quinta-feira, 30 de março de 2017

Reforma indesejada


Ocupar as ruas neste 31 de março contra a reforma da previdência e os ataques aos direitos dos trabalhadores


                                       
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) convoca seus militantes e coletivos partidários e conclama os trabalhadores e a juventude a apoiar e participar ativamente das manifestações unitárias contra a reforma da previdência, a reforma trabalhista, a lei da terceirização e o ajuste fiscal. As lutas que serão realizadas neste 31 de março deverão se constituir num passo importante para demonstrar a essa quadrilha que ocupou Brasília que os trabalhadores e a juventude não irão aceitar passivamente as medidas de arrocho deste governo corrupto, a serviço do empresariado.

O PCB orienta sua militância a se empenhar resolutamente em seus espaços de atuação para transformar as manifestações num marco importante da trajetória ascendente de nossa luta contra os ataques brutais que o governo e seus patrocinadores, a oligarquia financeira e o grande capital, vêm realizando contra a maioria do povo brasileiro. 

É fundamental intensificar as manifestações, organizar as paralisações e as ocupações nas várias regiões do País, de forma a acumular forças na direção de uma greve geral para reverter o desmonte da previdência e a retirada dos direitos dos trabalhadores.

O processo de lutas em curso vai se associar à grande jornada de lutas que está sendo organizada pelas centrais sindicais e que tem como lema “Dia 28 de abril vamos parar o Brasil”. É necessário construir a greve geral a partir das bases, ou seja, a partir das assembleias democráticas em cada categoria e da organização da paralisação nas empresas, ressaltando-se que deve ser dos trabalhadores a direção do movimento. 

Da mesma forma, nos bairros, nas escolas e universidades, deve ser também realizado um grande trabalho no sentido de colocar em movimento as grandes massas de nosso povo até a derrota desse governo ilegítimo.

Todos nas ruas neste 31 de março!

Construir e organizar a greve geral!
Comissão Política Nacional do PCB

CTC em solidariedade com os trabalhadores e o povo da Venezuela


                                 
A Central dos Trabalhadores de Cuba e os sindicatos cubanos declaramos o apoio incondicional e a solidariedade militante, internacionalista e revolucionária com o povo e o governo legítimo venezuelano

A Central dos Trabalhadores de Cuba e os sindicatos cubanos declaramos o apoio incondicional e a solidariedade militante, internacionalista e revolucionária com a resposta contundente e enérgica que o povo e o governo legítimo do presidente operário Nicolás Maduro Moros manifestou perante o debate sobre a situação da Venezuela, convocado por uma facção de países no Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 28 de março de 2017, em defesa de sua soberania, sua independência, sua autodeterminação pela dignidade de Venezuela e toda nossa América.

Rechaçamos e condenamos a ingerência do secretário-geral da OEA, Luis Almagro, quem com suas ações desestabilizadoras alentou uma minoria de venezuelanos e representantes da direita em nosso continente, com o apoio de Washington, para que seja aplicada a Carta Democrática Interamericana contra Caracas, com o objetivo de intervir nos assuntos internos da Venezuela e liquidar as conquistas sociais e populares alcançadas pelos trabalhadores e o povo, entre elas os benefícios trabalhistas e salariais que contém a nova Lei Orgânica do Trabalho, que tem como objeto o interesse supremo de garantir a proteção integral de todos os trabalhadores sem exceção, fortalecendo as prestações sociais, a redução semanal da jornada de trabalho, a garantia de estabilidade trabalhista, bem como o reconhecimento de outros direitos como a sindicalização, a negociação coletiva e a segurança e saúde no trabalho.

Os trabalhadores cubanos exortamos as organizações sociais e populares de nossa América e do mundo a expressar sua solidariedade a favor do governo e de todo o povo da Venezuela o qual se mobiliza nas ruas em apoio a sua gloriosa Revolução Bolivariana e Chavista.

Não ao ingerencismo imperialista sobre nossos povos!

Venezuela não está sozinha!

Unidade, solidariedade, luta e vitória!

Habana, 30 de marzo del 2017

quarta-feira, 29 de março de 2017

Onde estão desaparecidos políticos ?


As ilusões revividas: o melancólico retorno dos órfãos da burguesia nacional no Brasil

                                                                              
                          
 Edmilson Costa (*)     

A política de conciliação de classes e alianças com a burguesia é a principal responsável pela tragédia social e política que estamos atravessando. Foram as suas traições, erros e vacilações que possibilitaram a emergência desse governo que está aí. Nos tempos de governo petistas desarmou-se os trabalhadores para a luta, cooptou-se o movimento social, despolitizou-se a juventude. O resultado dessa trajetória é esse governo usurpador de Michel Temer.

As recentes denúncias de corrupção e promiscuidade entre o setor público e privado nas áreas construção civil e petróleo e gás levantadas pela Operação Lava a Jato e, mais recentemente, as denúncias de uma série de irregularidades sanitárias na produção dos principais monopólios de processamento de carnes ressuscitaram um velho debate sobre o papel da burguesia nacional no País e trouxeram de volta os ingênuos defensores da chamada burguesia brasileira. 

Eles agora argumentam que as operações contra a corrupção e as fraudes contra esses grandes monopólios, realizadas pela Polícia Federal, procuradores e juízes, na verdade seriam uma ofensiva da política e da justiça para destruir as grandes empresas nacionais, justamente aquelas são responsáveis por parcelas expressivas das exportações brasileiras. Haveria nesse processo uma aliança entre esses setores e os interesses do imperialismo para quebrar as empresas nacionais e possibilitar às corporações estrangeiras ocuparem os mercados deixados pelas empresas brasileiras
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É importante entendermos os meandros desse processo, o papel dessas corporações na economia e sua relação com os trabalhadores e os laços que existem entre o setor econômico e a política eleitoral para compreendermos o domínio do poder político exercido pelas classes dominantes no Brasil. 

O Brasil não é para amadores: para se compreender a complexidade da formação sócio econômica brasileira, os 300 anos de escravidão e sua influência ideológica sobre as classes dominantes, a industrialização tardia, a formação da mão-de-obra e constituição do proletariado urbano, a urbanização da sociedade e a formação das grandes metrópoles, o papel das camadas médias urbanas em sociedades complexas como a nossa, é preciso um estudo aprofundado da economia e das relações de produção do teatro de operações em que estamos atuando. Do contrário, reproduziremos velhos chavões do século passado, decalques societários que não tem nada a ver com a nossa e experiência nem aderência com a realidade brasileira.

A discussão sobre o papel da burguesia nacional é antiga. Por década o PCB foi o principal formulador da necessidade de uma revolução nacional-democrática, em aliança com a burguesia nacional, pois imaginava que esta tinha contradições com om imperialismo.

Também em meios intelectuais e acadêmicos essa tese tem larga aceitação. No entanto, o próprio PCB, no seu processo de reorganização, após a queda da União Soviética, realizou um profundo estudo sobre a realidade brasileira, as classes sociais e o Estado e rompeu com essa formulação, a partir da constatação de que a globalização hegemonizou o domínio das burguesias centrais sobre os países periféricos e que a burguesia brasileira, por características históricas, está não só subordinada à dinâmica do grande capital internacional, como a ele está associada, além do fato de que em todos os momentos de crise se perfilou ao lado do imperialismo.

O mais irônico desse processo é que organizações políticas, que antes criticavam o PCB como reformista, exatamente por sua posição em relação à burguesia nacional, agora são os principais entusiastas dessa tese, evidentemente sem o charme e a tradição política do velho partidão. 

