sábado, 28 de dezembro de 2013

Acre vive cotidiano de tensão agrária 25 anos após morte de Chico Mendes

                                                                 
Wilson Pinheiro, como Chico Mendes, foi assassinado

    Hoje, o seringueiro é quase uma figura em extinção no Acre


A pouco mais de 40 km da capital do Acre, Rio Branco, uma área de cinco mil hectares de um antigo seringal em uma região progressivamente tomada pela pecuária representa bem a situação vivida por seringueiros do Estado 25 anos após a morte do líder ambientalista Chico Mendes.

O que sobrou de floresta do seringal Capatará - que chegou a ter 62 mil hectares de mata nativa, mas hoje é principalmente usado como pasto - está localizado a poucos quilômetros de distância da Reserva Extrativista Chico Mendes, uma das maiores unidades de conservação do país.

No Capatará, ao menos 130 famílias vivem um impasse, esperando uma definição sobre se serão obrigadas a sair ou se poderão permanecer na área, agora ocupada por uma grande propriedade rural.
Mas, se na época de Chico Mendes, jagunços armados faziam o trabalho de retirar os seringueiros, agora os mandados de reintegração de posse são o método mais usado para assegurar a integridade das fazendas.

"Eu acho que nossa luta hoje está pior do que no tempo de Chico. Os fazendeiros estão mais fortes e dominam todos os órgãos que deveriam defender a causa do trabalhador sem-terra. Nosso movimento (dos trabalhadores rurais) está enfraquecido por as lideranças serem cooptadas pelo governo", declara José Apolônio, que foi amigo de Chico Mendes e agora é organizador do movimento de resistência das famílias do seringal.

"Muitas das pessoas que estão aqui já moravam por estas bandas quando tudo era floresta. Seus filhos e netos lutam para ter um pedaço de terra que lhes é de direito. Estas famílias chegaram antes do fazendeiro", diz.

Resistência

No início dos anos 1980, Chico Mendes começava na cidade de Xapuri os primeiros movimentos de resistência à "invasão" da floresta pelos "paulistas", como ficaram conhecidos os fazendeiros de outros Estados que emigravam para o Acre.

Semanas após o assassinato de Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade acriana de Brasileia, em 1980, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado de Chico Mendes, declarou: "A onça vai beber água".

A declaração foi vista como uma ameaça e rendeu a Lula e a Chico o enquadramento na Lei de Segurança Nacional.

O regime militar brasileiro estava em seus últimos anos, mas ainda tinha força suficiente para manter a ordem. Com o lema "uma terra sem homem para homem sem terra", os militares incentivaram a ocupação do Norte. Os seringais falidos do Acre eram vendidos e transformados em pasto.

Em seu movimento de resistência, a estratégia mais conhecida de Chico Mendes foram os "empates", correntes humanas formadas na frente de homens e máquinas que tinham por missão derrubar as árvores.

A luta de Chico Mendes lhe garantiu prestígio internacional, bem como a conquista de alguns inimigos. E foi um deles, Darly Alves, o responsável por elaborar o plano da emboscada contra o líder seringueiro. Com a toalha pendurada no ombro, Chico se preparava para tomar banho no banheiro localizado no lado de fora da casa.

Quando apareceu na porta, o tiro de espingarda foi disparado; a bala o atingiu no peito. Ele ainda conseguiu voltar para o interior da casa, onde morreu. O crime chamou a atenção do mundo. Jornalistas de todo os lugares ocuparam a pequena cidade de Xapuri.

Dias depois soube-se que o autor do disparo foi Darci Alves, filho de Darly.

Em extinção

Hoje, o seringueiro é quase uma figura em extinção no Acre. A falência da economia extrativista levou os povos da floresta a investir na agricultura de subsistência e criação de animais, como o próprio gado.

O extrativismo sucumbiu ante a força da pecuária introduzida na região. Dados mais recentes do IBGE apontam que o Acre tem três milhões de cabeça de gado, número quase quatro vezes superior à população do Estado, de 776 mil habitantes.

Para os fazendeiros, as mudanças no Estado trouxeram dinamismo à economia do Acre. "Não fosse a pecuária introduzida há 40 anos, certamente o Acre estaria numa situação bem mais pobre. A pecuária salvou o Acre da falência do extrativismo, que tem se mostrado inviável até hoje", diz Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária.

De acordo com Veronez, a pecuária ainda é a grande atividade econômica, sendo buscada até mesmo pelos moradores das reservas extrativistas.

Quanto aos conflitos agrários, Assuero considera que eles têm raízes diferentes dos que ocorriam na década de 1980. "Antes nós tínhamos um movimento de resistência contra o desmatamento por seringueiros que lá estavam. Hoje, ocorre invasão de propriedade, o que é muito ruim para o Estado", declara.

Mas, para muitos filhos e netos de seringueiros, a realidade de pobreza é a mesma, independentemente das mudanças na economia do Acre.

A possibilidade de ser expulso do seringal Capatará preocupa Adalcimar Alves da Silva, 36 anos, um dos 14 filhos de Graça Alves, que chegou ao local quando tudo ainda era mata.

Assim como os irmãos, ele nasceu e cresceu na floresta, mas está apreensivo com a possibilidade de ver a polícia na porta de casa com a ordem de despejo, mesmo com sua mãe tendo a titularidade de sua área.

"Eu nasci no Capatará, me criei aqui, não sei fazer nada além de plantar e colher minha produção. Se eu for para a cidade com mulher e filhos, passarei fome", afirma.

Além dos ex-seringueiros, pessoas de fora disputam com fazendeiros da região e ex-seringueiros a posse das terras.

Com um facão na mão, a agricultora Albertina da Silva Moraes vai cortando os galhos da árvore no caminho até seu roçado. Lá ela mostra a plantação de milho e mandioca responsável por assegurar a renda do mês.

Ela é uma das "posseiras" que chegou ao Capatará há menos de cinco anos. À espera de um assentamento do Incra, ela preferiu invadir uma área a aguardar uma intervenção do órgão federal.
Com sua espingarda pendurada no ombro, Antônio José Bandeiras Farias, 35 anos, saiu de Rio Branco há três anos para ocupar o Capatará às margens do rio Acre.

"Eu não tenho profissão, não sei o que fazer na cidade. Roubar eu não vou, então trouxe minha família para cá para vivermos da terra", diz.

Em uma região conhecida como Ramal do Cacau, no município de Bujari (distante 20 km da capital), a tensão entre posseiros e seringueiros se traduziu em violência, com uma morte sendo atribuída à briga pela terra.

Em outubro, adultos e crianças expulsas do Ramal do Cacau passaram a morar debaixo de uma ponte na BR-364. Sem ter para onde ir, voltaram ao local mesmo com o risco de sofrerem algum tipo de violência por parte de jagunços.

Antônio e Alberdina e os sem-terra do Cacau fazem parte das três mil famílias que estão à espera de serem assentadas pelo Incra.

De acordo o Instituto de Terras do Acre (Iteracre), o Estado tem hoje pelo menos sete áreas de conflito agrário, mas todas apenas no âmbito judicial.

O governo trabalha com a possibilidade de ter, até o fim de 2015, todas as famílias sem-terra assentadas; a prioridade, de acordo com o Iteracre, são as famílias acrianas há algum tempo no banco de espera.

"Nós não temos disputas armadas pela terra no Acre. Em comparação ao que aconteceu na época do Chico, há um clima de paz", diz Glenilson Araújo, diretor-presidente do órgão. (Com a BBC/MST)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Prestem atenção ao que se passa no campo, longe de Brasília

                                                               

Estamos divulgando  a Carta Aberta Comissão Nacional das Ligas dos Camponeses Pobres sobre a repressão aos camponeses Pobres em Rio Pardo estado de Rondônia.


"Goiânia, dezembro de 2013
  
Carta Aberta

Exmo. Sr.
Gercino Silva
Ouvidoria Agrária

Vimos protestar contra o silêncio sepulcral desta Ouvidoria diante das declarações do Governador de Rondônia Confúcio Moura após os acontecimentos em Rio Pardo.
Em última instância o Governador acusou as massas camponesas revoltadas de terem utilizado “táticas de guerrilha” contra a Força Nacional, responsabilizou a Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental pelo ocorrido, falou em terrorismo e manifestou seu desejo de “acabar com a Liga”!

