de 75 companhias chinesas com 36 mil empregados estavam já no terreno antes de estalar a guerra tribal/civil, rapidamente evacuados em menos de três dias. 

Os russos – da Gazprom à Tafnet – tinham milhares de milhões de dólares investidos em projectos líbios, a petrolífera gigante brasileira Petrobrás e a companhia de construção Odebrecht também têm interesses ali. Ainda não está claro que lhes acontecerá. O director-geral do Russia-Libya Business Council, Aram Shegunts, está extremamente preocupado: "Nossas companhias perderão tudo porque a NATO as impedirá de fazerem negócios na Líbia". 

A Itália parece ter aprovado a versão "rebelde" do "você ou está connosco ou sem nós". O gigante da energia ENI aparentemente não será afectado, pois o primeiro-ministro Silvio "Bunga Bunga" Berlusconi pragmaticamente jogou fora o seu anterior relacionamento muito estreito com Kadfi, no princípio da profusão de bombardeamentos Africom/NATO. 

Directores da ENI estão confiantes em que os fluxos de petróleo e gás da Líbia para o Sul da Itália serão retomados antes do Inverno. E o embaixador líbio na Itália, Hafed Gaddur, reassegurou Roma de que todos os contratos da era Kadafi serão honrados. Por via das dúvidas, Berlusconi encontrará o primeiro-ministro do CNT, Mahmoud Jibril, nesta quinta-feira em Milão. 

Bin Laden 

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Ahmet Davutoglu – da conhecida política "zero problemas com nossos vizinhos" – também tem estado a louvar os antigos "rebeldes" transformados em detentores do poder. Observando também as possibilidades de negócios pós Kadafi, Ancara – como flanco oriental da NATO – acabou por ajudar a impor um bloqueio naval ao regime de Kadafi, cultivou cuidadosamente o CNT e em Julho reconheceu-o formalmente como o governo da Líbia. Os "prémios" do negócio assomam. 

E há ainda a questão crucial: como a Casa dos Saud vai lucrar por ter sido instrumental em estabelecer um regime amistoso na Líbia, possivelmente apimentado com notáveis Salafi. Uma das razões chave para o violento ataque saudita – o qual incluiu um voto falsificado na Liga Árabe – foi o rancor extremo entre Kadafi e o rei Abdullah desde os preparativos para guerra ao Iraque em 2002. 

Nunca é demais enfatizar a hipocrisia cósmica de uma monarquia/teocracia medieval – a qual invadiu o Bahrain e reprimiu seus xiitas nativos – que saúda o que podia ser interpretado como um movimento pró-democracia na África do Norte. 

Seja como for, é tempo de festa. Aguarda-se o Saudi Bin Laden Group para reconstruir tudo por toda a Líbia – eventualmente transformando o (saqueado) Bab al-Aziziyah num monstruoso e luxuoso Centro Comercial Tripolitania.
[*] Autor de 21 O Século Da Ásia (Nimble Books, 2009), Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War (Nimble Books, 2007) e Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge . Seu último livro é Obama does Globalistan (Nimble Books, 2009). Email: pepeasia@yahoo.com . Para acompanhar o seu artigos sobre a Grande Revolta Árabe, clique aqui . 

O original encontra-se emhttp://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MH25Ak02.html
 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . 


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Tomará posse segunda-feira, às 20h, no Teatro da Cidade, a diretoria da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia

É a seguinte a composição da diretoria:

Presidenta – Maria Christina Rodrigues
Vice-Presidente -  Betinho  Duarte
Secretária - Valéria Ciriaco Carvalho
Tesoureiro - Carlos Alberto de Freitas
2º Secretário - Jorge Antônio Pimenta Filho
Conselho Deliberativo Fiscal:
Aluísio Rodrigues Coelho
João Marques de Aguiar
Lúcia Marly de Oliveira
Marco Antonio Azevedo Meyer
Maria Clara Abrantes Pêgo
Maria Gezica Valadares
Nilmário Miranda
Foram indicados para o Conselho Consultivo, dependendo de aceite entre outros:
Aloísio Morais Martins
Amilcar Martins
Ângela Gutierrez
Ângela Pezzuti
Antonia Puertas
Antônio Pinheiro
Antônio Ribeiro Romaneli
Apolo Heringer Lisboa
Carlos Cateb
Celina Albano
Cléber Consolatrix Maia
Clotilde Ayer
Dídimo Paiva
Dinorá do Carmo
Diva Moreira
Elizabeth Maria Fleury Teixeira
Emely Vieira Salazar
Evilázio Teubner Ferreira
Fahid Tahan Sab
Fernando Damatta Pimentel
Flávio Andrade
Frei Beto
Gildásio Cosenza
Guy de Almeida
Helvécio Ratton
Hildebrando Pontes Neto
Ione Grossi
Ivo José
Jânio Oliveira Bragança
Jardel Lopes
Joana D’Arc Gontijo
Jorge Raimundo Nahas
José Carlos Laender Castro
José Edgard Amorim Vieira