Amoldando-se à ordem capitalista, esses setores chegaram ao governo e praticaram ao longo de 13 anos essa política de aliança com a burguesia. Foram descartados pela própria burguesia e amargaram uma derrota humilhante, mas parece que não compreenderam as lições da vida. Como num baile de máscara, procuram esquecer a realidade recente e retomar as velhas teses como se estivessem exercitando uma fantasia masoquista.

Um pouco de história não faz mal a ninguém

Vale lembrar que ao longo do período colonial o Brasil foi uma colônia de exploração, com o monopólio do comércio pelos colonizadores, a proibição de construir indústria e a maioria absoluta da população analfabeta, o que representou mais de três séculos de riquezas saqueadas, atraso econômico e obscurantismo cultural. 
                        
Só para lembrar: em 1540 o Peru já tinha universidade, enquanto no Brasil a primeira universidade só foi formada na década de 30 do século XX. Os mais de 300 anos de escravidão deixaram marcas ideológicas profundas nas classes dominantes, cujos reflexos até hoje se manifestam no autoritarismo, na truculência e no desprezo dessas classes aos trabalhadores.

Outra característica é que no Brasil o Estado tem a tradição de funcionar plenamente como um Comitê Central das classes dominantes e sempre procurou subjugar a população mediante a cooptação, quando esse método era possível, ou pela repressão, quando a cooptação não era factível, tudo isso no sentido de afastar as grandes massas das decisões econômicas e políticas.

Essas características, aliadas ao fato de que, como assinalávamos em outro trabalho, a economia, desde os seus primórdios já nasceu integrada e subordinada aos circuitos do capital mercantilista internacional (Caio Prado, 2000). Formou-se uma classe dominante agrário-exportadora, conservadora, predatória, antindustrialista, dependente do Estado e subordinada aos centros do capitalismo internacional, marcas que continuaram após a independência e a República. 

A escravidão e suas sequelas sociais retardou a formação de um mercado de mão-de-obra assalariada nacional. O preconceito contra os trabalhadores brasileiros era tão forte que as classes dominantes decidiram por uma política de imigração de europeus, brancos, para trabalhar nas lavouras de café e depois nas pequenas indústrias que se formaram nas primeiras décadas do século XX.

O processo de industrialização brasileiro foi muito tardio: 300 anos depois da revolução burguesa na Inglaterra e cerca de 200 depois da revolução industrial. A revolução de 1930 abriu espaço para a industrialização e deslocou os setores agrários-exportadores para um segundo plano na economia, mas perdeu-se na conciliação com a velha ordem e não realizou sequer a reforma agrária.

O processo de industrialização só se completou com o Plano de Metas, na segunda metade dos anos 50. Mas a industrialização brasileira completou-se quando a segunda revolução industrial estava madura (metalurgia, química, plásticos, etc), os monopólios dominavam a economia mundial, e iniciavam-se os primeiros passos da internacionalização da produção, período em que as empresas transnacionais passaram a produzir e extrair o valor foram de suas fronteiras nacionais.

Além disso, essa industrialização foi realização mediante a junção de três blocos de capitais, o capital privado nacional, o capital do Estado e capital internacional, sendo que este último passou a controlar os setores mais dinâmicos da economia.

Outra singularidade sócio-econômica brasileira é o fato de que a burguesia nacional nunca protagonizou uma revolução burguesa clássica, como a inglesa e a francesa. Cresceu e se desenvolveu a partir de laços orgânicos com o capitalismo internacional, sempre de maneira subordinada, o que a inviabilizou de lutar por um projeto nacional como as burguesias dos países centrais. P

Por exemplo: grande parte da burguesia industrial foi formada a partir da cadeia de produção da indústria automobilística e da dinâmica desse setor no conjunto da economia. Mesmo levando-se em conta que o Estado brasileiro foi o comandante-em-chefe do processo de industrialização, responsável pela construção da infraestrutura e das grandes empresas públicas produtoras de insumos, essas empresas e a infraestrutura estatal funcionaram muito mais no sentido de suporte ao processo de acumulação do capital privado nacional e internacional do que efetivamente de um projeto nacional.

O fim das ilusões com a burguesia nacional

Essa complexa formação e o grande papel do Estado na economia levaram muitos a pensar, inclusive o PCB durante várias décadas como já enfatizamos, que a burguesia brasileira tinha um papel a cumprir numa luta antimperialista e num processo de transformações sociais e distribuição de renda para a construção de um mercado de massas. 

Mas essas ilusões sobre um papel progressista da burguesia nacional foram sufocadas pelo golpe militar de 1964, quando esta burguesia se perfilou inteiramente com os golpistas e foi a construtora de um modelo econômico predatório, com repressão brutal aos trabalhadores, arrocho salarial e concentração de renda, processo que forjou uma economia de baixos salários, mantido e aprofundado nos governos pós-ditadura. 
                                                                     
Imaginava-se que as lições do golpe militar seriam compreendidas pela esquerda, (afinal tratou-se da maior derrota dos setores populares na nossa história moderna) e que as ilusões com a burguesia nacional seriam sepultadas de uma vez por todas.

A globalização, com a internacional da produção e financeira, consolidou ainda mais o papel da grande burguesia dos países centrais sobre as nações periféricos, que agora passaram a interferir diretamente na formulação das políticas nacionais em função de seu peso econômico. Representou também a ampliação do domínio dos monopólios internacionais sobre as burguesias domésticas. 

Nessa nova conjuntura aumentou a subordinação dos capitais nacionais ao capital estrangeiro, que agora só poderão se desenvolver se estiverem ligados aos circuitos do mercado de produtos e ao mercado financeiro internacional, todos controlados com mão de ferro pelas grandes empresas transnacionais. Nessas novas condições, o capital doméstico ampliou sua associação com o capital internacional para se aproveitar das sinergias do sócio maior e aumentar seus lucros.

As mudanças que ocorreram no capitalismo mundial, no final dos anos 70, início dos anos 80, a partir da emergência dos governos Tatcher e Reagan, impactaram de maneira profunda no processo de acumulação mundial, nas relações econômicas internacionais, com o advento do monetarismo, e na ampliação do domínio do capital internacional, especialmente o setor financeiro. 

A partir dos anos 90 o neoliberalismo se tornou a ideologia hegemônica no mundo capitalista, reestruturando e reorganizando a economia mundial sob o domínio do polo financeiro do grande capital. A partir das sinalizações da economia norte-americana todas as economias foram abrindo seus mercados, desregulamentando as finanças, desmantelando as regulamentações trabalhistas, reduzindo salários, privatizando as empresas públicas, o que aumentou ainda mais o domínio do capital internacional nos países da periferia.

Apesar de implementada em praticamente todos os países capitalistas, nos anos 80 não existiam as condições políticas para a implantação do neoliberalismo no Brasil. Nos primeiros cinco anos da década a ditadura estava nos seus estertores e não tinha força para realizar a política neoliberal no País. 

Na segunda metade dos anos 80, o movimento de massas ainda em ascenção e em luta pela Assembleia Constituinte tinha força suficiente para inviabilizar a implementação das políticas neoliberais. Portanto, apesar da década de 80 ser considerada como os anos perdidos, a luta de classes não permitiu que o neoliberalismo fosse implantado no País. 

Somente com a derrota de Lula e a eleição de Fernando Collor em 1989 foi possível à burguesia iniciar a implantação do Consenso de Washington, síntese da política neoliberal. Mas Collor ficou apenas dois anos no governo e foi deposto em função da corrupção em seu governo e do grande movimento de massas pelo seu impeachment. Somente com a implantação do Plano Real, a eleição de Fernando Henrique e a unificação da burguesia em torno de seu governo foi possível a implantação do projeto neoliberal.