Em primeiro lugar, Sr. Ouvidor, é público e notório que o governador está mentindo sobre o episódio. A revolta dos camponeses contra a Força Nacional foi filmada e está fartamente documentado em vídeos e fotos.

Revoltados, homens e mulheres desafiaram soldados armados; homens e mulheres com pedaços de madeira, e a Força Nacional fortemente armada. Os soldados armados se perderam em meio à fúria popular, e pelas imagens ficou claro que nem os policiais e nem o povo rebelado agiram durante o conflito seguindo algum comando. A própria Força Nacional reconhece que atirou não só com balas de borracha como também com munição letal.

Os camponeses literalmente atropelavam os policiais para retirar suas motos presas, quando o repórter do site Buritis News, sempre narrando os fatos, anunciou que iria se esconder dos tiros que viriam de possível armamento da viatura policial que ardia em chamas. Este mesmo repórter registrou que os policiais bateram em retirada deixando o que fora ferido para trás (em outras filmagens, são camponeses que tentavam socorrer o policial já sem vida).

Sr. Ouvidor, não aceitamos a condição de “bode expiatório” diante destes acontecimentos.

Sr. Ouvidor, nenhum camponês atirou no policial que morreu!

Sr. Ouvidor, vários moradores de Rio Pardo já foram torturados para confessar o disparo que partiu ou da caminhonete em chamas ou da arma de outro policial! Quem estava armado? Quem estava atirando? 

Quem estava desesperado a ponto de abandonar um colega ferido? E os relatos de organizações de direitos humanos que estiveram na região, dando conta do semblante desesperado dos policiais? Será que estas tropas tão bem treinadas para reprimir o povo estavam com medo, ou pressentiam que passaram dos limites e cometeram erros graves?

Querer culpar os camponeses pelo trágico desfecho de mais uma ação covarde do Estado seria ridículo se não fosse criminoso.

No Mato Grosso, de onde veio o soldado que morreu, vários sites reproduziram esta versão que o Sr. Confúcio encampou; foi divulgado que camponeses treinados em guerrilha pela Liga assassinaram o jovem soldado daquela terra. Isso não significa pedir vingança contra tão bárbaros e covardes assassinos? Isso não significa dizer que os que mataram “o filho do Mato Grosso” moram aqui, trabalham ali, e têm uma rotina determinada?

Isso é crime, as declarações do Sr. Confúcio são criminosas, e nenhuma autoridade contestou estas declarações!

Para abafar o clima de insatisfação generalizada que sua gerência alcançou no Estado de Rondônia, particularmente entre os camponeses (pobres ou médios), o Sr. Confúcio coloca a prêmio, não para serem julgados e sim para serem assassinados, os ativistas do movimento camponês!

Isso é crime, é atiçar o terror entre as pessoas! Será que um governador, no que chamam “Estado Democrático de Direito”, pode mentir, disseminar o ódio e propor que os que lhe cobram e criticam sejam assassinados? O que será que calou está Ouvidoria, o fato do partido do Sr. Confúcio abrigar a Presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Senadora Kátia Abreu, aliada da Presidente da República?

Ainda uma questão, Sr. Ouvidor.

O próprio major Enedy, contumaz acusador da LCP em qualquer conflito pela terra que acontece em Rondônia, no Brasil e no mundo, negou a participação da Liga nos episódios. Sim, é verdade que ele havia negado a existência do conflito no momento em que ocorria, e passou vergonha. 

Mas o major Enedy sabia que entre os camponeses que resistiram em Rio Pardo estão familiares e mesmo policiais que vestem a mesma farda que ele; o major Enedy sabia exatamente como ocorreram as negociações que resultaram em traição às famílias de Rio Pardo; o major Enedy sabia que deputados e o próprio candidato Confúcio prometeram resolver o problema; o major Enedy sabia do clima de revolta na região.

Quando negou a participação da LCP, o major Enedy o fez para que não desse um tiro no próprio pé, para não acusar seus colegas de farda e familiares, porque o caso de Rio Pardo envolve camponeses, pequenos comerciantes, policiais, funcionários públicos...

Por ser do nosso princípio “terra para quem nela vive e trabalha”, mesmo apoiando, não dirigimos a luta das famílias de Rio Pardo! Nós somos diferentes de vocês que nos acusam e desvirtuam a luta pela terra!

É claro, Sr. Ouvidor, que os camponeses revoltosos sabiam que a Força Nacional estava chegando. Como não seriam informados, se talvez um dos próprios tivesse levado a comunicação em seus afazeres profissionais? Será porque teriam as informações sobre a movimentação policial que a resistência camponesa de Rio Pardo foi tachada pelo Governador de Rondônia como “guerrilha”? Será?  

Ou será que foi a fúria dos camponeses desarmados que o governador comparou a uma guerrilha? Camponeses aos bandos, desarmados, furiosos, pegando policiais à mão, guerrilha? Não, Sr. Ouvidor, o governador não seria tão idiota a ponto de concluir que esta revolta generalizada, que têm tudo para se espalhar em Rondônia, fosse uma guerrilha.

O que o Sr. Confúcio, (do mesmo partido do Sr. Raupp, responsável pelo massacre de Corumbiara em 1995) pretendeu com estas declarações foi desviar a atenção para o verdadeiro caos que está sua gerencia, para que não aparecessem as fissuras dentro do seu próprio aparato policial e sua base política.

É inadmissível, Sr. Ouvidor, que os senhores que atuam no sentido institucional de promover a “paz no campo” se calem diante de tantas mentiras e do verdadeiro atentado a vida de centenas de camponeses, que foi e é o verdadeiro significado das declarações do Sr. Confúcio!

Prender a torto e a direito como estão fazendo em Rio Pardo, sem apresentar mandato ou acusação formal, chutando portas e com truculência, poderia ser entendido por algum desavisado como um sinal de que o Estado vai se impor e resolver o problema “dentro da lei”. Não é verdade, Sr. Ouvidor! 

Sem um desmentido claro e peremptório desta Ouvidoria às declarações do Sr. Confúcio, sem que esta Ouvidoria, que têm o conhecimento de tudo o que se passou e se passa em Rio Pardo, não só por ter estado na área mas também por dispor de farta documentação enviada diuturnamente por um dos advogados dos posseiros, sem que a Ouvidoria Agrária esclareça a verdade dos fatos, o que vai prevalecer será a trágica conseqüência das palavras criminosas do Sr. Confúcio.
Aguardando a manifestação desta Ouvidoria,

Abaixo a criminalização da luta pela terra!
Liberdade para os presos políticos de Rio Pardo!
Terra para quem nela vive e trabalha!

Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres

Uma festa comunista, com certeza!

                                                 
                                                           
CHURRASCO DE FIM DE ANO DO PCB SABARÁ/MG

TRAGA UM LIVRO PARA PARTICIPAR DO "CAMARADA CLANDESTINO"

R$ 10,00 + 1 CX CERVEJA OU 2 L REFRIGERANTE

DIA 28/12/13 - 10 HORAS - NA CASA DO CAMARADA JOAQUIM

Mensagem de fim de ano do PCB Sabará/MG

                                                                 

O PCB Sabará/MG deseja a todos os camaradas, companheiros(as) e amigos(as) um bom final de ano

E que atravessemos esse período renovando as energias para as lidas do ano de 2014, certos de que estaremos juntos novamente nos desafios e embates colocados pela luta de classes, pelas lutas do nosso povo. 

Contribuindo para levar mais adiante essa contínua e tenaz batalha para construir uma posição justa que ilumine a prática e aponte o caminho da vitória sobre o jugo do imperialismo, sistema capitalista mundial, que, procurando inebriar a todos com seus nichos de néon, de mercadorias e bugigangas, oferece aos trabalhadores e aos povos, particularmente aos jovens, a falta de perspectivas, de valores, de princípios, a incerteza no futuro; oferecendo apenas a violência, a miséria, a barbárie.

Que 2014 seja um ano em que avancem a aspiração e a perspectiva da construção da nova sociedade, assentada nos valores da solidariedade e da cooperação, uma sociedade socialista, que livre a humanidade da exploração de uma classe sobre outra, rumo à sociedade sem classes.