José Francisco Neres
José Maria Rabelo
Jurandir Persechini
Lázara Maria da Felicidade Ribeiro Lemos
Leonardo Spencer
Luiz Carlos Bernardes
Magda de Almeida Neves
Márcio Araújo de Lacerda
Márcio Augusto Santiago
Marcos Santana
Marcos Tito
Maria Auxiliadora Bambirra
Maria Dirlene Marques
Maria Emília
Maria Leonor P. Marques
Maria Merces Somarriba
Mauro Mendes Braga
Michel Marie Le Ven
Neide Pessoa
Neusa Ladeira
Otávio Elisio Alves Brito
Otávio Soares Dulci
Padre Henrique
Patrus Ananias de Souza
Paulo Elisiário Nunes
Pedro Paulo Cava
Plínio Arantes
Renato Santos Pereira
Ricardo Apigaua
Roberto Carvalho
Sálvio Humberto Penna
Sônia Lacerda Macedo
Suzana Lúcia Silva Belo
Teuda Bara Fernandes
Vanda Regina Rodrigues
Vera Pape Pape
Vicentão
Em homenagem póstuma e reconhecimento, foram indicados para o Conselho  de
Honra In Memoriam
:
Adherbal Teixeira Rocha
Adriano Fonseca Filho
Afonso Carlos Vitor

Afonso Maria da Cruz
Agnaldo Galvão Leal - Padre Agnaldo
Aides Dias de Carvalho
Alcides de Oliveira
Alcides Salles Filho
Aldo de Sá Brito de Souza Neto
Alvaro Hardy – Veveco
Alvaro Rabelo
Alvino Ferreira Felipe
Amílcar Vianna Martins
Andréia Marques Rodrigues Ladeira
Anélio Marques Guimarães
Ângelo Pezzuti da Silva
Anthero de Carvalho Drumond
Antônio Carlos Bicalho Lana
Antônio Holandino de Araújo
Antônio Joaquim de Souza Machado
Antônio José dos Reis
Antônio Luiz Paixão
Antônio dos Três Reis Oliveira
Arildo Valadão
Ariosvaldo Campos Pires
Aristides Lisboa
Arlindo José Ramos
Armando Ziller
Arnaldo Cardoso Rocha
Ary de Souza
Áurea Eliza Pereira Valadão
Azarias Duarte Soares Souza Lima
Benedito Gonçalves
Carlos Alberto Scotti
Carlos Alberto Soares de Freitas
Carlos Schirmer
Carmela Pezzuti
Cecílio Emígdio Saturnino
Célio de Castro
Celius Aulicus Gomes Jardim
Celso Aquino Ribeiro
Celso Monteiro Furtado
Ciro Flávio Salazar e Oliveira
Custódio Rezende Evangelista de Paula
Daniel José de Carvalho
Darcy Ribeiro
David Rodrigues Diniz
Décio Geraldo de Oliveira Sales
Devanir José de Carvalho
Dimas da Anunciação Perrin
Domingos Ribeiro Viotti
Edgar de Godói da Mata Machado
Edina Maria da Paixão
Eduardo Antônio da Fonseca
Eduardo Colen Leite - Bacuri
Eduardo Demétrio Ferreira
Helena Greco
Eliane Martins
Eloy Ferreira da Silva
Elson Costa
Euro Luís Arantes
Evelyne Pape Singer
Flávio Sampaio

Francisco de Assis Magalhães Gomes
Francisco Lage Pessoa - Padre Lage
Francisco Mário de Souza - Chico Mário
Francisco Nascimento - UTP
Frederico Ozanam Pereira
Geralda Damatta Pimentel - Dona Dina
Geraldino Heleodoro de Carvalho
Geraldo Bernardo da Silva
Geraldo Ludovico
Geraldo Magela de Almeida
Geraldo da Rocha Gualberto
Gerosina Silva Pereira
Getúlio D'Oliveira Cabral
Gildo Macedo Lacerda
Gilson Miranda
Guido Leão Santos
Guido Rocha
Guinaldo Nicolaevscky
Helber José Gomes Goulart
Hélcio Pereira Fortes
Hélio Pellegrino
Hélio Pontes - sociólogo
Hélio Salvador de Azevedo
Henrique Cláudio de Lima Vaz - Padre Vaz
Henrique de Sousa Filho - Henfil
Herbert Eustáquio de Carvalho
Herbert José de Sousa - Betinho
Herculano Mourão Salazar
Idalísio Soares Aranha Filho
Isis de Araújo D'Ávila Magalhães
Itair José Veloso
Ivan Mota Dias
Izaurino Alves de Souza
Jaime Petit da Silva
Jair Ferreira de Sá
James Alen Luz
Jaime Nelson Wright - Reverendo Jaime Wright
Jayme Goifman
Jeová de Assis Gomes
João Batista Franco Drummond
João Bosco Burnier - Padre Burnier
João de Carvalho Barros
João Domingos Fassarella
João Firmino Luzia
João Lucas Alves
João Pio de Souza
Joaquim José de Oliveira
Joel José de Carvalho
Jorge Batista Filho
José de Assis
José Bartolomeu Greco
José Carlos Novaes da Mata Machado
José do Carmo Rocha
José Costa - jornalista José Costa
José Flávio Rodrigues Pereira
José Isabel do Nascimento
José Júlio de Araújo
José Matheus Pinto Filho
José Pereira Martins Filho - Zequinha
José Prímola Ferreira