O governo FHC, aproveitando-se da popularidade do Plano Real, desenvolveu uma radical e fulminante política neoliberal no País. Reformou a Constituição para favorecer o capital estrangeiro e permitir a desregulamentação da economia, liberalizou o fluxo internacional de capitais, atacou os direitos dos trabalhadores, combateu ferrenhamente as greves e realizou um radical programa de privatizações que praticamente transferiu para o setor privado a grande maioria dos setores da economia até então públicos. 

Foram privatizados todos os bancos estaduais, todo o setor de siderurgia, telecomunicações, petroquímico, setor elétrico, infraestrutura, entre outros, restando apenas a Petrobras, que o governo não teve força para privatizar, apesar das tentativas, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, mesmo assim os dois últimos salvaram-se bastante fragilizados, uma vez que através da venda de suas ações o setor privado passou a ter grande influência na governança dessas empresas.
                                     
No bojo da ofensiva neoliberal e abertura da economia, uma parcela expressiva das empresas de capital doméstico foi adquirida pelo capital estrangeiro ou a ele se associou. Muitos de seus antigos donos foram viver de rendas proporcionadas pela ciranda financeira e pelos juros obscenos que até hoje são praticados na economia brasileira. 

A abertura da economia quebrou praticamente todo o setor de autopeças, parte do setor eletro-eletrônico, brinquedos, calçados, entre outros e as fusões e aquisições completaram o processo. A política neoliberal significou o dobre de finados para as ilusões dos ingênuos defensores da burguesia nacional. Se a chamada burguesia nacional já vinha sendo reduzida com o movimento do capital internacional, com a globalização, o neoliberalismo e as privatizações do governo FHC seu papel econômico se tornou ainda mais frágil e sua subordinação ao capital estrangeiro muito maior.

“Para se ter uma ideia, o processo de fusões e aquisições, a maior parte comandada pelo capital internacional, foi intenso. Entre 1994 e 2006 ocorreram 415 fusões e aquisições nos setores de alimentos, bebidas e fumo; 308 no setor de tecnologia das informações; 282 no setor de telecomunicações; 217 no setor de energia elétrica; 208 no setor de metalurgia; 167 na área petroquímica; 158 no setor petrolífero; 108 no setor de peças automotivas e 100 no setor eletrônico. Se observarmos o Investimento Direto Externo (IDE), entre 1994, inicio do governo FHC, e 2000, o IDE cresceu da seguinte forma: em 1994 era de U$ 2,4 bilhões; passou para U$ 10,7 bilhões em 1996; U$ 18,9 bilhões em 1997; U$ 28,8 bilhões em 1998; e 32,7 bilhões em 2000. Ressalte-se que o IDE, com a emergência do neoliberalismo, ganhou novos contornos, uma vez que a maior parte desses investimentos vieram para alavancar as fusões e aquisições no Brasil (Costa e Manzano, 2007)”.

O governo Lula e as “campeãs nacionais”

Como os romeiros em procissão, os órfãos da burguesia nacional sempre esperam um milagre para atenuar suas agruras e aflições. O governo Lula, especialmente no segundo mandato, significou para esses setores uma espécie de emergência da terra prometida. Com abundantes recursos subsidiados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDEs) desenvolveu-se uma intensa política de fortalecimento das empresas nacionais, visando construir as chamadas campeãs nacionais, cujo objetivo era articular um processo de fusões e aquisições desses grupos nacionais, tornando-os grandes players globais, com economias de escala e sinergias que lhes proporcionasse músculos suficientes para realizar competitividade internacional, especialmente em nichos de mercado da periferia capitalista. 

Mediante uma política de estímulo e revigoramento de setores industriais, a Petrobrás entrou em campo para apoiar setores industriais, mediante política de compras junto à empresas nacionais, bem como programas governamentais de habitação e prospecção de negócios via Itamaraty fortaleceram as grandes empresas do setor da construção civil.

Muitos desses grupos do setor privado, que se conglomeraram a partir de financiamentos praticamente a custo zero do BNDEs, adquiriram expressiva atuação internacional. As empresas de construção civil ampliaram sua atuação no mercado externo, que já existia antes desses estímulos; o setor de carnes transformou o Brasil num dos líderes da exportação mundial. 
                                                                     
Empresas de outros setores também se multinacionalizaram. O agronegócio, também com vastos créditos subsidiados e desrespeito ao meio ambiente, aos direitos dos trabalhadores e trabalho escravo, expulsão de ribeirinhos e quilombolas de suas terras originárias, parecia a redenção nacional com os recordes de exportação de commodities. Seu marketing agressivo veiculava diariamente as vantagens do agronegócio: “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”, praticamente buscando reviver o velho sonho das elites agrário-exportadoras, que nunca se conformaram com a industrialização do País.

Mas a grande ironia do destino e certo constrangimento para os órfãos da burguesia nacional foi a crise política que veio embaraçar as ilusões em relação à burguesia nacional. Com a crise econômica mundial e suas repercussões no Brasil, essa mesma burguesia, tão mimada com créditos subsidiados do BNDEs e que tanto lucro obteve no governo Lula, resolveu apear o PT do poder e descartá-lo como um bagaço de laranja quando este já não servia mais plenamente aos seus interesses. 

Primeiro, não estava mais conseguindo administrar bem o capitalismo e levou o país à recessão e ao desemprego. Segundo, também já não conseguia conter as massas, afinal as jornadas de junho de 2013, que envolveram milhões de pessoas em cerca de 600 cidades do Brasil, foram realizadas por fora da influência do PT e da CUT e seus instrumentos de cooptação. 

Além disso, como a burguesia necessitava de um ajuste rápido e profundo e o PT só poderia fazê-lo de maneira lenta e gradual em função de sua base política, esse partido já não servia mais diante da gravidade da crise. Por isso, a burguesia o substituiu por um governo puro sangue. Suprema ingratidão, imaginam os órfãos constrangidos.

Mas a luta de classes é assim mesmo: quem dorme com o inimigo pode acordar morto, ou quase. Os 13 anos de política de conciliação de classes e de alianças com a burguesia parece que não foram suficientes para convencer os órfãos de que esse tipo de aliança, em função do nível de desenvolvimento do capitalismo, dos interesses de classe da burguesia brasileira e de seus vínculos com o capital internacional, só levarão a derrotas sucessivas. 

Eles imaginavam que a chamada estratégia democrático-popular, agora derrotada, era o instrumento que possibilitaria as mudanças no País. Esperavam ingenuamente que as alianças com a burguesia iriam fortalecê-los e lhes possibilitaria acumular forças a um ponto tal que poderiam mudar a correlação de forças e realizar as transformações. Esqueceram que todos os setores progressistas que se aliaram com a burguesia no Brasil foram absorvidos, humilhadas e derrotadas pela própria burguesia.

O que está efetivamente acontecendo?

Esse processo desencadeado pela Justiça, com as denúncias de corrupção, prisões, delações premiadas, divulgação seletiva e mesmo favorecimento a figuras expressivas da política nacional, veio demostrar de forma didática para a população a podridão das instituições brasileiras, as artimanhas do setor privado para ganhar contratos, influenciar nas políticas governamentais e aumentar seus lucros, bem revelou ainda a promiscuidade entre as grandes empresas privadas e as representações políticas no Parlamento e no Executivo.