"Que o ano de 2014 seja marcado pela solidariedade e a luta dos povos."

Boas Festas a todos!

Restos mortais de Arnaldo Rocha , filho do ex-dirigente do PCB João de Deus Rocha, serão sepultados sexta-feira no Parque da Colina

                                                               
Os restos mortais de Arnaldo Cardoso Rocha, morto pouco antes de completar 24 anos de idade, em 15 de março de 1973, por uma equipe do Doi-Codi de São Paulo, um dos principais organismos do aparato de repressão. serão sepultados no Cemitério Parque da Colina , localizado na Rua Santarém , Nova Cintra, Belo Horizonte, sepultura -Jazigo 22-18, Jardim das Paineiras XXX na próxima sexta feira, às 9 horas.Eles foram exumados na manhã de 12 de agosto em Belo Horizonte.

A exumação foi realizada por peritos do Centro de Medicina Legal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), coordenados pelo fisiologista Marco Aurélio Guimarães, e também por integrantes da Polícia Federal, por ordem da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos a pedido da viúva de Arnaldo, Iara Xavier Pereira, mãe do filho do militante assassinado.

A diligência, a pedido de Iara, foi acompanhada pela Comissão Nacional da Verdade e pelo Ministério Público Federal. Também compareceram a exumação integrantes do Comitê pela Verdade. Arnaldo Rocha era filho dos ex-militantes do PCB João de Deus Rocha e Anette Cardoso Rocha.