José Renato Campos do Amaral
José Roberto Gonçalves Rezende
José Rocha Filho - Frei Matheus
José Teubner Ferreira
José Toledo de Oliveira
Juarez Guimarães de Brito
Judith Vieira Lisboa
Lenine Moreira da Silva
Lourival Vilela Viana
Lúcia Helena Righetti Melino
Lucimar Brandão Guimarães
Lúcio Petit da Silva
Luis Bento
Luiz de Carvalho Bicalho
Luiz Pompeu de Campos
Magda Magalhães Alves
Marcelo Guimarães
Marcelo Righi Marco
Márcio José de Araújo
Marcos Magalhães Rubinger
Maria Augusta Carneiro Ribeiro - Guta
Maria Auxiliadora Lara Barcellos
Maria das Graças Teixeira
Maria Floripes Nascimento Alves
Maria Lúcia Petit da Silva
Maria da Penha Lima - MST
Mário Alves de Souza Vieira
Mário Bento da Silva
Mariza Afonso
Maurício de Rezende Pires Alcântara
Mílton Freitas de Carvalho
Mílton Soares de Castro
Murilo Pinto da Silva
Nathanael de Moura Giraldi
Nelson José de Almeida
Nestor Veras
Ney Jansen Ferreira Júnior
Olympio Perez Munhoz – Seu Olympio Garçon
Ondina Pedrosa Nahas
Oracílio Martins Gonçalves
Orestes Timbaúva Rodrigues
Orlando da Silva Rosa Bomfin Júnior
Osório da Rocha Diniz
Osvaldo Orlando da Costa
Oswaldo França Júnior
Otaviano de Carvalho
Paschoal Souza Lima
Paulo Costa Ribeiro Bastos
Paulo Freire
Paulo Irmensul Rogedo
Paulo Regulus Freire
Paulo Roberto Pereira Marques
Pedro Alcântara Moreira
Pedro Alexandrino de Oliveira Filho
Raimundo Carlos
Raimundo Eduardo da Silva
Raimundo Gil da Silva
Raimundo Gonçalves Figueiredo
Raul Amaro Nin Ferreira
Regina Nabuco

Reinaldo Melgaço
Roberto Décio de Las Casas
Roberto Francis Drummond
Rodolfo de Carvalho Troiano
Rodolpho Fritsch Filho
Ronaldo Mouth Queiroz
Sami Sirihal
Sebastião Tomé da Silva
Sinval de Oliveira Bambirra
Sônia Maria de Moraes Angel Jones
Stela Mares Rafante Martins
Stuart Edgar Angel Jones
Sylvio de Vasconcellos
Therezinha Viana de Assis
Tito de Alencar Lima - Frei Tito
Valmir José de Resende
Vicente Abreu
Vinícius José Nogueira Caldeira Brant
Virgílio Faustino Salomão
Waldemar das Dores - Mamário
Walkíria Afonso Costa
Walter de Souza Ribeiro
Zilah Souza Spósito
Zuleika Angel Jones - Zuzu Angel


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O desastre de Tio Sam em Cuba, numa confissão do próprio Tio Sam


CIA libera documentos sobre invasão da Baía dos Porcos em Cuba

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imagemCrédito: Estadão
Texto mostra que invasão foi ainda mais desastrosa do que militares americanos imaginavam
15 de agosto de 2011 | 20h 33
Agência Estado
Na foto, Fidel Castro fala com soldados cubanos durante a invasão, em 1961.
WASHINGTON - Três dias após o aniversário de 85 anos de Fidel Castro e 50 anos após o desembarque de tropas cubano-americanas na Baía dos Porcos, a Justiça dos Estados Unidosobrigou a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) a divulgar parte dos arquivos sobre uma das mais célebres operações militares da Guerra Fria. Os documentos revelados apontam erros do Departamento de Estado, do presidente John F. Kennedy e afirmam que a invasão foi ainda mais desastrosa do que se imaginava.
Segundo os arquivos, Grayston Lynch, principal agente da CIA, ordenou disparos contra aviões que os Estados Unidos tinham enviado para a proteção dos invasores, derrubando alguns. Washington havia fornecido aviões B-26 parecidos com os da Força Aérea cubana - caso fossem abatidos, a ideia era negar envolvimento americano e alegar que os aviões eram pilotados por desertores cubanos. "Disparamos contra dois ou três, porque só víamos uma silhueta", afirmou Lynch.
O episódio é uma das muitas revelações de quatro volumes escritos por Jack Pfeifer, historiador da CIA, entre 1974 e 1984. As 1,2 mil páginas foram divulgadas por ordem judicial, com base na lei de acesso à informação, a pedido do Arquivo de Segurança Nacional, um grupo privado ligado à Universidade George Washington - há um quinto volume que a CIA ainda se nega a liberar.
Entre os novos detalhes está o desvio de recursos da operação para pagar a máfia para assassinar Fidel Castro. Os planos eram tão secretos que nem Jacob Esterline, comandante da invasão fracassada, sabia. Apesar de a Casa Branca ter proibido o envolvimento direto de americanos na ação, segundo os documentos, a CIA permitiu que pilotos sobrevoassem as praias de Cuba - quatro foram abatidos e mortos. Eles foram condecorados apenas em 1976, em cerimônias secretas.
Os documentos também detalham a participação de Richard Nixon, que era vice-presidente quando a operação começou (durante a presidência de Dwight Eisenhower) e acordos fechados com o então ditador da Nicarágua Anastasio Somoza para cooperar em troca de dinheiro.
Para historiadores, uma das mais importantes revelações é que nem mesmo a CIA acreditava no sucesso da operação sem intervenção direta dos Estados Unidos. Mais tarde, Kennedy teria dito a assessores que a agência apostava que ele não resistiria à pressão e enviaria apoio militar. De acordo com Pfeifer, era "absurda" a tentativa de Kennedy de encobrir o envolvimento americano na operação e teria sido um erro não enviar apoio aéreo para os invasores.
Em conversa com o então secretário de Estado, Dean Acheson, Kennedy estimava que seriam 1,5 mil invasores contra 25 mil oponentes. "Não precisa ser um gênio para saber que 1,5 mil é menos do que 25 mil", teria resmungado Acheson, em uma crítica discreta à ingenuidade do presidente. As informações são da Associated Press.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Mauro Iasi faz uma tocante homenagem a Saramago