Evidentemente que no curso dessas operações se cometeram abusos e desrespeito às normas construídas pela própria burguesia. Mas agora está claro para todos que praticamente ninguém se elege no Brasil se não fizer parte dos esquemas de suborno e caixa dois das grandes empresas. Está claro porque as campanhas eleitorais do Executivo custam cerca 300 milhões de reais (U$ 100 milhões) e um deputado federal não consegue se eleger se não gastar entre 5 e 10 milhões de reais. Está ainda mais cristalino que o poder econômico é quem efetivamente elege deputados, senadores e presidentes. Estes não são representantes do povo, mas lobistas da burguesia para defender seus interesses.

É evidente que os esquemas de corrupção montados na Petrobras, por exemplo, causaram danos à imagem nacional e internacional da empresa. Mas após os julgamentos e prisões a estatal seguirá seu rumo e recuperará sua imagem. Mas esta não é a questão principal: o problema não é a empresa ser estatal, mas sua direção ter sido capturada pelos esquemas de corrupção das quadrilhas que compõem as instituições brasileiras. 

Todos os executivos pegos com a boca na botija foram nomeados por partidos políticos, ou da base aliada do governo e até mesmo da oposição, exatamente para executar os esquemas de corrupção. Que os velhos partidos sejam useiros e vezeiros nessas práticas políticas já era de se esperar. 

Mas o PT, que nasceu das lutas operárias, que era crítico feroz das bandalheiras institucionais (Lula quando era deputado chegou a dizer que lá no Congresso existiam 300 picaretas), se enlamear nesses esquemas de corrupção e transformá-los em parte constitutiva de sua ação política, é uma traição aos milhões de operários e trabalhadores que se levantaram no final dos anos 70 e início dos anos 80 contra os patrões e a ditadura.

É claro também que as denúncias dos esquemas de corrupção e o envolvimento até o tutano das principais construtoras do País nessa promiscuidade, tanto no Brasil quanto no exterior, provoca certos danos aos negócios dessas corporações. Mas esses danos não eliminam a experiência, a tecnologia acumulada e a expertise dessas corporações. 

Resolvidos os problemas judiciais, elas voltarão ao mercado, retomarão seus negócios. A prisão de um ou outro diretor não as deixam menos capaz de construir grandes obras, participar e ganhar concorrências nacionais e internacionais como faziam antes das denúncias. Portanto, as denúncias foram positivas, pois obrigarão essas empresas a melhorar suas práticas de governança, muito embora não se possa ser ingênuo e imaginar que a corrupção irá se acabar com essas denúncias. A corrupção é própria da gênese da concorrência e, portanto, do capitalismo.

Já o escândalo das grandes corporações produtoras e processadoras de carnes tem uma conotação mais grave. A questão principal é que todos nós ficamos sabendo estarrecidos das práticas inescrupulosas das empresas denunciadas, do desprezo com que os diretores dessas empresas lidam com a saúde da população e da ganância do capital que, para aumentar seus lucros, vende carne podre para a população, maquia carne vencida e corrompe funcionários públicos para encobrir seus crimes.

Vender produtos desse tipo é mesmo que vender remédio adulterado. Esses meliantes, do fiscal corrupto ao diretor, devem ser punidos exemplarmente. Com relação à imagem da empresa e o impacto nos seus negócios é evidente que num primeiro momento terá algum impacto negativo, mas com transparência e fiscalização rigorosa, nacional e internacional e novas práticas de controle, essas empresa retomarão seus negócios internos e externos.

O que não se pode é cair na armadilha de transformar essas empresas num patrimônio nacional, que deve ser defendido diante de um imaginário inimigo externo que está conspirando para tomar seus mercados, esquecendo-se das práticas criminosas que vinham realizando contra a economia nacional e a população. Não se pode também esquecer que essas empresas pertencem ao grande capital e seus proprietários têm como objetivo a maximização dos lucros. 

As empresas do setor de carnes são responsáveis pela superexploração, intoxicação e mutilação dos trabalhadores, perseguição de sindicalistas e demissão daqueles que lutam por seus direitos. São ainda campeãs de acidentes de trabalho, realizam jornadas extenuantes de trabalho e pagam baixos salários. Até mesmo na Petrobrás uma parcela expressiva da mão de obra é terceirizada, recebem baixos salários e não tem os mesmos direitos que os ligados diretamente á empresa.
                                     

Nenhuma lágrima para
a burguesia nacional   

Portanto, torna-se incompreensível a choradeira dos órfãos da burguesia nacional diante dos acontecimentos recentes com essas corporações. Parece que esse pessoal está com a síndrome de Estocolmo ou age como aquele apaixonado alucinado que sofre e mais quer sofrer. Que os companheiros que durante os anos de governo petista realizaram as mais espúrias alianças de classes continuem querendo se iludir, até se compreende. 

Mas ver companheiros que se mantiveram na resistência virem à cena defender essas empresas e atribuir à operação da Polícia Federal uma conspiração para destruir esse setor da economia nacional é não só uma insensatez como sério indício de que perderam a perspectiva de classe.

A burguesia nacional brasileira não merece nenhuma lágrima e nenhuma solidariedade. Esse setor que hoje está na berlinda é o principal financiador da bancada ruralista, a mesma que defende as pautas mais conservadoras, os latifundiários, pratica o trabalho escravo, toma as terras dos camponeses e polui o meio ambiente. 

O que as investigações desnudaram foram as práticas criminosas desses monopólios contra a saúde da população para a ampliação de seus lucros. Para realizar essas falcatruas, corrompem agentes públicos de fiscalização, trocam fiscais quando estes não se dobravam às práticas inescrupulosas e montam lobbys no Parlamento para defender seus interesses. Se esses senhores não levam em conta sequer saúde da população, como imaginá-los defensores dos interesses nacionais? Santa ingenuidade!

Não se pode também confundir a soberania nacional com os interesses desses empresários gananciosos, nem esquecer que os trabalhadores desses frigoríficos, além de trabalhar em precárias condições, recebem um salário de miséria. Também não se pode cair no conto de que a operação desenvolvida pela Polícia Federal destrói esse setor da economia. 

Ressalte-se que 80% da produção total desses monopólios são vendidos no mercado interno e só 20% são destinados à exportação. Portanto, quem está sendo mais prejudicado com as práticas sujas desses monopólios é a população brasileira, que consome um produto de péssima qualidade imaginando que aquilo que come está de acordo com as boas práticas sanitárias. Pode ser que existam ainda mais falcatruas e que o que foi descoberto seja apenas a ponta do iceberg das sujeiras desse setor.

Mas esse não é também o centro da questão: o problema mais relevante é o fato de que, por trás dessa choradeira em defesa da burguesia nacional, está um projeto político que já fracassou historicamente e agora quer voltar à cena com as mesmas alianças que a vida demonstrou ser um projeto sem futuro. A política de conciliação de classes e alianças com a burguesia é a principal responsável pela tragédia social e política que estamos atravessando. Foram suas traições, erros e vacilações que possibilitaram e emergência desse governo que está aí. Nos tempos de governo petistas desarmou-se os trabalhadores para a luta, cooptou-se o movimento social, despolitizou-se a juventude. O resultado dessa trajetória é esse governo usurpador de Michel Temer.

Querer reviver novamente uma política que a vida já demonstrou fracassada é impor aos trabalhadores um novo período de derrotas. A burguesia brasileira, sócia e aliada do imperialismo, e o grande capital internacional são os principais inimigos do povo brasileiro e. especialmente, dos trabalhadores e da juventude.

Portanto, é uma fantasia masoquista, uma quimera que só existe na imaginação dos saudosistas dos anos 50 do século passado, imaginar que essa classe possa desempenhar qualquer papel progressista na conjuntura brasileira. Essa burguesia está umbilicalmente associada ao capital internacional, subordinada aos seus interesses, e tem no proletariado brasileiro seu principal inimigo porque sabe que um levante social, nas condições de um capitalismo desenvolvimento como no Brasil, o passo seguinte será a transição para uma sociedade socialista, com a expropriação de todos os seus bens.