O ex-dirigente comunista João de Deus Rocha, pai de Arnaldo
                                                       
Cardoso Rocha foi morto sob tortura

domingo, 22 de dezembro de 2013

Sobre o 15º Encontro internacional de Partidos Comunistas e Operários em Lisboa

                                               
Giorgos Marinos [*] 
 Depois do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários realizado em Lisboa nos dias 8,9,10 de Novembro, organizado pelo Partido Comunista Português, verificou-se alguma actividade, e representantes de vários partidos comunistas estão a tentar analisar o que se passou na perspectiva da sua própria análise ideológico-política.
 O KKE participa nesse debate com o objectivo de salientar os assuntos que o movimento comunista enfrenta e informar os comunistas a nível internacional sobre os acontecimentos reais e as posições dos partidos.
 1.  O KKE imediatamente depois da contra-revolução deu uma atenção especial ao reagrupamento do movimento comunista.
 Contribuiu para a concentração de forças e a realização dos Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários, combatendo pela superação de grandes dificuldades, particularmente de posições que rejeitavam a presença identitária dos partidos comunistas e aspiravam misturar-se com forças oportunistas, tradicionais ou "novas"-mutadas, em nome da actividade conjunta da "esquerda".
 O nosso partido deu particular importância e destaque a objectivos comuns e ao desenvolvimento de actividade conjunta apesar das diferenças ideológico-políticas e tratou, com a contribuição de outros partidos comunistas, de estabelecer os Encontros Internacionais que tiveram lugar em Atenas desde 1998 até 2004 e posteriormente se realizaram noutros países.
 O nosso partido insiste particularmente na unidade do movimento comunista. Trata-se de um problema difícil e complexo, que só pode resolver-se através da criação de bases sólidas apoiadas na cosmovisão marxista-leninista, nos princípios da luta de classes, na estratégia revolucionária. Sobre esta base pode fortalecer-se o verdadeiro carácter comunista dos partidos comunistas, pode conquistar-se a unidade de classe da classe operária e a aliança com os sectores populares pelo derrube da barbárie capitalista, pelo socialismo-comunismo. 
 É óbvio que a unidade revolucionária do movimento comunista tem condições de maior exigência; não se pode atingir sem um eixo estratégico, sem a combinação da teoria e da prática revolucionária que coloca como tarefa diária a preparação dos próprios partidos comunistas e da classe operária para a resposta às necessidades do conflito contra o sistema de exploração capitalista, o capital e os seus representantes políticos, o oportunismo, que é um cancro nas fileiras do movimento comunista.
 O ponto de vista que liga a unidade do movimento comunista com a posição simplista de "unidade à volta do que estamos de acordo", impede o debate, omite a necessidade de elaborar uma estratégia revolucionária e de adaptar os partidos comunistas às grandes exigências da luta de classes, pela abolição da exploração do homem pelo homem.
 Deixa-os indefesos perante o labor corrosivo das forças burguesas e oportunistas que trabalham para assimilar os partidos comunistas ao parlamentarismo, castrá-los e convertê-los em parte do sistema político burguês, com colaborações sem princípios, participação em governos de gestão burguesa com o rótulo de "esquerda"-"progressista", comprometidos com a lógica da colaboração de classes, apoio às uniões imperialistas, como sucede com os partidos comunistas do chamado Partido da Esquerda Europeia, tal como com outros partidos que seguem pelo mesmo caminho.
 2.  O KKE, apesar das dificuldades contribuiu para a emissão de comunicados comuns nos Encontros Internacionais e para outros textos dos partidos comunistas. No entanto, o nosso partido deixou claro que o compromisso em temas de importância estratégica e na procura de formulações que mitiguem os desacordos em nome do acordo sobre um comunicado comum não contribui para a informação correcta e objectiva dos comunistas, da classe operária, dos povos.
 Isso cria a confusão, não permite a compreensão da situação real e impede o desenvolvimento da reflexão sobre as causas dos problemas, a necessidade de uma estratégia revolucionária única que fortaleça a luta distintiva do movimento comunista pelos interesses da classe operária e dos sectores populares em todo o mundo.
 No 15º Encontro Internacional em Lisboa não foi possível emitir um comunicado comum devido às diferentes abordagens sobre questões muito importantes. Dado que se têm expressado opiniões que "turvam as águas" e distorcem os acontecimentos, queremos referir alguns temas.
 O KKE, inclusive antes do Encontro Internacional, tomou uma posição concreta face ao primeiro projecto de comunicado comum e defendeu que não podia ser a base de discussão se não se fizessem alterações significativas. Colocou uma série de observações e propostas, tal como outros partidos comunistas. Infelizmente, as propostas básicas do nosso partido não foram tidas em conta.
 As observações do KKE incluíam, entre outros assuntos, os seguintes temas:
 Em relação ao conceito de imperialismo:  O KKE trata este tema tal como foi estabelecido por Lenine, como a última e superior fase do capitalismo. Lamentavelmente, no projecto de Comunicado Comum, este tema crucial não é correctamente colocado, e vários pontos dão azo a uma má interpretação deste conceito, que se limita e se trata como uma mera política externa agressiva.
 A causa e a natureza da crise capitalista:  Hoje enfrentamos uma profunda crise económica capitalista de sobreprodução e sobre-acumulação de capital, cuja causa radica na contradição básica entre capital e trabalho, rejeitando caracterizações como crise "financeira", "estrutural" que obscurecem o carácter da crise capitalista e das suas causas.
 O tema das alianças sociais:  O KKE apoia uma linha política de alianças da classe operária com os outros sectores populares pobres, como são o campesinato pobre, as camadas pequeno-burguesas pobres urbanas e rurais. Em nenhum caso pode estar de acordo com alianças com sectores da burguesia denominados de "camadas antimonopolistas".
 A posição sobre os chamados países "emergentes":  Os problemas que hoje em dia estes países onde predominam as relações de produção capitalistas enfrentam não são importados do estrangeiro, como assinalava o projecto de Comunicado Comum, mas são o resultado do próprio modo de produção capitalista destes países.
 O mesmo se pode dizer acerca dos acontecimentos da América Latina. O KKE segue atentamente os desenvolvimentos e os processos, expressa a sua solidariedade com a luta dos partidos comunistas e com os povos, mas critica a política que se aplica em países capitalistas com uma forte base monopolista que jogam um papel especial no antagonismo interimperialista, e onde se põe em prática uma estratégia que serve os interesses e a rentabilidade do capital à custa da classe operária e dos sectores populares que vivem em condições de exploração.
 As reformas no âmbito do capitalismo:  O KKE luta no nosso país para que se alcancem as conquistas a favor dos trabalhadores, como por exemplo sobre a questão da luta por um sistema de educação, de saúde e de bem-estar exclusivamente públicos e gratuitos, pelo aumento dos salários e das pensões, etc.. Liga esta luta com alteração radical da sociedade, com o poder operário e a socialização dos monopólios. É prejudicial semear ilusões de que em capitalismo o sistema de exploração pode ser "corrigido" através de reformas.
 A questão das uniões capitalistas interestatais:  A União Europeia é uma união interestatal capitalista, reaccionária devido ao seu carácter de representante dos monopólios europeus, e cuja agressividade contra os povos não se deve somente ao aprofundamento da unificação capitalista (integração). O mesmo sucede com as restantes uniões interestatais, que aparecem no terreno do capitalismo na Ásia, Eurásia, América Latina, etc.. Estão ao serviço de grandes grupos empresariais e os trabalhadores não devem escolher entre imperialistas e "centros" imperialistas.
 As contradições entre os países capitalistas:  A concorrência entre potências capitalistas "velhas" e novas, emergentes, tem que ver com as quotas de mercado, o controlo dos recursos naturais, as rotas de transporte de produtos, oleodutos, etc. Cada classe burguesa, na base do seu poder (económico, político, militar) é um "predador", maior ou mais pequeno, que explora a força de trabalho e, além disso, pretende fortalecer o seu papel nos assuntos internacionais.
 Portanto, consideramos que a classe operária não pode pôr-se ao lado de nenhuma classe burguesa, ao contrário de diversas formulações que estavam no projecto de Comunicado Comum.
 Particularmente no tema da América Latina, o projecto de Comunicado Comum chegava ao ponto de considerar que alguns governos burgueses de potências capitalistas fortes, alguns países imperialistas que pertencem ao G20 dão impulso…à luta anti-imperialista. Passa-se facilmente por alto o facto de estes governos administrarem o poder estatal burguês a fim de fortalecer os monopólios que predominam nas suas economias.
 Sobre a questão: revolução ou reforma?  O KKE considera que neste tema os Partidos Comunistas e Operários só podem dar uma resposta: Revolução! Infelizmente, o projecto de Comunicado Comum em vários pontos se referia a "processos de construção da soberania e soluções alternativas na base do progresso social", ou de "conquistas de posições nas instituições" através das quais terão lugar "alterações no conteúdo de classe do poder".
 A experiência dos Partidos Comunistas em relação a opções de gestão do capitalismo é dolorosa e o exemplo do "Eurocomunismo" é bem conhecido por todos. Tais posições criam confusões e ilusões, embelezam o poder burguês, desarmam o movimento operário e popular. A experiência do golpe de Estado no Chile, que este ano passa o seu 40º aniversário, é ilustrativa e não permite apoiar estas posições.
 A frente contra o oportunismo:  É necessário destacar as responsabilidades das forças oportunistas que causaram grandes danos ao movimento comunista, à luta da classe operária.
 As alianças políticas com outras forças:  A aliança da classe operária com os restantes sectores populares é um tema crucial. A política de alianças, a concentração e a preparação de forças são determinadas pelo objectivo estratégico de derrubar a barbárie capitalista e não se podem, a partir de cima, integrar em jogos de gestão com a social-democracia e o oportunismo.
 Sobre os "modelos" do socialismo:  Destacou-se que por trás da discussão sobre o "rechaço dos modelos" manifesta-se claramente uma rejeição das leis científicas da revolução e da construção socialista, como é a necessidade do poder operário (a ditadura do proletariado), a socialização dos meios de produção, a planificação central. Historicamente, no Movimento Comunista Internacional, por trás do "modelos nacionais" e da "diversidade dos caminhos para o socialismo" escondiam-se a revisão da nossa teoria e a justificação do afastamento dos princípios comunistas. Neste ponto de vista o nosso partido não pode estar de acordo com formulações que criam confusões e reproduzem teorias oportunistas e social-democratas como o chamado "socialismo do século XXI".
 3.  No "Grupo de Trabalho" (tem a responsabilidade de preparar os Encontros Internacionais), que se reuniu em Lisboa com a participação de um número significativo de partidos comunistas, comprovou-se que o projecto de comunicado comum não constituía uma base de discussão, o que também se repetiu na sessão plenária dos partidos comunistas. No âmbito das actividades comuns para os próximos tempos houve um acordo sobre o desenvolvimento da actividade em relação aos graves problemas populares para expressão da posição comum dos partidos comunistas em relação a uma série de assuntos.
 Tanto no "Grupo de Trabalho" como na sessão plenária dos partidos comunistas, a delegação do KKE colocou, de forma concreta e comprovada, as posições do partido temas básicos sobre os quais tinha desacordos.
 Na sua intervenção na sessão plenária dos partidos comunistas, a delegação do KKE sublinhou entre outras coisas que:
 "O comunicado comum foi desde princípio carregado com temas de importância estratégica significativa, sobre os quais as diferentes aproximações do KKE e de outros partidos foram conhecidas. O texto estava impregnado da percepção de que entre o capitalismo e o socialismo existe um sistema socio-económico intermédio, portanto um poder intermédio, o que não tem qualquer relação com a realidade.
 O texto fala de mudanças antimonopolistas revolucionárias dentro do capitalismo. Trata-se de uma utopia, uma desorientação e embelezamento do sistema de exploração.
 O que é que significa "financeirização" da economia? Esta é a posição básica da análise burguesa e oportunista. Esconde a essência da crise capitalista. Remete para o chamado "capitalismo de casino" e leva à busca de um capitalismo "saudável", "produtivo".
 Apoiamos a revolução cubana, seguimos os acontecimentos, expressamos a nossa solidariedade.
 Discutimos com o Partido Comunista do Vietname mas temos uma opinião diferente sobre o chamado "socialismo de mercado capitalista". O socialismo tem regras científicas e há um preço elevado a pagar pelo seu incumprimento.
 Temos discutido sobre o tema China e dizemos, com dados, que ali têm predominado as relações capitalistas de produção. Em 2013, 400 capitalistas chineses aumentaram a sua fortuna em 150 mil milhões de dólares.
 É óbvio que não podemos apoiar os governos burgueses na América Latina, inclusive os que são participados ou têm o apoio de partidos comunistas. Por exemplo, o Brasil é um país imperialista poderoso com monopólios fortes, com enormes lucros por um lado e por outro com 55 milhões de indigentes.
 Na intervenção do KKE, em conclusão, destacou que o projecto do comunicado comum dá uma direcção errada à luta, leva à incorporação no sistema, impede o processo de ajuste da estratégia do movimento comunista às necessidades da luta de classes, pelo socialismo. 
 O debate que se levou a cabo no Encontro Internacional foi rico e a experiência pode ser utilizada para reflectir, tirar conclusões e o KKE dará para tal o seu contributo. Lamentavelmente, algumas contribuições, entrevistas, etc. de representantes de partidos comunistas proporcionam, depois do encontro, interpretações arbitrárias que dão lugar a perguntas.
 Que significa, por exemplo, a posição que diz que os partidos comunistas que não estavam de acordo com o comunicado não têm responsabilidade na direcção do Estado ou são pequenos? 
 Trata-se de uma posição perigosa de diferenciação dos partidos comunistas por critérios burgueses. Desde quando é negativo que um partido comunista não participe no jogo da gestão burguesa?
 Esta é uma tarefa e uma pré-condição para a luta independente dos partidos comunistas pelo reagrupamento do movimento comunista e operário, popular.
 A relação com a social-democracia, o apoio e a participação em governos burgueses que administram o poder dos monopólios e exploram os povos é um desenvolvimento verdadeiramente negativo.
 Qual é objectivo da discussão acerca dos partidos comunistas "grandes" e "pequenos" com critérios parlamentares? 
 Por que é que é pequeno um partido que luta consequentemente pelo derrube do capitalismo, que luta por estabelecer uma base no movimento operário com grandes sacrifícios e com dirigentes assassinados pelos mecanismos patronais e do Estado burguês? Por que é que é "grande" um partido que absolutiza a actividade parlamentar e fomenta ilusões de que através do parlamento burguês se podem resolver os problemas populares e se podem satisfazer as necessidades populares?
 A experiência histórica ensina de forma evidente que os partidos comunistas que absolutizaram o parlamentarismo separaram-se da linha revolucionária, foram depreciados, romperam as suas relações com a classe operária, dirigiram-se ao oportunismo, numa espiral descende corrosiva, como aconteceu com os partidos comunistas em França , Espanha e Itália.
 Há partidos comunistas sem representação parlamentar que lutam em condições de intenso anticomunismo, dão prioridade ao trabalho nos locais de trabalho, deparando-se com muitas dificuldades e cuidam de elaborar uma estratégia e tácticas revolucionárias. Há partidos comunistas com representação parlamentar que apoiam a UE e a sua estratégia, que há muito tempo renunciaram à via revolucionária, como é o caso dos partidos da direcção do Partido da Esquerda Europeia (PEE) 
 Cada partido assume a responsabilidade pela posição que adopta.
 O KKE considera que os problemas do movimento comunista não podem ser tratados com aforismos, mas pela discussão essencial em temas cruciais de importância estratégica e tendo como objectivo o reagrupamento revolucionário. Os e as comunistas em todo o mundo têm uma causa e o dever de participar neste processo.
 Do mesmo autor:
•  Não à diluição dos PCs, pela saída do capitalismo
•  "A UE é uma união inter-estatal imperialista"
•  O KKE continuará a luta pelo derrube da barbárie capitalista
• Política de alianças no interesse do povo e não para a perpetuação dos monopólios
[*] Membro da Comissão Política do KKK.
 O original encontra-se no diário  Rizospastis  de 15/Dezembro/2013 e a versão em inglês em  inter.kke.gr/... 
 Este artigo encontra-se em  http://resistir.info/ . (Os grifos são meus, José Carlos Alexandre)