(ou de flores, pessoas e palavras)1
Mauro Luis Iasi2
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Crédito: F. J. Saramago
Joana Carda traçou uma linha no chão com sua vara de negrilho, os cães de Cerbère, que nunca ladram, ladraram ao fundo, enquanto os estorninhos passaram a seguir o pobre José Anaiço, ao mesmo tempo em que Joaquim Sassa lançava uma pedra ao mar e a terra tremia sob os pés incrédulos de Pedro Orce3... pronto... a Península Ibérica se soltou do continente europeu e navegou pelo oceano tenebroso da mesma forma que muito tempo antes navegantes portugueses se lançavam com suas naus, sextantes e velas em busca de um novo mundo, ou fugindo do velho mundo que naufragava em terra firme, não se sabe; mas não adiantemos nossa história, pois nada disso seria possível se em outro momento, numa mera quinta feira como qualquer outra, pois um dia nada mais é que um dia, ainda que todos os dias, mesmo os mais corriqueiros, tenham sua história e levaria anos para contá-la, mas no mais das vezes não passam mesmo disso, um dia como outro qualquer, e neste em especial nada aconteceu. Nem terra tremeu, nem penínsulas se divorciaram de seus continentes e não fosse o fato de que cães latiram, aliás, como sempre fazem os cães que não são de Cerbère, nada de especial se veria de neste dia, nesta casa, nesta gente humilde que tem casa, mas não tem terra e ainda assim lavra e planta e colhe naquilo que não tem para produzir aquilo que não terá; nesta casa sem terra, neste dia 16 de novembro de 1922 que calhou ser uma quinta feira, e que não se tire deste fato conclusões, pois poderia ser quarta ou sábado que da mesma maneira o rebento nascia, uma vez que não se vem ao mundo munido de calendários, mas por necessidade de sair do ventre e entrar no mundo, sem pedir licença ou saber aonde, se em Portugal ou Espanha, saberá deus onde acaba um e começa outro. Coube ao destino que fora em Portugal, mais precisamente em Azinhaga, no conselho de Colegã, na província de Ribatego, onde nada há, mas havia uma casa de camponeses que não tinham terra, mas tiveram um filho e o chamaram de José, condenando-o, sem o saber, a trabalhar como trabalhou o pai do nome e a ver obras serem paridas sem saber se foi ele mesmo que as fez. Para não esquecer de onde veio coloram em seu nome outros nomes para que entre tantos josés ele se encontrasse consigo mesmo e não se confundisse com os outros que como ele trabalhariam no que não tinham, produzindo para não ter; e foi assim que José carregou também o Souza de sua mãe e Saramago de seu pai. O Souza seguiu o destino das mulheres de Portugal, de negro e na sombra, lembradas para serem em seguida esquecidas, de forma que o rebento que entrara no mundo naquela quinta-feira do mês de novembro do ano de 1922 ficaria conhecido apenas por José Saramago, hoje reconhecido como nome importante de escritor, mas que naquela quinta-feira não passava de nome de trabalhadores sem terra e que na verdade dizia no nome fabricado de letras a carne da coisa que representa, não como o nome da rosa, coisa de importância outra que arrebata corações tomados por paixões avassaladoras e enfeita mesas sofisticadas de gente de nossa melhor sociedade, ou coisa ainda mais séria que Umberto Eco nos conta, mas não explica; pelo contrário aquele nome dizia respeito à coisa bem mais simples e corriqueira, nada mais que uma pequena florzinha silvestre que brota de escombros – saramago – em minúsculo mesmo, pois flor não merece distinção de gente, ainda que como gente brote em qualquer parte, até mesmo em escombros.
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No registro encontrar-se-á o dia 18, mas uma coisa é o dia em que se nasce e outra aquele em que se registra o que nasceu, ora só o que faltava é não considerar o existente por dois dias, tirar da existência dois dias por coisas burocráticas como registros de nascimento. Nasceu e por dois dias o Estado não o reconheceu, talvez por vingança depois de crescido o nascido também o Estado não reconheceu, mas isso são coisas de comunista que depois veremos como se dão. Naquele momento não era comunista nem cristão, apenas era e assim cresceu e se mudou, porque diferente de flor silvestre que sempre está onde nasce, com gente é diferente, sempre carregando suas raízes fora da terra, levantado do chão, navegam com suas coisas e filhos para cidades grandes e frias que os recebem com indiferença e asco como se o chão que assenta a cidade não fosse também o mesmo chão que abrigava os que antes não tinham terra e na cidade continuam não tendo por profissão. Mas, cidades são escombros de outra natureza feitos dos sonhos daqueles que nelas chegam e o jovem José em Lisboa também sonhava e estudou no Liceu e no Técnico sem, contudo, poder continuar os estudos, pela maldição do nome se colocou a trabalhar desde cedo, aos 12 anos, como serralheiro, depois mecânico, desenhador e funcionário público de vários afazeres na saúde e previdência social e tanto trabalhou que não seguiu estudando como queria. Não podendo desposar os livros em seu templo universitário, os visitava como amante furtivo na Biblioteca Municipal no Palácio Galveias, na freguesia de Nossa Senhora de Fátima bem de frente à Praça de Touros do Campo Pequeno, que fora no século XVII casa de campo, quando ali ainda era campo, da família do ilustre e nobre