Basta de ingenuidade, mistificação e esperteza. A hora é juntar forças tendo como núcleo central o campo proletário, de forma a que possa reverter o domínio burguês e construir o poder popular.

(*) Edmilson Costa é secretário-geral do PCB

(Com odiario.info)

terça-feira, 28 de março de 2017

Música na URSS: As várias partituras de uma Revolução



Fausto Neves

A produção musical da Revolução Bolchevique, em compositores e em intérpretes, na formação de músicos e de públicos, no acesso das massas à Música, não se fez esperar. A Música foi até às fábricas, clubes populares, cidades, campo, grandes e pequenos centros urbanos. A União Soviética ofereceu ao Mundo grandes e inesquecíveis nomes.

Apesar de todas as lutas terríveis pela sobrevivência da jovem Revolução de Outubro, Lénine deu sempre grande importância à frente cultural, à necessidade de não destruir, mas recuperar, o seu imenso património, capturado de há muito pela classe burguesa.

Numa Revolução que tentava sobreviver entre guerras vizinhas e traições internas, rebocando todo um povo da miséria de um feudalismo serôdio para o novo socialismo, a Música, como todas as outras artes, adere à Revolução e tenta ocupar o seu lugar no frenesim de cada dia.

Muitos são os compositores que abraçam a Revolução e nela enriquecem as emoções e as formas. As experiências sucedem-se, os resultados vão sendo analisados e, apesar da quase impossibilidade de paragem para pensar perante a voragem de Outubro, as teorias surgem em paralelo com as dúvidas. 

                                                                                                                                                                      Arte de Intervenção e/ou Intervenção pela Arte? Chegada da Arte às massas através da elevação do nível cultural destas ou de uma simplória facilitação daquela? Há tempo útil de Revolução para a eficácia da primeira ideia, ou a pretensa rapidez de resposta da segunda poderá sacrificar o futuro?

Reagruparam-se duas tendências antagónicas na Associação Russa dos Músicos Proletários e na Associação de Música Contemporânea, rejeitando a primeira toda e qualquer tradição em favor da exclusiva composição de canções e hinos interventivos acessíveis às massas, e a segunda, rompendo com a própria música russa e importando as estéticas mais experimentalistas de outros centros mundiais.

Apesar do aparente radicalismo simplista das posições – ambas afastadas do pensamento inicial de Lénine –, todas as grandes discussões estéticas mundiais que a esquerda travaria aí e nos anos seguintes, sob a pressão, ou de pôr a Arte ao serviço da frágil Revolução, ou de responder com urgência dramática à ascensão da extrema-direita na Europa dos anos seguintes, glosavam estes problemas, de uma maneira mais ou menos subtil. 

Foi o caso dos pensadores marxistas Benjamin, Brecht, Bloch e Lukacz, entre outros, ou mesmo de Lopes-Graça e de um tal António Vale (pseudónimo de Álvaro Cunhal) nas páginas portuguesas da Vértice. Respondendo na prática a estas preocupações, o alemão Hans Eisler, compositor vanguardista à época, escreve em paralelo os revolucionários Kampflieder ou Arbeiterlieder, e dirige o Coro dos Trabalhadores de Viena; Pablo Casals, grande violoncelista, cria e dirige a Orquestra Operária em Barcelona, sob o governo da Frente Republicana; o nosso Fernando Lopes-Graça lança as Canções Heróicas contra Salazar, lado-a-lado com a sua obra mais erudita.

Claro que os seráficos representantes de uma sociedade que matou Mozart, ostracizou Beethoven ou obrigou Bach a ser uma espécie de «Ambrósio-da-Ferrero-Rocher» no fornecimento de cantatas a rotineiros ofícios religiosos, não perdoam a «Outubro» o facto de, directa ou indirectamente, ganhar a arte de todas estas individualidades para o serviço do Progresso, para a celebração da era da passagem do Capitalismo para o Socialismo.

Da URSS para o mundo

A produção musical da Revolução Bolchevique, em compositores e em intérpretes, na formação de músicos e de públicos, no acesso das massas à Música, não se fez esperar. A Música foi até às fábricas, clubes populares, cidades, campo, grandes e pequenos centros urbanos. A União Soviética ofereceu ao Mundo grandes e inesquecíveis nomes.

Na composição, para além dos reconhecidíssimos Serguei Prokofief – lembremo-nos da «Cantata de Outubro», executada na Festa! –, Dmitri Shostakovitch e, num nível próximo, Katchaturian ou Kabalevski, muitos outros nomes, que nos são omitidos ou não associados à Arte Soviética, se impuseram: Glazounov, Miaskovski, Glière, Vassilenko, Gnessin, Chaporine, Nikolaieva (também celebrada pianista e pedagoga) e Makarova, entre muitos outros. 

Os provectos conservatórios de música de Leninegrado e Moscovo enriqueceram-se com a sovietização do ensino e dos seus princípios pedagógicos, e influenciaram rapidamente todo o mundo musical, sendo progressivamente procurados por jovens estudantes internacionais. 

Uma plêiade de artistas formados após Outubro – sucedendo a nomes como Goldweiser, Oborin, Oistrak (pai), Neuhaus ou Knouchevitski – foi idolatrada e disputadíssima nos grandes teatros mundiais: os pianistas Richter, Guilels, Sak, os violinistas Kogan, Oistrak (filho), Weiman, os violoncelistas Chafran e Rostropovitch, para além de maestros, orquestras, grupos de câmara, muitos deles que ainda hoje ostentam a sua indelével formação artística soviética.

O delicado equilíbrio entre os interesses da Revolução e do Progresso e o âmago individual do criador, tendo tido momentos de sobressalto na histórica Revolução de Outubro, foi analisado e depurado pelo recuo histórico, pela experiência e pela sagacidade de Álvaro Cunhal: «Um apelo à arte que intervém na vida social é intrinsecamente um apelo à liberdade, à imaginação, à fantasia, à descoberta e ao sonho. Ou seja: à não obediência a quaisquer «regras» obrigatórias, antes a consideração de que a criatividade artística, mesmo quando parte de certas «regras», acaba por modificá-las, ultrapassá-las e superá-las.»1

1 Cunhal, Álvaro. 1996. A Arte, o Artista e a Sociedade, p. 203. Lisboa: Editorial Caminho.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2260, 23.03.2017

(Com o Diário Liberdade)


segunda-feira, 27 de março de 2017

Assembleia dos trabalhadores do ensino no pátio da AL


Mobilização contra as reformas propostas do governo


O 95º aniversário do PCB

                             

                                              

José Carlos Alexandre

25 de março, data que deveria ser sempre escrita com maiúsculas .em negrito, caixa alta. Com todo destaque.

Nesta data, em 1922, nascia o PCB. O Partido Comunista Brasileiro.

Inconfundível, apesar de siglas mais ou menos assemelhadas...

Conheci um de seus fundadores.

À época ele era menor de idade e não pôde aparecer entre os fundadores, digamos, oficiais, do então

Partido Comunista do Brasil, uma seção da Internacional Comunista.

Hoje não foi falar sobre ele: José Costa, depois empresário de sucesso, dono de jornais.

Mas jamais relegando suas origens, de comerciário em Niterói.

José Costa veio para BH  com a missão de fundar aqui as bases do PCB.

Um sucesso que fez tremer as bases do capitalismo, da mesma forma que o espectro do  comunismo

assustava o mundo no século 19.