Partido Comunista Brasileiro apresenta seu pré-candidato à Presidência da República em 2014


PCB apresenta teses para seu XV Congresso e a pré-candidatura de Mauro Luis Iasi à Presidência da República

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Nota Política do PCB sobre as eleições de 2014

                                                                     

O PCB tem demonstrado seu compromisso com a unidade daqueles que lutam pelo socialismo e têm enfrentado os governos de pacto conservador que se estabeleceram no Brasil para garantir a ordem burguesa.

Nesse sentido, estivemos presentes nas iniciativas unitárias dos partidos e organizações da esquerda revolucionária, nas lutas de nossa classe, nas manifestações que abalaram o país a partir de junho de 2013 e que certamente voltarão com força em 2014. 

Assim, para além dos períodos eleitorais, procuramos construir, reiteradamente, alianças que refletissem programas unitários e que pudessem, também nas disputas eleitorais, contribuir para a formação de uma frente de esquerda que atuasse em todas as formas de enfrentamento ao capital e seus agentes

Em 2006 e 2010 propusemos um processo de diálogo na esquerda que nos levasse a pontos unitários de um programa, não apenas entre os partidos legalmente registrados, mas entre os movimentos populares, os movimentos sociais e sindicais, as diferentes organizações de trabalhadores e os diferentes segmentos em luta, tentando construir não uma alternativa eleitoral ou de governo, mas uma real alternativa de poder para os trabalhadores brasileiros que vá além do calendário eleitoral.

Ainda que tenhamos avançado muito em nossas lutas, infelizmente, não tem sido possível expressar esta unidade nos momentos eleitorais como gostaríamos e para o que acreditamos ter contribuído nos últimos anos. Não lamentamos. Sabemos que se trata de uma dificuldade que tem razões conjunturais e históricas profundas e que não podem ser superadas apenas pela boa vontade das partes.

Afirmamos e defendemos que é legítimo que os partidos de esquerda lancem suas alternativas e suas propostas para que o espaço eleitoral não se torne um terreno exclusivo do bloco conservador que procura reduzir o debate eleitoral à forma de administração do capital. Os verdadeiros partidos da esquerda socialista têm o dever de fazer um contraponto de forma que a disputa eleitoral não se restrinja ao campo burguês. Têm formulações políticas e quadros à altura desta tarefa, capazes de qualificar a disputa, oferecendo alternativas de esquerda.

Entretanto, como já havíamos informado publicamente, decidimos que não participaremos mais de acertos eleitorais com vistas a coligações meramente utilitárias visando ao coeficiente eleitoral ou a simples possibilidade de eleger parlamentares sem o compromisso com um programa que unifique e represente as aspirações históricas da classe trabalhadora. 

Para nós do PCB, não se trata disso, e sim de afirmar para os trabalhadores, no enfrentamento com o campo conservador, a necessidade de uma alternativa socialista, real e efetiva para enfrentar os problemas de nosso país. Isso poderia ser realizado numa Frente de Esquerda - cenário em que apostamos e tentamos construir nacionalmente -, ou pode ser feito com várias candidaturas do campo de esquerda, cenário que nos parece mais provável.

A pluralidade de candidaturas no campo da esquerda socialista nas eleições de 2014 não pode resultar em nossa divisão nas lutas cotidianas das massas e, muito menos, na ausência de debate programático entre nós, que o processo eleitoral favorece. Pelo contrário. Como as eleições são apenas um aspecto secundário de nossas lutas, as candidaturas da esquerda socialista deverão estimular ações unitárias e debates com todas as forças deste campo, inclusive com os que defendem legitimamente o voto nulo. A luta ombro a ombro e a aproximação programática podem vir a contribuir para a constituição de uma verdadeira Frente de Esquerda, para além dos partidos políticos registrados, que seja uma ferramenta revolucionária e não uma mera coligação eleitoral. A frente eleitoral tem que ser expressão desta unidade de ação e do debate programático.

Por isso, saudamos e compreendemos que outras forças de esquerda busquem suas alternativas próprias na disputa eleitoral do próximo ano. De nossa parte estamos apresentando uma alternativa que, segundo pensamos, pode contribuir para qualificar este debate e para a construção de uma alternativa de poder com uma perspectiva socialista e revolucionária. Propomos à esquerda socialista e nos colocamos totalmente à disposição para construir ações comuns e fóruns de debate em todas as regiões do país, com vistas à construção de uma real alternativa de poder socialista e revolucionário.

Como as eleições são apenas uma das trincheiras, nos vemos nas lutas sociais e nas ruas, nos embates de nossa classe, terreno no qual poderemos consolidar frentes unitárias, em vários espaços de luta.

PCB (Partido Comunista Brasileiro)

Comitê Central – dezembro de 2013

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Mauro Iasi do PCB: “Junho é a materialização do Bloco Revolucionário do Proletariado”

                                                         


Sturt Silva, exclusivo para o Diário Liberdade

No dia 30 de outubro o site do Partido Comunista Brasileiro (PCB) anunciou o nome do professor Mauro Iasi como pré-candidato para Presidência da República. A partir desse dia os comunistas deram um grande passo para que o partido tenha candidato próprio nas eleições de 2014.

No entanto o lançamento oficial da, ainda, pré-candidatura não aconteceu. Será no próximo dia 20 de dezembro, no sindicato dos petroleiros, na cidade do Rio de Janeiro.

Mauro Iasi além de membro do Comitê Central do PCB é professor da Escola de Serviço Social da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com diversos livros e trabalhos acadêmicos publicados, sendo que foi presidente do sindicato dos docentes dessa mesma instituição durante o período 2011-2013.

Em longa entrevista exclusiva ao Diário Liberdade Iasi abordou sua pré-candidatura; a formação de uma Frente de esquerda com PSOL, PSTU e movimentos sociais; a reconstrução do Partido Comunista Brasileiro depois do fim da URSS, a construção do Poder Popular como alternativa de ruptura com a ordem burguesa, as Jornadas de Junho como materialização do Bloco Revolucionário do Proletariado e a constituição de uma Frente anticapitalista e anti-imperialista a nível nacional e internacional. Também falou sobre os 10 anos de governos do PT e do rompimento do seu partido com o governo Lula em 2005.

Além disso, salientou que o Brasil já realizou sua revolução burguesa, não clássica, parecida com que Lênin chamou de via prussiana e Gramsci de revolução passiva. Ou seja, pela fala do professor não resta dúvida que a tarefa do proletariado como classe no Brasil é fazer a revolução socialista.