senhor Marques de Távora que não receberia em sua casa coisa tão pequena como saramago, gente ou flor, mas que em 1759 perdeu a casa por conta de um processo movido pelo Estado envolvendo escândalo de grande monta ligado à tentativa de assassinato de D. José I, o que mostra que nem todo José carrega a maldição do trabalho ocupando-se de coisa mais nobre que é governar reinos, sem contar o próprio José que depois de se tornar santo não mais se ocupou da marcenaria por uma espécie de nepotismo celestial; mas o fato é que Dom Francisco de Távora perdeu sua bela casa que de mão em mão passou até que 1928 por ação da Câmara Municipal de Lisboa foi transformada em biblioteca, que diferente de palácios nobres aceita a qualquer um, seja saído ou não de escombros silvestres. Foi ali que o jovem José navegou novamente para longe só que desta vez sem sair do lugar, nas asas de páginas amareladas, cheirando a ácaro e mofo, se converteu em Ícaro e voou protegendo suas frágeis asas de cera do sol inclemente da realidade no interior das paredes de tal palácio que já foi de Marqueses e agora se diz público, onde se explica abrigar um menino de pais agricultores como os pais deles, que estudou e trabalhou e agora só trabalha de onde foge para amar os livros às escondidas.
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E amou e de tanto amar também passou a amar gente que como sabemos difere de flores e da mesma forma dos livros ainda que como eles conte histórias que carregamos não em páginas, mas nos olhos e no corpo e nas palavras que dizemos como nos livros e, da mesma forma que nos livros, às vezes nos vemos melhor que em nós mesmos ou em outro qualquer tipo de espelho, às vezes vemos outras pessoas em que nos vemos e, por um momento, já não sabemos onde acaba ela, onde começa a gente e, em fim, nos apaixonamos. E foi assim com José que encontrou Ilda Reis e com ela se casou no ano que então corria e que era o de 1944. Logo depois a terra tremeria e a culpa não foi ainda de Joana Carda e sua vara, mas de um pintor e seu tambor que varreria o mundo com suas hordas e que, ao contrário de nosso personagem, não amava os livros, mas os queimava. No entanto, mesmo em tempos de barbárie nos quais a humanidade mesma quase vira escombros, nascem flores, ainda mais aquelas que por vocação e nome nascem em escombros, e foi assim que no mesmo ano duas flores nasceram e nenhuma delas era flor: uma na forma de gente, também pequena flor silvestre brotando em ruínas, que recebeu o nome de Violante, sua filha; e outra, um pouco flor, um pouco filha, na forma de livro que batizou (porque livros também têm nomes) como o nome de A viúva (1947). Nomes são coisas interessantes, uns ficam com a gente a vida toda, mas por vezes colam em nós nomes que não são nossos e ficam sendo mais nossos nomes que os nomes que nos deram, como aconteceu com Lênin que era Vladimir, e foi isso que se deu com o primeiro livro de nosso escritor que nasceu com o nome de A viúva, mas o editor achou que assim não venderia e o rebatizou de Terra do pecado e desta forma foi conhecido, menos pelo próprio autor que odeia o nome dado, talvez porque tenha sido a primeira vez que se reencontrou com seu destino e de sua família, aquele de produzir coisas que se vão e não mais ficam nossas.
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Talvez por isso mesmo, ou porque nasceu com nome de flor silvestre que nasce em escombros, ou por serem seus pais camponeses que não tinham terra como seus avós, ou por trazer marcado no corpo a sina daqueles que trabalham para ver seu produto fugir de suas mãos, ou porque se chamava José e tinha que trabalhar e trabalhar, ou porque se parecia a Blimunda4 que quando não comia seu pão pela manhã podia ver dentro das pessoas, ou porque amava as palavras e os livros, e por isso as pessoas, ou porque podia construir na sua cabeça outro mundo que não este no qual flores, pessoas e livros são queimados, ou talvez por tudo isso, se tornou comunista: em 1969 entrou no Partido Comunista Português.
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Assim como ninguém nasce cristão ou comunista, um escritor não nasce quando escreve seu primeiro livro. José foi se procurando naquele mar de palavras, mas não se via bem naquilo que escrevia. Seu segundo livro foi rejeitado pelas editoras, chamava-se Clarabóia e permaneceu inédito para sempre; só voltaria a publicar dezenove anos depois, mas agora bravo com a prosa resolveu se procurar na poesia e os chamou de Os poemas possíveis (1966). É mais fácil da gente se ver na poesia, ainda que seja mais difícil fazê-la, porque ela se mostra assim inacabada de maneira que uma pessoa olha o que é mostrado e se encontra naquilo que não é revelado, então, ela inventa o resto imaginando que o poeta escreveu para ela. Outros dois livros de poemas viriam, Provavelmente alegria (1970) e O ano de 1993 (escrito em 1975, porque os poemas também não nascem com calendários e às vezes se confundem); tímidos como seu pai/flor silvestre, não se mostraram facilmente a todos que o procuraram e também neles José não se encontrou verdadeiramente. Tinha, pela maldição do nome, que continuar trabalhando, mas foi assim procurando um jeito de ficar perto das amadas palavras e pouco a pouco foi trabalhar em editoras e jornais5 e percebeu que as palavras, assim como