Mas poderia lhes falar também de Luiz Carlos Prestes, um nome que orgulhava os trabalhadores de

toda a América Latina e, dos mineiros de Nova Lima em particular.

Ou do Tintureiro Joaquim, ex-camponês...

E dos irmãos Correia. Orlando e Manuel.

De Anelio Marques Guimarães, que os mineiros puseram à frente de clubes esportivos

de Raposos e  de Nova Lima, onde foi vereador dos mais votados.

E de Luiz Pascoal, sindicalista, pai de 10 filhos, fiel segurança de Prestes.

De Edir Penna (Canoa), Armando Ziller, José Francisco Neres (ainda em plena militância), de José 

Alexandre (ex-presidente do Sindicato dos Mineiros de Nova Lima) e de tantos outros que fizeram 

história na Moscou ou na Moscouzinha (Nova Lima  Raposos)...

Quero porém,  abordar um dos mártires da classe operária, da dimensão dos 51 demitidos da Morro Velho, então truste inglês: William Dias Gomes (imagem), assassinado cruelmente.

Os trabalhadores comemoravam a tomada do poder na Rússia por seus companheiros , aliados com

os camponeses e os bravos militares do Exército Vermelho.

Era  7  de novembro de 1948, aniversário da grande Revolução de Outubro, festejando agora seu 100º aniversário.

Era muito para os esbirros da multinacional.

O moço William, orgulho dos mineiros na Câmara Municipal de Nova Lima, caiu fuzilado, passando

à história do movimento operário mundial.

Esta data, 25 de Março, é também dele e de todos os que, de um jeito ou de outro, em todo o mundo,

comemoram  os 100 anos da Revolução Socialista.

Sua foto é uma das que ilustram a sede da Câmara Municipal de Nova Lima e que é digna de todo o

respeito dos trabalhadores e dos villanovenses, em cujo time, William Dias Gomes jogou.


(Publicado originalmente em José Carlos Alexandre Informa e Comenta de 25/03/2017)

Nova América

Vasco Gargalo/Rebelión

Mão e contramão

Latuff/Sulzi

Álvaro Lins



 Miguel Urbano Rodrigues   


Álvaro Lins é uma das mais notáveis figuras da intelectualidade brasileira, uma grande figura de democrata, de antifascista, de combatente pela paz, de revolucionário. Embaixador em Portugal na segunda metade da década de 1950 – num período em que, com a cumplicidade das “democracias” ocidentais, o salazarismo sobrevivia à derrota do nazi-fascismo na II Guerra - foi pelo Portugal resistente e contra o salazarismo que orientou a sua actividade, numa acção solidária que prosseguiu depois de abandonar o cargo, em ruptura com Juscelino Kubitschek.

Encontrei pela primeira vez Álvaro Lins em São Paulo, em 1960.

Tinha-lhe escrito quando ele era embaixador em Lisboa e concedera asilo ao general Humberto Delgado. A decisão, tomada sem consulta a Brasília, desagradou ao Governo de Juscelino Kubitschek e enfureceu Salazar.

A sua resposta à minha carta comoveu-me. A empatia, quando o abracei pela primeira vez, foi imediata. E evoluiu rapidamente para um sentimento de amizade.

Na época, eu divergia da linha da direção do PCP e era criticado pela sua organização no Brasil. Álvaro Lins não abordou o tema numa visita a São Paulo. No aeroporto, onde o acompanhei à despedida, cruzou-se com a comitiva do presidente e deu um encontrão em Juscelino. 

A rutura entre ambos consumara-se pouco antes quando, em artigo no Diário de Noticias do Rio de Janeiro, criticara com dureza o apoio do governo brasileiro ao colonialismo português, ostensivo desde a nomeação para Lisboa do embaixador Negrão de Lima.

Em 1961, quando regressei da aventura do Santa Maria, devolvido a Salazar por Jânio Quadros, fiquei hospedado a convite de Álvaro Lins no seu apartamento das Laranjeiras, enquanto resolvia na cidade problemas ligados à instalação dos combatentes do Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação-DRIL, aos quais o governo brasileiro concedera asilo político.

A nossa amizade ganhou profundidade quando, no final de 1961, aderi ao PCP que adotara a estratégia do levantamento nacional, posteriormente condensada no Rumo à Vitória de Álvaro Cunhal. Lins felicitou- me com entusiasmo.

O ASSASSINIO DE HUMBERTO DELGADO

Em 1965, inesperadamente, recebi em São Paulo um telefonema de Álvaro Lins pedindo que me deslocasse ao Rio com urgência. No dia seguinte, - acompanhava-me Bidarra da Fonseca, camarada do Portugal Democrático - o embaixador sugeriu que tomássemos a iniciativa de comunicar ao mundo que Humberto Delgado fora presumivelmente assassinado.

Explicou- nos que na correspondência que mantivera com o general desde a sua saída do Brasil, Delgado lhe dissera que, se o contato cessasse de repente a partir de uma data que indicava, ele estaria certamente morto. Álvaro Lins cumpria o que lhe fora pedido.

Convocamos uma conferência de imprensa na sede do Centro Republicano Português de São Paulo. E divulgamos a notícia, antecipando-nos às informações confusas da polícia de Franco.

Recordo o episódio para relembrar, desmentindo versões falsas amplamente difundidas, que foi através dos comunistas portugueses do Brasil que o mundo tomou conhecimento do assassínio do general Humberto Delgado pela PIDE.

COM LUIZ CARLOS PRESTES

A amizade forjada com Álvaro Lins adquirira um caracter fraternal quando uma noite em sua casa me convidou para o acompanhar numa visita surpresa. Fomos visitar Luiz Carlos Prestes que vivia então em rigorosa clandestinidade.

Prestes, tal como Lins, sabia que eu, a pedido do PCB, me tornara (com autorização do PCP) militante também do Partido brasileiro e colaborava na sua imprensa.

Somente em 1976 voltei a encontrar Prestes, desta vez em Lisboa, quando saudei a sua chegada com um editorial no diário. Ele vinha participar num comício de solidariedade com os Povos da América Latina, no Campo Pequeno, com Rodney Arismendi do PC do Uruguai, Samuel Riquelme do PC do Chile, Antonio Maidana, do PC Paraguaio, e Álvaro Cunhal. No seu discurso fez uma referência amiga à minha participação nas lutas contra a ditadura brasileira.

O ESCRITOR

Álvaro Lins foi um escritor notável, hoje quase esquecido. Destacou-se sobretudo como ensaísta e crítico literário.

Na época ele exerceu, juntamente com Otto Maria Carpeaux, a crítica literária com um desassombro incomum na intelligentsia brasileira. Insensíveis a pressões, não hesitavam em atacar com dureza a obra de monstros sagrados da literatura. Ambos assumiram essa responsabilidade - apenas um exemplo - em artigos demolidores de romances de Jorge Amado, então no auge da popularidade. 

Não lhe negavam talento, admiravam a sua imaginação prodigiosa e a capacidade de criar personagens que «revelavam» aos leitores o povo da Bahia, do coronel ao jagunço. Mas para Álvaro Lins era imperdoável a leviandade de Jorge Amado no «tratamento da língua portuguesa».

Na apreciação dos meus modestos escritos, Álvaro Lins era de uma generosidade imerecida, inseparável da amizade. Em 1967, quando publiquei o meu segundo livro, Opções da Revolução na América Latina*, ouvi dele palavras de estímulo que não esqueci.

Quando ia ao Rio, a embaixatriz Heloísa Lins, que me tratava como se fosse da família, fazia-me sentir em casa no seu apartamento.