Mas nossa conversa com o cientista social não parou por aí. Ainda conversamos sobre a conjuntura latino-americana, a crise do capitalismo, o fim da URSS e a transição socialista no mundo.

Diário Liberdade (DL): O PCB já definiu seu nome como pré-candidato à presidência da República para as eleições de 2014 no Brasil. Isso significa que a frente de esquerda eleitoral, como houve em 2006, está descartada desde já?
                                                                             

Mauro Iasi (MI): Para o PCB, a Frente de esquerda não é, ou não deveria ser, uma frente eleitoral, mas representar a unidade na luta daqueles que se opõem ao atual rumo político no Brasil imposto pelos governos petistas e o bloco conservador, espaço no qual temos nos encontrado não apenas com o PSOL e o PSTU, mas com várias organizações e movimentos sociais.

Eleitoralmente, nem sempre, é possível marcharmos juntos uma vez que uma construção programática e política não pode ser feita em cima da hora e por conveniências eleitorais, até porque falamos de partidos de esquerda que prezam suas convicções e formulações.

DL: O PSOL definiu em seu 4º Congresso o nome do senador Randolfe Rodrigues como pré-candidato do partido a presidência da República. Esse fato dificulta as alianças do PCB com o PSOL nas eleições de 2014?
                                                                
MI: Respeitamos as instâncias internas dos partidos amigos. A decisão sobre o melhor nome para representá-los no pleito de 2014 cabe aos militantes do PSOL.

Ao nosso ver, não é um nome de candidato (seja qual for) que ajuda ou atrapalha a unidade, mas a ausência de uma construção política tal como propusemos em 2010 quando afirmamos que uma verdadeira opção de esquerda aos governos petistas deveria partir de um amplo debate com os partidos, movimentos sociais e entidades dos trabalhadores que chegando a pontos programáticos mínimos se dispusessem a construir uma alternativa de poder de caráter socialista no médio e longo prazo em nosso país.

Infelizmente, motivos de natureza mais imediata acabaram inviabilizando esta proposta e nós, desde o encerramento das eleições de 2006, avisamos que não faríamos alianças meramente eleitorais.

DL: O PCB tem chamado a formação de frentes (anticapitalista e anti-imperialista) e a construção de um Bloco Revolucionário do Proletariado, além das eleições. Como que anda as iniciativas, esforços e conversas do PCB, de outros partidos da esquerda e dos movimentos sociais sobre esta questão?
                                                                   
MI: Acreditamos que houve uma inflexão na conjuntura brasileira desde junho de 2013 com as manifestações de massa que expressam as grandes contradições que amadureciam em nossa sociedade.

A luta contra o aumento das passagens dos transportes urbanos, rapidamente generalizada por uma pauta que incluía educação, saúde, a luta contra os gastos com os grandes eventos esportivos e suas conseqüências como as remoções, assim como contra a violência policial, são, para o PCB, a materialização daquilo que chamamos de Bloco Revolucionário do Proletariado, porque ele não é um movimento ou uma instituição, mas sim a capacidade da classe trabalhadora através de sua ação e identidade política independente se contrapor ao bloco conservador que hegemoniza a política brasileira.

Procuramos atuar decisivamente neste campo, junto aos movimentos sociais, sindicatos, partidos de esquerda, mas também organizações e coletivos que tem tido papel importante na manutenção das lutas de rua.

DL: Em 1992 a “seção brasileira” da III Internacional comunista dividiu-se em duas: PPS e PCB. Você pode explicar para nossos leitores, principalmente galegos e portugueses, com se deu o fato descrito acima?

MI: Em verdade, não se tratava da seção brasileira da III Internacional, há muito já inativa. A divergência baseava-se na leitura sobre a crise que levou ao desmoronamento da União Soviética.

Houve uma tentativa de liquidar o PCB em 1992 que faz parte de um processo mais amplo de crise dos PCs em todo o mundo. Aqui havia o discurso que o PCB estava antiquado e deveria se “renovar”, apresentar um perfil democrático distanciando-se da meta socialista e anticapitalista que sempre caracterizou sua história para ter espaço na política brasileira. Aqueles que assim pensavam formaram o PPS que, desgraçadamente, acabou se tornando uma linha auxiliar da direita em nosso país, ao lado do PSDB e do DEM.

Graças à resistência de vários camaradas o PCB sobreviveu, resistiu e empreendeu um difícil caminho de reconstrução, mantendo seus princípios e convicções socialistas e revolucionárias.

DL: O PCB participou do bloco político que elegeu Lula em 2002. Em 2005 rompeu com o governo. Por quê?
                                                                      
MI: A eleição de Lula em 2002 significava o culminar de um longo processo de luta e resistência contra a alternativa chamada de neoliberal apontando para reformas de caráter popular e democráticas.

Entretanto, o governo Lula optou por um tipo de governabilidade que os jogou em alianças ao centro e depois à direita com legendas como o PMDB de Sarney, o PP de Paulo Maluf, o PTB de Roberto Jefferson. Manteve todos os elementos de uma macroeconomia que visava garantir as condições para a acumulação de capitais, como a política fiscal e monetária, o controle da inflação, o saneamento financeiro do Estado, a formação de superávits primários, etc; ao mesmo tempo em que impunha contra-reformas, como o desmonte da previdência pública, não fez a reforma agrária necessária, deu continuidade as privatizações diretas ou indiretas através das parcerias público privadas e aprofundou a flexibilização e perda de direitos para os trabalhadores.

Isso nos levou ainda em 2005, portanto, antes dos escândalos do chamado “mensalão” que envolveu o desvio de recursos para comparar a base de sustentação do governo, a romper com o governo petista.

DL: Como o partido, em resumo, explica o projeto do desenvolvimentismo lulista, em curso desde 2002, no Brasil?

MI: O PT caminhou para uma alternativa de pacto social com a grande burguesia monopolista, fundado na idéia que a base para um chamado desenvolvimento social é o crescimento da economia capitalista, do mercado e da ordem institucional burguesa. Procura diferenciar-se da alternativa neoliberal, que apregoa a prioridade do mercado, afirmando a necessidade do Estado no apoio e subsídio à economia de mercado, numa aparente oscilação entre neoliberalismo e um tipo de neodesenvolvimentismo.

Sabemos que esta é uma disjuntiva falsa. O capitalismo sempre exigiu em seu sociometabolismo a presença do mercado e do Estado, trata-se da ênfase em um ou outro pólo que são os dois elementos essenciais para a acumulação de capital. Mais mercado, ou mais Estado para garantir o bom funcionamento da economia capitalista.

Neste caminho a prioridade é dada às ações que garantam o crescimento da economia capitalista, seja através de subsídios e transferências vultuosas à economia privada, seja através de ações indiretas como as políticas de controle financeiro e inflacionário. O que sobra é destinado ao combate às manifestações mais gritantes da pobreza absoluta, numa política fragmentada e focalizada sob os moldes do Banco Mundial.

O resultado disso é que se há uma diminuição da pobreza absoluta, com os 20% mais pobres que viviam com menos de U$ 1,00 /dia, passando a viver com algo perto de U$2,00 /dia, ou seja, com renda que varia entre R$ 90,00 e R$ 200,00 (no máximo um terço do salário mínimo real); os 10% mais ricos que em 1990 acumulação 53% da riqueza nacional, hoje abocanham 74,2% desta riqueza.

O desenvolvimento gerou enorme acumulação de propriedades e riquezas no agronegócio e estagnou a reforma agrária para os assentamentos e pequenos camponeses; gerou milhões para bancos, grandes monopólios industriais, comerciais, de construção, transporte e outros, ao mesmo tempo precarizou as condições de trabalho retirando ou flexibilizando direitos dos trabalhadores, sucateou os serviços públicos como educação, saúde, saneamento e outros agravando a situação já explosiva dos grandes centros urbanos.

DL: O PCB tem defendido que temos condições objetivas para a revolução socialista e que a fase de etapas da revolução brasileira está superada. Isso significa que o Brasil já fez sua revolução burguesa (anterior a socialista)? E se fez, quando foi? Ou a leitura que o PCB faz do processo histórico brasileiro é guiada por conceitos gramscianos (revolução passiva, transformismo conservador, etc.)?