as flores mudam, ainda que sejam sempre as mesmas flores, não são sempre as mesmas palavras, que plantadas em prosa soam solenes, em poesia se tornam leves como plumas e no jornal se apresentam duras. Como ele amava as palavras incondicionalmente, as amava como elas eram, leves ou densas, alegres ou cínicas, poéticas, sublimes ou duras, como amava as pessoas que da mesma forma assim se apresentam, como flores e palavras, às vezes meigas, às vezes cruéis, portanto, não poderia amá-las menos pela crueza do dia a dia contando-nos coisas prosaicas e corriqueiras, sobres coisas que marcam tão fortemente um dia, mas que raramente são lembradas na semana, nas cinzas do mês ou no túmulo dos anos. Desta forma, pois a vida encontra formas muito várias para promover encontros, uma flor silvestre sem terra, nascida de escombros, que havia encontrado e amado os livros, que por amar palavras, pessoas e flores se tornou comunista, que por querer ser escritor pariu dois romances nos quais não se viu, que na poesia se procurou sem se achar, encontrou-se com a crônica. Deste encontro foram seus filhos: Deste mundo e do outro (1971), A bagagem do viajante (1973), As opiniões que o DL (Diário de Lisboa) teve (1974), Os apontamentos (1977).
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Foi quando estava a trabalhar nos jornais a escrever crônicas, pequenos pedaços da vida tomados pelas palavras, que a vida mesma se virou do avesso em sua Portugal e as palavras e as flores e as gentes tomaram as cidades/escombros de onde nasceram e marcharam nas ruas recolhendo os sonhos daqueles tantos que por elas haviam passado, como pequenas flores que rompem os escombros e buscam o sol e se tornam vivas e se tornam vermelhas e se tornam cravos, que são flores estranhas e belas que se dão para as amadas, se atiram aos toureiros, são mordidas por lábios de irrequietas dançarinas espanholas e ornam túmulos desafiando o fim de tudo com a continuidade sutil da beleza e que ali ornavam fuzis, instrumentos de morte, transformando-os em vasos de flores, porque um fuzil, como as flores, as palavras e as pessoas podem ser muitas coisas além delas mesmas, como um soldado adestrado na arte de matar, que já foi flor pequena em sua aldeia, que já foi gente antes de se tornar engrenagem da máquina de morte pode se transformar novamente em cravos, que podem ser pregos grandes que prenderam Jesus na cruz ou flores belas que tiram o povo dela, e abraçar seu povo que virou uma linda flor vermelha chamada Revolução e que nasceu no dia 25 de abril de 1974: um sábado.
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Saramago volta ao Diário de Notícias, agora como seu diretor, veja onde flores pequenas podem chegar levadas pelas pétalas de uma revolução. A vida lhe parecia agora um livro sendo escrito no qual as palavras reencontram as coisas que as pariram, os poemas, os livros e as crônicas empalidecem diante desta obra coletiva. Mas as revoluções, como a terra e seus produtos, como as flores, os livros e as pessoas, podem fugir de nossas mãos, podem virar livros nos quais não nos reconhecemos mais. Em novembro de 1975, dez meses depois de assumir a direção do Diário, os militares demitem os funcionários acusados de promover os excessos da revolução de abril. Já murcharam sua festa oh pá, mas certamente, esconderam uma semente n’algum canto de jardim. Mas, isso quem disse não foi José, foi Francisco com seus olhos de água clara que cultiva o hábito de guardar lágrimas que não são suas. Saramago reage como um dia, do outro lado do mundo, amaldiçoou Jack London ao dizer: “não vou nunca mais trabalhar como trabalhei e que Deus me fulmine se algum dia eu der de mim mais do que meu corpo pode dar e desde então tenho me dedicado a fugir do trabalho”. Nosso amado escritor reagiu de forma mais prudente, talvez por ser ainda flor pequena, talvez por ser português, mas no mesmo sentido ao dizer: “Estava à espera de que as pedras do puzzle do destino – supondo-se que haja destino, não creio que haja – se organizassem. É preciso que cada um de nós ponha a sua própria pedra, e a que eu pus foi esta: Não vou procurar trabalho!” Assim, como amante que se esquece da hora no corpo da amada, nosso José se entregou às palavras para viver nelas e delas viver.
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Por falar em amadas, quase nos esquecemos falando de coisas de livros e de revolução, que os amores, como as flores, as palavras e as revoluções, também envelhecem e o dele envelheceu como palavras que por muito tempo não ditas, guardadas em seus túmulos de papel, distantes do carinho da língua, não mais se reconhecem quando encontradas, da mesma forma amores passaram e amores vieram, como Isabel de Nóbrega em 1966. Mas, da mesma forma que nas palavras e nos livros, também nos amores às vezes não nos encontramos e seguimos procurando até que ele nos encontra. Foi assim, um pouco pelos livros, um pouco pelos encontros, que outra moça que lia o autor que se escondia atrás das palavras que escrevia, conseguiu vê-lo atrás das palavras que o escondiam. Seu nome era Pilar del Rio que procurou o José por trás das palavras de Saramago e dizem que o encontrou e ele a ela e assim ficaram, ele nascido em Portugal, ela em Espanha, mas como já se disse, sabe-se lá onde termina um e começa a outra, como eles também se confundiram desde 1986 e assim ficaram sem bem saber onde acabava um e começava a outra.