Acompanhei de perto a doença rara, devastadora, que o destruiu rapidamente aos 58 anos, quando muito se podia esperar ainda dele como escritor e ensaísta.

Transcorridos 46 anos sobre a sua morte, recordar o amigo, o patriota, o cidadão exemplar, o intelectual revolucionário é para mim um dever.

___
*Opções da Revolução na América Latina, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro 1968. O livro foi apreendido em 1969 por decisão do ministro Alfredo Buzaid. Felizmente, da edição de 5000 exemplares restavam somente 150.

(Com O diario.info)

sexta-feira, 24 de março de 2017

Abaixo o golpe da terceirização: pela anulação imediata do PL 4302!

 


"É público e notório que os trabalhadores terceirizados, mais de 10 milhões de pessoas, possuem médias salariais menores apesar das jornadas maiores. Portanto, o que ocorreu no Congresso Nacional faz parte de uma dura ofensiva patronal, a serviço da burguesia e seus representantes no Estado."


Ontem, 22/03/17, o Parlamento brasileiro deu mais uma clara demonstração do seu compromisso com o grande capital e sua indiferença em relação aos direitos históricos e necessidades da maioria da população, a classe trabalhadora. Sob o comando de Rodrigo Maia (DEM), 231 deputados, quase todos denunciados por corrupção, votaram pela aprovação do PL 4302. O projeto estava na gaveta desde o final dos anos 1990, porém uma manobra suja do presidente da Câmara o colocou na pauta da noite para o dia, estabelecendo um atalho regimental para agradar o empresariado.

Trocando em miúdos, Maia “passou o rodo” para permitir a terceirização de atividades-fim (essenciais), ampliar o prazo dos contratos temporários de três para nove meses e outras medidas que, em suma, só contribuem para aprofundar a precarização do trabalho. Receoso quanto à possibilidade de aprovar a contrarreforma da previdência, cada vez mais questionada nas ruas como demonstrou o último 15/03, o bloco dominante busca apressar seus golpes em outro flanco: a contrarreforma trabalhista.

O ilegítimo governo Temer alega que se trata de modernizar as leis trabalhistas e facilitar a geração de empregos. Na verdade, porém, tais alterações na legislação promovem um retrocesso de direitos ao período pré CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943) e intensificam o processo de exploração. 

É público e notório que os trabalhadores terceirizados, mais de 10 milhões de pessoas, possuem médias salariais menores apesar das jornadas maiores. Portanto, o que ocorreu no Congresso Nacional faz parte de uma dura ofensiva patronal, a serviço da burguesia e seus representantes no Estado.

Está mais do que na hora dos trabalhadores darem o troco, exigindo nas ruas a imediata anulação da votação realizada ontem na Câmara dos Deputados, bem como o arquivamento de quaisquer projetos de terceirização, contrarreforma trabalhista, sindical e da previdência.

A burguesia declarou guerra, portanto cabe ao proletariado e ao povo brasileiro em geral lançar mão de todas as armas ao seu alcance para barrar os ataques do capital e impedir que a CLT e a Constituição sejam rasgadas: realizar protestos nas casas dos políticos favoráveis aos retrocessos, parar a produção e esvaziar os locais de trabalho para lotar as ruas! Direitos não se negociam, se defendem! Nossa resposta deve ser a radicalização da luta!

Coordenação Nacional da Unidade Classista.

PL da terceirização vai precarizar relações trabalhistas, dizem especialistas

                                                    
                                                                         

                                                                                               Internet
Terceirizados ganham salários mais baixos e têm 
maiores índices de acidentes e carga horária

Em pauta esta semana na Câmara Federal, o Projeto de Lei (PL) 4302, que libera a terceirização nas empresas de forma ilimitada, aponta para a total precarização das relações de trabalho. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, para os quais o projeto promove a desidratação de conquistas históricas da classe trabalhadora.

Para o diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Colussi, a medida fragiliza ainda mais o trabalhador terceirizado e amplia as desigualdades entre esse segmento e o dos demais trabalhadores.

“Comprovadamente, há um pagamento de salário inferior aos terceirizados, o número de acidentes de trabalho e doenças profissionais também é maior e eles não têm a proteção ampla do mundo sindical. Tudo isso junto envolve uma precarização. (…) Vamos trazer um prejuízo para a dignidade do trabalhador”, analisa Colussi.

A avaliação do magistrado encontra justificativa nos números: a remuneração média dos terceirizados é cerca de 25% menor; eles trabalham 7,5% a mais, o que equivale a três horas de diferença; e estão sujeitos a um mercado mais rotativo, com média de apenas 2,7 anos no emprego, enquanto os trabalhadores contratados diretamente registram média de 5,8 anos.

Além disso, os terceirizados respondem por quatro de cada cinco casos de doença profissional e oito de cada dez casos de acidentes de trabalho registrados no país. Os dados provêm de levantamentos feitos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).

A precarização das relações trabalhistas no caso dos terceirizados também está estampada nos números do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), segundo o qual 25% dos maiores devedores da Justiça do Trabalho são empresas que prestam serviços terceirizados.

Pessoalidade

A advogada trabalhista Camila Gomes alerta que o fenômeno da terceirização subverte as normativas que norteiam as relações trabalhistas. “A ideia em si é uma subversão, um desrespeito a princípios muito basilares da proteção do direito do trabalhador porque ela quebra alguns eixos sobre os quais estão articulados vários direitos”, afirma.

Ela destaca, por exemplo, que essa modalidade quebra a pessoalidade existente entre funcionário e empregado. “Isso ocorre porque o local onde as pessoas trabalham não é o mesmo do empregador. Elas podem estar um dia numa empresa, depois em outro lugar, etc.”, explica Gomes, acrescentando que há um enfraquecimento do vínculo entre as duas partes.

Além disso, a advogada aponta que a terceirização tem ressonância negativa em diversos aspectos da vida do funcionário. “Se você é uma trabalhadora e vai procurar creche para seu filho, você busca uma que seja perto do trabalho, mas aí fica complicado se um dia você está em uma empresa e logo depois já pode estar em outra. As pessoas não pensam dos desdobramentos que isso pode ter na vida de um trabalhador”, afirma.

Direitos sociais

Em sintonia com o que centrais sindicais e movimentos populares têm defendido, o juiz Luiz Colussi considera que o PL 4302, primeira proposta da reforma trabalhista a ser apreciada pelo Legislativo, pode ser considerado uma contrarreforma, uma vez que, ao invés de estender direitos, promove um arrocho nas garantias trabalhistas. Mais que isso, o magistrado avalia que a ampliação da terceirização fere a Carta Magna de 1988, que constitucionalizou os direitos sociais.

“[O PL] Está dentro de um movimento de destruição do Estado democrático de direito. (…) A Constituição diz que o cidadão brasileiro tem direito a um mínimo de direitos, e eles devem ser resguardados”, defende Colussi.

Legislação

No Brasil, não há uma legislação específica que verse sobre a terceirização, mas impera o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de que as organizações só devem contratar funcionários nessa modalidade quando se tratar de atividades-meio, como serviços de limpeza e segurança, que são funções de apoio às atividades-fim. A norma foi fixada pelo Tribunal na década de 1990, através da Súmula 331, e vem sendo aprimorada ao longo do tempo, tendo tido a última atualização em 2011.

Para o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), que é advogado trabalhista e membro titular da comissão legislativa que avalia a reforma trabalhista na Câmara Federal, o país precisa resguardar as garantias já conquistadas e barrar o fenômeno da terceirização.