MI: A Revolução Burguesa no Brasil já se realizou de maneira não clássica consolidando uma ordem burguesa moderna e inserida de forma dependente na ordem do capital imperialista mundial. Temos hoje um capitalismo completo, isto é, que possui todos os elementos necessários para proceder à acumulação de capitais, um Estado Burguês consolidado e uma sociedade civil burguesa sólida.

Este processo se estendeu no tempo, desde o período Vargas, entre as décadas de 1930 e 1950, com a inserção dependente em relação ao imperialismo no período Juscelino Kubitschek (1955-1960), com a ditadura burguesa estabelecida com o golpe de 1964 e consolidado com o atual processo de Democracia burguesa.

Estamos diante de uma via não clássica, mas é mais que isso, quero dizer, uma forma particular de expressão daquilo que Lênin chamava de Via Prussiana e Gramsci de revolução passiva. Não temos dúvida de que neste processo o PT expressa um claro exemplo de transformismo, ou seja, “absorção gradual, mas contínua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam irreconciliáveis inimigos”, nas palavras de Gramsci.

DL: Quais grandes marxistas brasileiros influenciam teoricamente o PCB hoje?

MI: Estamos vivendo um rico processo de florescimento do pensamento marxista no Brasil, mas isso só foi possível porque houve uma geração de marxistas que resistiram ao canto de sereia da pós-modernidade e souberam manter, em tempos muito difíceis, os princípios e a clareza teórica que nos caracteriza. São muitos os intelectuais marxistas brasileiros que contribuem para nossas atuais reflexões, sejam aqueles que hoje são quase clássicos entre nós, como de uma nova geração que apresentado produções de altíssima qualidade

Procuramos utilizar todos, tendo ou não vinculo orgânico com o PCB e independente de suas preferências políticas, desde que contribua qualitativamente em nossas reflexões. O PCB hoje não define nenhuma linha como doutrina oficial. Somos marxistas.

DL: Parece que o PCB tem procurado usar contribuições de marxistas clássicos além do marxismo-leninismo (Luckács, Luxemburgo e Gramsci) para sua formação política. E Trotsky não contribui?

MI: Para nós o caminho dos clássicos sempre é o caminho mais correto, sem um fundamento consistente nas obras de Marx, Engels e Lênin, nenhum estudo do marxismo pode frutificar. Mas o marxismo, ou os marxismos, hoje se tornaram um rico e complexo campo, plural e múltiplo, enriquecido com as obras e reflexões que vão desde Lukács à Gramsci, passando por Trotsky, Mao, Che, Fidel, Rosa, Kollontai e de todos os revolucionários e pensadores do século XX, como Mariategui, Amilcar Cabral, Álvaro Cunhal e tantos outros.

Leon Trotsky foi um grande revolucionário e tem contribuições inestimáveis ao pensamento marxista, seria um erro desconsiderar suas contribuições. Não é preciso ser trotskista para utilizar Trotsky, da mesma forma que ser trotskista não é garantia que o utilize corretamente.

O PCB se considera, hoje, um partido marxista e se a identidade marxista-leninista persiste se dá pela nossa convicção nas formas de organização e princípios políticos que daí derivam e não como cânone indiscutível que funciona como critério de validação de verdades teóricas. Como dizia Fidel, o marxismo não é uma propriedade privada registrada em cartório, é uma teoria revolucionária, feita por revolucionários, desenvolvida por revolucionários e para revolucionários; aqueles que forem capazes de dar interpretações corretas da realidade triunfarão os que não conseguirem serão suplantados. Pensamos ser este nosso critério.

DL: Na Europa, também em Portugal, Galiza e no Estado Espanhol se têm a imagem que os governos Latino-americanos que subiram ao aparelho de estado de seus países a partir, entre outras coisas, da crise neoliberal são todos de esquerda. Vocês têm diferenciado seus projetos em duas categorias. Teria os progressistas - de esquerda - (Venezuela, Equador e Bolívia) e os conservadores – de centro e até de direita - (Chile, Peru, Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina). Quais elementos os progressistas têm para serem classificados em uma categoria em separado?

MI: Nós prezamos muito o termo esquerda para utilizá-lo sem critérios mais precisos. Para nós o compromisso e a posição de esquerda, ainda mais em um mundo como o nosso, se justifica pelo claro posicionamento ao lado da classe trabalhadora contra a barbárie do capital. Existem setores de esquerda, ainda que não marxistas ou mesmo revolucionários, isto é do campo do reformismo, assim como existem posições que, ainda que tendo origem neste campo, se distanciaram e hoje, infelizmente, assumem uma posição de centro-direita que favorece os interesses do capital contra os trabalhadores, como foi classicamente o desenvolvimento da socialdemocracia européia.

Na América Latina, procuramos diferenciar processos que, mesmo não sendo imediatamente socialistas, levam à frente reformas que tencionam a ordem do capital, dinamizam a luta de classes e ajudam a formar um bloco de forças populares contra os ataques do capital e do imperialismo. Parecem-nos claramente os casos da Venezuela e Bolívia e em menor medida do Equador.

Não podemos caracterizar desta forma o Brasil ou o Chile sob o governo de Bachelet. Ficaram aquém das reformas e optaram por governabilidades que viabilizam a continuidade dos governos, mas não o avanço das demandas populares; pelo contrário, tornaram-se o meio pelo qual a ordem burguesa legitima suas contrarreformas.

DL: Qual a relação do partido com Cuba e sua posição em relação às reformas que estão acontecendo na ilha?

MI: Nós temos uma história e um compromisso de solidariedade com Cuba e prezamos muito sua autodeterminação. Nossa solidariedade é incondicional, mas nos resguardamos o direito de afirmar que isso não implica em alinhamento político incondicional.

Vemos com certa preocupação os rumos da revolução cubana e as reformas em curso, ainda que compreendamos a grave situação na qual aquele país se encontra, por conta do brutal bloqueio imperialista, que já dura meio século. Mas confiamos que não haverá retrocesso no processo socialista em Cuba, em que decisões complexas são tomadas após amplo debate popular. Como disse Silvio Rodriguez em uma de suas composições mais recentes: “A desencanto, opóngase deseo. Superen la erre de revolución. Restauren lo decrépito que veo, pero déjenme el brazo de Maceo y para conducirlo, su razón.”

DL: Qual é o balanço que o senhor e PCB fazem das experiências socialistas do século XX, com destaque para o do Leste Europeu e da URSS?

MI: Antes de tudo consideramos a experiência de transição socialista do século XX, inaugurada pela Revolução Russa de 1917, nosso patrimônio histórico e o principal fato da história recente da humanidade que iniciou nossa construção do futuro emancipado do gênero humano. Com suas vitórias e com suas derrotas, com acertos e erros, é nossa história. E consideramos que o saldo foi positivo.

Foi um momento no qual os trabalhadores de todo o mundo puderam contar com uma retaguarda política e um equilíbrio de forças que produziu, inclusive, vitórias e conquistas na Europa, nos EUA e em todos os povos, até como concessões para evitar a ruptura revolucionária que o bloco socialista representava. Para aqueles que viviam nestes países o início de uma transição socialista, também, tivemos inegavelmente uma alteração qualitativa quanto à vida e suas possibilidades fora do mercado e do domínio do capital.

Em seu XIV Congresso, o PCB debateu o tema da transição socialista e chegamos à conclusão que não cabe a um partido resolver na forma de uma resolução um debate histórico com tantas implicações. Não se trata de dizer apenas se era ou não socialismo, de aceitar passivamente as formas que ali se expressaram de maneira a justificar todas suas conseqüências. Trata-se de uma polêmica política e teórica em aberto, para qual o PCB oferece textos e reflexões, mas não resoluções a serem burocraticamente repetidas.

A experiência de transição socialista ocorrida na URSS e no leste europeu, assim como na Ásia e em Cuba, para nós confirma, ainda que tragicamente, as previsões teóricas de Marx, tanto quanto à potencialidade da revolução, a necessidade da ruptura revolucionária, da destruição do Estado burguês e constituição de um Estado Proletário, a necessidade de socialização dos meios de produção com o fim da propriedade privada e da apropriação privada da força de trabalho.