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Tendo se procurado nos romances e nos poemas e nas crônicas e nas revoluções, seguindo seu destino de José, de flor pequena que nasce em escombros, sem se encontrar verdadeiramente em nada embora em tudo se buscando, o português demitido escreveu mais um livro, assim como alguém que não enxergando direito o caminho à frente resolve voltar atrás para ver se consegue se encontrar, e assim nasceu o Levantado do chão (1980)6 no qual camponeses do Alentejo lutam por terra desde o século XIX até o 25 de abril de 1974. Sem bem saber se escrevia romances, poemas, crônicas, se mesmo escrevia ou pensava o mundo e assim filosofava, ou se conversava, ou se como seus pais e avós fizeram por toda a vida, plantava sem ter terra, por isso construía sua obra no ar das palavras, Saramago resolver misturar tudo isso e escrever romances-poemas-crônicas-filóficas, enfim, conversas e como tal sem parágrafo e travessão, sem indicar quem fala e se fala ou só pensa, levam o leitor para dentro de uma trama de tal modo que ele fica sem saber ao certo se lê ou participa, se é ele pensando o que o autor esta escrevendo ou este escrevendo o que ele já pensou ou vai pensar. Não sabemos ao certo de onde veio isto, de Camões ou de Marx, de Azinhaga ou de Lisboa, dos escombros de um Portugal que já foi grande, ou da pequenez de uma flor silvestre, mas, certamente, chegou com o Memorial do Convento (1982), livro que Pilar leu em sua Espanha e não descansou até que achou quem o escreveu, livro que começa com a promessa do Rei de construir um convento caso a rainha engravidasse e acaba envolvendo três personagens: Blimunda, filha de uma herege queimada na fogueira da Inquisição e que tem o poder de ver dentro das pessoas quando não come pela manhã, Baltazar Sete-sois que perdeu a mão na guerra com a Espanha e o Frei Bartolomeu Lorenço que insiste que o homem podia voar fazendo uma máquina que se levanta com o éter das pessoas aprisionados em frascos de âmbar.
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Seguiriam O ano da morte de Ricardo Reis (1984), A jangada de pedra (1986), no qual nossa Joana Carda e sua vara de negrilho risca o chão e a península Ibérica singra os mares não encontrando lugar nem na Europa de onde partiu, nem no Novo Mundo onde não chegou; A história do cerco de Lisboa (1989), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio Sobre a Cegueira (1995), Todos os Nomes (1997), A Caverna (2000), O Homem Duplicado (2002), Ensaio Sobre a Lucidez (2004), As Intermitências da Morte (2005), A Viagem do Elefante (2008) e seu último romance, Caim (2009), além de peças de teatro, contos e livros de viagens.
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Como já disse Fernando Pessoa, personagem de O ano da morte de Ricardo Reis, um dos alteregos do poeta, o poeta é um fingidor de tal maneira e tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. Saramago em sua prosa falada, ou sua conversa escrita (como nosso Guimarães, que também é flor, só que rosa) nos conduz a uma miríade de personagens tão fantásticos como reais, tão literários quanto corriqueiros, fingindo um mundo fingido que só vemos claramente quando ficamos cegos, como em seu fantástico Ensaio sobre a cegueira. Fechamos os olhos para o mundo e os abrimos para as páginas saramagianas e eis que o mundo se nos revela mais fácil de compreender, ainda que cada vez mais difícil de aceitar tal como está, como no dia da eleição na qual ninguém comparece para votar em seu Ensaios sobre a Lucidez, lucidez, aliás, que o povo brasileiro deveria exercitar qualquer dia. Saramago nos parece às vezes que levantava cedo e não comia seu pão para poder olhar para dentro das pessoas como Blimunda, ou sendo o único que vê nos leva a nós cegos pelos caminhos de um mundo em destroços que conhece bem no seu ofício de flor silvestre, de forma que já não sabemos onde acaba o autor onde começam os personagens, como acontece nas paixões e nas revoluções, com Portugal e Espanha, com José e Pilar, com o leitor e o livro.
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O leitor só se reconhece na obra em que o autor se reconheceu, assim como o humano no humano, o homem se reconhece primeiro em seu semelhante, disse Marx7, através da relação com o homem José, na condição de seu semelhante, toma o homem Mauro consciência de si mesmo como homem, de forma que é porque o autor se coloca inteiro como ele é na obra que o leitor pode reconhecer naquilo que é o outro, aquilo que ele é. Como um cão velho que trazia como nome Achado8, porque isso mesmo era – achado –, tivesse ele pai para chamá-lo de flor, nome de flor teria, mas como encontrado foi, Achado era seu nome, e que desenvolve a vaga sensação de pertencer a algo maior que ele, como nós a uma classe, um escritor ao seu país, um homem à humanidade. Este velho hábito de nos procurar fora de nós mesmos, em palavras, livros, poemas, pessoas e flores, às vezes, também, nos leva para longe de nós mesmos em coisas que se voltam contra nós, como nas mercadorias e em Deus. Por isso, Saramago viveu buscando o caminho de volta neste estranho fenômeno no qual uma relação entre seres humanos assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas, como