“Ela é a própria fraude ao contrato de trabalho. O emprego como conhecemos hoje no Brasil, que é protegido com garantias legais e jurídicas, vai acabar”, projeta o deputado, um dos críticos da legalização da terceirização ilimitada.

Segundo dados oficiais, o Brasil tem cerca de 12 milhões de trabalhadores terceirizados. Para Damous, a prática desse tipo de contratação contribui para comprometer a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O dispositivo, segundo ele, projetou o país internacionalmente.

“Quando outorgada, em 1943, a CLT virou uma referência no universo do trabalho em termos mundiais. Ela era considerada a legislação social mais avançada do ponto de vista do reconhecimento de direitos”, explica.

Ele acrescenta que a deterioração de direitos tende a retornar para o empresariado como um problema de ordem social. “A CLT garantiu um pacto entre capital e trabalho e ajudou a evitar uma revolução social no Brasil, por isso também os empresários que querem acabar com ela estão sendo burros”, avalia o parlamentar, citando o ex-presidente da República Getúlio Vargas, que promulgou a referida legislação.

(Com o Brasil de Fato/Opera Mundi)

quinta-feira, 23 de março de 2017

Movimento Popular Pela Libertação da Palestina e pela Paz no Oriente Médio

                                                                                               
Há sete décadas a ONU optou por uma partilha do território histórico da Palestina, prometendo a criação de dois Estados. Mas enquanto um desses Estados, Israel, existe há 68 anos, o povo palestino continua a aguardar o cumprimento da promessa que a Assembleia Geral da ONU lhe fez e que foi sucessivamente renovada através de inúmeras resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral que Israel desafia diariamente. 

Israel conduz uma política de apartheid em relação ao povo palestino, e essa situação é denunciada num relatório publicado por uma entidade da ONU que Guterres mandou retirar. A posição assumida por António Guterres, cedendo à pressão de Israel e dos EUA, abre um grave precedente que faz temer o pior sobre o desenrolar futuro do seu mandato.

O MPPM encara com preocupação o papel desempenhado pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, no processo que conduziu à demissão de Rima Khalaf do posto de Secretária Executiva da Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (CESAO).

A sucessão dos acontecimentos merece ser referida brevemente. Na quarta-feira, 15 de Março, a CESAO publicou um documento histórico em que acusa Israel de apartheid, num relatório que concluía que «Israel estabeleceu um regime de apartheid que domina o povo palestino como um todo».

Os autores do relatório — os estado-unidenses Virginia Tilley e Richard Falk, ambos especialistas em Direito Internacional — «conscientes da gravidade desta alegação […] concluem que os elementos de prova disponíveis estabelecem além de qualquer dúvida razoável que Israel é culpado de políticas e práticas que constituem o crime de apartheid, tal como definido legalmente nos instrumentos do direito internacional». 

O relatório «assenta no mesmo corpo de leis e princípios internacionais de direitos humanos que rejeitam o anti-semitismo e outras ideologias racialmente discriminatórias, incluindo a Carta das Nações Unidas (1945), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965)» e «baseia-se para a sua definição do apartheid sobretudo no artigo II da Convenção Internacional para a Repressão e a Punição do Crime de Apartheid (1973)». 

Os autores do relatório sublinham que, «embora o termo “apartheid” tenha sido originalmente associado ao caso específico da África do Sul, representa agora uma espécie de crime contra a humanidade segundo o direito internacional consuetudinário e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional» acrescentando que «o presente relatório reflecte o consenso dos peritos de que a proibição do apartheid é universalmente aplicável e não foi tornada irrelevante pelo colapso do apartheid na África do Sul e no Sudoeste da África (Namíbia)».

O relatório destacou em especial as políticas discriminatórias de Israel no que diz respeito à terra, consagradas na Lei Fundamental do país (o equivalente à constituição). A CESAO também refere algumas das políticas israelitas de «engenharia demográfica»: a concessão a todos os judeus, em qualquer parte do mundo, do direito de obter a cidadania israelita, enquanto impede a entrada de milhões de palestinos com laços ancestrais documentados à terra em que o Estado de Israel foi criado, em 1948; o impedimento do reagrupamento familiar dos cidadãos palestinos de Israel casados com palestinos dos territórios ocupados; a manutenção de comunidades segregadas dentro de Israel, com uma distribuição de recursos extremamente desigual. 

O relatório salienta ainda a importância fundamental dos diferentes códigos legais israelitas que se aplicam aos palestinos dentro de Israel, em Jerusalém Oriental ocupada, na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza cercada como «principal método pelo qual Israel impõe um regime de apartheid».

A publicação do relatório foi de imediato alvo de violentas críticas de Israel e dos Estados Unidos, que exortaram o Secretário-Geral, António Guterres, a demarcar-se formalmente do conteúdo do relatório, e exigindo que o mesmo fosse retirado da página oficial das Nações Unidas. Nesse próprio dia, através de uma declaração do porta-voz do Secretário-Geral, Stéphane Dujarric, António Guterres tornava público o seu distanciamento.
                                                                           
Segundo declarações de Rima Khalaf (foto), António Guterres pediu-lhe, em 16 de Março, que retirasse o relatório e, apesar da solicitação de que reconsiderasse, Guterres terá insistido, o que a levou a apresentar a sua demissão. E de facto, a 17 de Março, o relatório já não estava disponível no site da CESAO. A decisão do Secretário-Geral foi saudada pelos embaixadores de Israel, Danny Danon, e dos Estados Unidos, Nikki Haley, assim como pelas organizações do lobby sionista nos EUA.

O MPPM não pode deixar de condenar a actuação neste caso do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, premiando o país que mais vezes violou as resoluções da ONU, Israel, em detrimento do martirizado povo palestino, para com o qual a ONU tem uma pesada e irrenunciável dívida histórica. 

Não podemos esquecer que há sete décadas a ONU optou por uma partilha do território histórico da Palestina, prometendo a criação de dois Estados. Mas enquanto um desses Estados, Israel, existe há 68 anos, o povo palestino continua a aguardar o cumprimento da promessa que a Assembleia Geral da ONU lhe fez e que foi sucessivamente renovada através de inúmeras resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral que Israel desafia diariamente.

O MPPM enaltece a posição de verticalidade assumida por Rima Khalaf e considera a decisão de António Guterres, cedendo perante as pressões de Israel e dos Estados Unidos da América – numa altura em que este último país discute cortes à comparticipação financeira para o orçamento da ONU – como gravemente atentatória do prestígio, independência e da própria razão de ser das Nações Unidas. 

Nesta ocasião, vale a pena recordar que, em Outubro de 2016, aquando da eleição de António Guterres, o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon expressava votos que, com o novo Secretário-Geral, a ONU abandonasse a sua “obsessão com Israel”. A posição ora assumida por António Guterres, confirmando os receios suscitados por aquela declaração do representante de Israel, abre um grave precedente que faz temer o pior sobre o desenrolar futuro do seu mandato.

O MPPM reitera nesta ocasião os votos que formulou na carta que dirigiu a António Guterres por ocasião do início do seu mandato como Secretário-Geral da ONU: que este seja o mandato em que as Nações Unidas saldem a dívida histórica que têm para com o povo da Palestina. 

Só revendo a atitude que desta vez assumiu e adoptando uma posição consentânea com as resoluções da ONU, António Guterres defenderá a autoridade e prestígio da organização que dirige, e poderá favorecer uma solução justa do drama do povo palestino. Só assim a ONU poderá contribuir para a paz em todo o Médio Oriente, para a paz mundial.

Lisboa, 22 de Março de 2017

A Direcção Nacional do MPPM

(Com Odiario.info)