Ao mesmo tempo, confirma-se tragicamente, que apenas isso, ainda que essencial, não é suficiente. É necessária a superação da escravizante subordinação do indivíduo à divisão do trabalho, a superação da contradição entre trabalho manual e intelectual, superar o trabalho como mero meio de vida e permitir o desenvolvimento dos indivíduos sociais em todas as dimensões até que cada um possa trabalhar de acordo com a capacidade e receber de acordo com a necessidade. Estes aspectos que Marx enuncia em sua Critica ao Programa de Gotha, são a natureza mesma da transição.

O que vimos nas experiências do século XX foi o início desta transição que não se completou, ficando, por assim dizer, no meio do caminho. Ocorre que estes elementos não superados permitiram que, através de uma contrarrevolução, a experiência fosse interrompida e restabelecida a ordem do capital com todos os efeitos trágicos que hoje presenciamos entre aqueles povos. A contradição entre a ousadia da mudança política e as condições objetivas em que se deram produziram como efeito o processo de burocratização.

Houve, portanto, uma combinação de fatores objetivos (grau de desenvolvimento das forças produtivas, correlação de forças mundiais, etc.) e fatores políticos próprios da condução do processo; a resultante foi uma derrota, não definitiva, das forças socialistas.

A história destas formações sociais e o próprio desfecho das experiências socialistas e a atual crise do capitalismo, nos autorizam a afirmar a validade e, mais que isso, a necessidade de uma alternativa socialista para o mundo contemporâneo.

DL: Seja na mídia, seja na academia, divulga-se que a crise econômica que vivemos é mais uma crise cíclica do modo de produção capitalista. Porém autores como István Mészáros vem falando em crise estrutural do capital. Como você entende o processo.

MI: Concordamos com Mészáros que vivemos algo muito distinto de uma mera crise conjuntural do capitalismo e que o capital, em suas palavras, ativou os limites estruturais de suas contradições. No entanto, a característica da crise cíclica apontada por Marx persiste, isto é, como o próprio Mészáros indica, é necessário distinguir o caráter estrutural da crise de seu “desfecho último”, como se o capital não tivesse mais saída.

Uma coisa que aprendemos é que o capital sempre encontra uma saída se não for derrotado politicamente pelos trabalhadores e estes forem capazes de contrapor à sociedade do capital uma alternativa socialista. A crise torna possível a mudança revolucionária, mas não inevitável; esta depende da capacidade política das classes revolucionárias.

DL: O capitalismo no mundo é global, nesse sentido é mais do que necessário uma revolução mundial. Assim como defendeu Hugo Chávez, o PCB defende a construção de uma V Internacional?

MI: Apontamos para isso em nossa concepção de uma Frente anticapitalista e anti-imperialista. Hoje, qualquer luta por mínima que seja se choca com a ordem do capital monopolista e esta está incontornavelmente associada ao capital imperialismo. Lutar contra as formas que impedem a vida em nossos países é lutar contra o capitalismo e lutar contra o capitalismo é lutar contra a ordem internacional na qual ele opera a acumulação, ou seja, a ordem imperialista.

Este quadro nos obriga a pensar a revolução como revolução mundial e cremos que estamos já operando nesta situação, ainda que o grau de consciência, organização e unidade das forças revolucionárias em marcha seja muito incipiente. Neste sentido toda forma de tentar dar um caráter internacional à luta seria muito importante. Não sabemos se na forma de uma Internacional nos moldes com as experiências ate então realizadas se deram, mas de alguma forma temos que dar um salto organizativo rumo a uma forma universal contra o capital que se tornou um entrave universal à humanidade.

DL: Se o PCB ainda considera socialismo como etapa transitória ao comunismo – sociedade de trabalhadores associados e livres – o que seria realmente o estágio socialismo no Brasil e no mundo?

MI: Mais que nunca nossa meta comunista está atualizada. Não se trata de transformações que tornem possível a vida no Brasil, mas até pelo que dissemos antes, ao lutar contra o capitalismo no Brasil estamos enfrentando o capitalismo mundial e as condições para uma verdadeira emancipação humana só pode vir dos esforços e recursos combinados de todo o planeta.

O segundo elemento de nosso propósito comunista é o fim do Estado. É preciso hoje ressaltar este aspecto diante do moderno culto ao Estado como forma insuperável da sociabilidade humana. A destruição do Estado Burguês não cria as condições imediatas para tanto, mas deve criá-las no processo de transição, caso contrário, podemos cair no impasse das transições ocorridas no século XX. Temos que resgatar alguns elementos pertinentes do alerta que o pensamento anarquista já formulava há muito tempo sobre este risco.

O socialismo no Brasil é uma alternativa e uma necessidade. Ele é uma alternativa perfeitamente viável. Um dos mitos que alimentam o reformismo rebaixado e o oportunismo de toda espécie é a afirmação que o socialismo se tornou inviável, seja pela correlação de forças, seja pelo poder militar e ideológico da burguesia.

Vamos por partes. O socialismo é uma necessidade porque o capitalismo ameaça a vida da humanidade com a forma mercadoria, a produção destrutiva e a destruição ambiental. É possível e necessário que passemos a produzir valores de uso que satisfarão necessidades e que possam ser acessados sem a intermediação do mercado. Ora, não há nenhum empecilho de ordem material ou tecnológica para atingirmos este fim, o que impede isso é a forma mercadoria, a propriedade privada e as relações sociais de produção burguesas. Nós podemos mudar estes aspectos e as revoluções provam isso.

Com a natureza disponível se bem cuidada, a quantidade e qualidade da força de trabalho existente e o nível de desenvolvimento tecnológico existente e em potencial, poderíamos satisfazer o conjunto das necessidades da população do Brasil (e no conjunto da humanidade do planeta). O problema são as atuais relações sociais de produção de tipo burguesa, a acumulação privada da riqueza socialmente produzida.

Devemos começar por garantir o caráter não mercantil e radicalmente público de todos os bens e serviços necessários à vida como educação, saúde, assistência e previdência, energia, transporte, água, etc. Para tanto é fundamental que nenhum recurso público seja destinado a fins privados e o Estado dos trabalhadores tenha os instrumentos para iniciar a constituição das bases de uma economia socializada o que é possível através de uma radical reforma agrária que dê condições para os pequenos camponeses e assentamentos, ao mesmo tempo que desenvolva iniciativas para a produção de alimentos, matérias primas essenciais e outros produtos, controle o subsolo e as riquezas minerais, estatize o sistema financeiro e revertam as privatizações fraudulentas de empresas essenciais como mineradoras companhias hidroelétricas, telecomunicações, estradas, ferrovias, portos e aeroportos.

Evidente que isso exige uma ruptura com a dominação e os privilégios hoje existentes. Por isso, a precondição para tanto não é uma mera vitória eleitoral, mas a constituição de um Poder Popular forte o capaz de resistir, enfrentar e derrotar os poderosos instrumentos de poder das classes dominantes. Isso implica, em grande medida, uma batalha quanto aos valores, idéias e concepções de mundo próprias desta ordem e que a legitima e naturaliza, implicando um grande trabalho político e cultural.

Esta ruptura que pode ou não se combinar com vitórias eleitorais, mas certamente vai muito além delas, se choca com o poder dos aparatos repressivos do Estado e do imperialismo. Não desconhecemos esta correlação de forças desfavorável, no entanto, não a mitificamos. Não há força que detenha os processos históricos porque ele é fruto das contradições que esta própria ordem gera. Saberemos desenvolver os meios para que o poder popular seja uma alternativa real de poder em direção ao socialismo.

Aqui e no mundo o projeto socialista está na fase de uma radical negação da ordem capitalista em defesa da vida humana e precisamos reafirmar que nós, comunistas e revolucionários, temos uma alternativa, que não fazemos parte desta corja de oportunistas que bateu em retirada para o conforto das incertezas pós-modernas ou para as experiências reformistas de baixa intensidade que acabam por garantir a ordem burguesa. Como disse certa vez: “lá no passado tínhamos um futuro; lá no futuro temos um presente pronto para nascer... só esperando você se decidir”. (Com o Diário Liberdade. Os grifos são meus, José Carlos Alexandre)