também disse Marx, e fala através de um de seus personagens: “É preciso reconstruir tudo... não tínhamos remédio, quando as coisas éramos nós. Não voltarão os homens a ser postos no lugar das coisas”9. Foi assim que reescreveu o evangelho e nele Jesus era um homem e era filho de um homem que como ele chamava José, que concebeu um filho em sua Maria, que é como os homens fazem quando o espírito santo não está por perto, um filho que tinha medo e tinha dúvidas e errava, como no dia que expulsou os demônios colocando no corpo dos porcos que se jogaram na água e foi perseguido pelos enraivecidos donos dos porcos que perderam seu sustento, ou como quando em um barco reunidos Jesus, o diabo e Deus, o diabo sabendo de tudo que a humanidade iría passar por causa da religião e da morte de Jesus, guerras, cruzadas e inquisições, resolve se render e voltar aos céus submetendo-se à vontade de Deus se isso salvasse o menino e a humanidade de tanto sofrimento, e uma voz acima deles responde: não!
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Então, Joana Carda riscou o chão com sua vara de negrilho e separou-se José e seu Portugal, e os cristãos não gostaram de ver Cristo como um homem porque estavam desacostumados a se ver em outras pessoas, acostumados que estavam a ser coisas e a projetar feuerbachianamente o sol da sua existência para alguma coisa fora deles, não gostaram daquilo que leram, mas a culpa não é do livro como culpado não é o espelho do velho que nos substituiu e das rugas que ele trás.
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Saramago navegou uma vez mais, agora para fora de Portugal, exilando-se em sua ilha, em seus livros e no coração de Pilar. Nunca parou de escrever, de amar os livros e as palavras, as flores e as pessoas, nunca parou de pensar, menino pequeno flor silvestre, José condenado ao trabalho, cravo rebelado com os soldados que em um abril ficaram “nus, rodeados pelos homens e pelas mulheres que antes tinham sido roupas e armas”10, quando ganhou o prêmio Nobel em 1998, o mesmo Nobel que inventou a dinamite no mesmo ano que Marx publicou o primeiro livro de O capital, que como ele nunca deixou de ser comunista, mesmo sob escombros de muros e estados, acostumado que estava a brotar de escombros, disse: “Eu sou o que poderia se chamar de um comunista hormonal. Da mesma forma que tenho no meu corpo, não sei onde, um hormônio que me faz crescer a barba, há um outro hormônio que me leva, ainda que não queira, a ser comunista”11.
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E Joana Carda riscou o chão mais uma vez.
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A terra não tremeu, penínsulas não partiram como jangadas enfrentando o mar tenebroso, os cães de Cerbère não ladraram, nem estorninhos seguiram ninguém. Blimunda que esquecerá de comer seu pão viu um grande vazio dentro das pessoas. Cegos, votantes, Cipriano Algor, oleiro por profissão e sua filha Marta, cães achados e perdidos, Jesus e o diabo, Ricardo Reis, homens duplicados, Baltazar Sete-Sois e Frei Bartolomeu Lorenço, nos olham incrédulos de suas casas de papel. Seu pai partia tranqüilamente do mundo, em sua jangada de nada para lugar algum, no colo de sua amada, porque as pessoas, como as flores, as palavras e as revoluções também passam, porque tudo flui e tudo segue. Mas, algumas flores, como certas palavras e determinadas pessoas, desenvolvem a arte de ficar, porque foram elas mesmas e se viram nos outros e generosas nos mostraram a nós mesmos e nos deixaram morar em suas palavras como se fosse nossa casa e nossa terra, terra que seus pais nunca tiveram e meus camaradas ainda não têm, mas que um dia teremos, como ele hoje tem, não apenas aquela onde descansa, mas no coração de todos nós, seus personagens. Dizem que em Azinhaga, no conselho de Colegã, na província de Ribatego, na mesma hora uma pequena flor silvestre brotava de um escombro e um cão uivou um ganido tão triste, tão triste que todas as mulheres de Portugal soltaram ao mesmo tempo um suspiro. Saramago morreu escritor, comunista e pequena flor silvestre no dia 18 de julho: um domingo.
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1. Publicado na Revista Em Pauta, da Faculdade de Serviço Social da UERJ, n. 26, dezembro de 2010, pp. 129-136.
2. Mauro Luis Iasi é Professor Adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, autor de Meta Amor Fases (Expressão Popular, 2008), Ensaios sobre Consciência e Emancipação (Expressão Popular, 2007), O Dilema de Hamlet (Viramundo, 2002), entre outros, membro do CC do PCB.
3. Personagens do romance Jangada de pedra (1986) de Saramago.
4. Personagem do livro de Saramago – O memorial do convento (1982).
5. Saramago trabalhou na Editorial Estudos Cor e nos jornais Diário de Notícias e Diário de Lisboa.
6. Antes dele houve outro que o próprio autor reconhece não ser aquele em que encontra finalmente seu estilo – Manual de Pintura e caligrafia (1977).
7. Marx em O Capital, livro I, volume I, nota 18, página 60, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, s/d.
8. Personagem canino do romance A Caverna (2000).
9. Conto As coisas, integrante do livro Objecto quase (1984).
10. Idem, idibem. (SARAMAGO, J. Objecto quase. São Paulo: Cia das Letras, 2005, p. 105.
11. Entrevista à Folha de São Paulo, 13 de abril de 2010
FONTE: PCB