segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Todos com Túlio, número 21




José Carlos Alexandre

Estranhos fatos nas últimas horas trazem à baila a candidatura comunista ao governo do Estado.

Até parece ações combinadas para se tentar "secar", como se diz hoje em relação ao futebol, a candidatura do professor Túlio Lopes, importante quadro do Partido Comunista Brasileiro, tanto assim que é seu secretário político  em Minas.

Vejamos: a residência dos pais do candidato foi vítima de ladrões que de lá retiraram notebooks,  jóias, fora outros bens.

Isto aconteceu no fim de semana.

Mas não para aí.

Uma revista de âmbito nacional, "Veja", em sua edição de Belo Horizonte, deu a falsa informação de que o candidato comunista teria comunicado ao Tribunal Eleitoral possuir bens no valor de 500 mil reais.

Não se sabe de onde saiu a informação. O candidato declarou, por ocasiao do registro de sua candidatura, possuir um automóvel no valor de sete mil reais...

Como se pode notar, a burguesia, comprometida com os grandes capitais nacionais e internacionais, não perde a oportunidade de tentar implantar a dúvida, a discórdia, a maledicência entre os seus adversários mais autênticos, como o professor Túlio Lopes.

Felizmente todas as organizações sindicais, da sociedade civil e, principalmente, do corpo docente do qual o candidato é dos mais valorosos militantes, estão prontos a dar seu testemunho do quanto ele é fiel às origens

Além de sua sólida formação política e ideológica, reconhecidas em toda a América Latina, já que vem de militância de destaque na União da Juventude Comunista, com atuação no Brasil, na Venezuela, em Cuba e em países africanos.

Como já teve ocasião de salientar o candidato do PCB à Presidência da República, professor Mauro Luis Iasi, a principal tarefa dos comunistas não se esgota no atual processo eleitoral.

Vai muito além.

Os comunistas não costumam fazer apenas campanha eleitoral.

Todas as campanhas do PCB são políticas.

Elas  visam estabelecer as condições para a criação de um governo socialista, com ampla participação dos trabalhadores e do povo.

Enganam-se, portanto, os que buscam desestabilizar a candidatura comunista ao governo do Estado.

O PCB está firme em sua movimentação visando estabelecer o governo ´popular.

No próximo domingo vamos votar no PCB, número 21, nossa melhor resposta às ações diversionistas que buscam dividir os comunistas, a classe trabalhadora.

Eles é que são muito poucos...

Os abutres financeiros querem a chave do cofre


                                                                           




Notas para um debate sobre a independência do Banco Central do Brasil


EdmiIson Costa [*]



A questão da independência do Banco Central (Bacen) ou sua submissão aos governos eleitos democraticamente é um tema recorrente no debate sobre a economia brasileira, especialmente nos momentos de aumento da inflação, quando se discute o problema do déficit público, por ocasião de qualquer crise econômica e, especialmente, nos momentos eleitorais.

Um frenesi intenso toma conta dos chamados formadores de opinião e a mídia corporativa, quase toda alinhada com o capital financeiro nacional e internacional e com as teses neoliberais, se encarrega de multiplicar a catilinária ortodoxa e creditar todas as dificuldades da economia à falta de independência do Banco Central. 

Para as pessoas que não são versadas no conhecimento da economia, esse parece ser um assunto bizantino, distante de sua vida real, afinal o que o cidadão comum tem a ver com política monetária, taxa de juros, dívida interna, metas de inflação, superávit primário, emissão de moeda, controle da liquidez, câmbio e coisas do gênero?

Apesar de parecer um tema distante da vida cotidiana das pessoas, todas essas variáveis econômicas são administradas pelo Banco Central e têm uma importância fundamental na vida das pessoas, pois delas depende o investimento na economia e, portanto, o nível de emprego; os recursos para gastar na construção de escolas, hospitais, saneamento público; as verbas sociais e até mesmo as facilidades ou dificuldades para comprar à prestação um eletrodoméstico como televisão, geladeira, fogão ou um computador. 

Isso porque o Banco Central é o banco dos bancos, o xerife do sistema financeiro, o executor do conjunto da política monetária do governo. Numa economia desenvolvida como a brasileira, onde a moeda desempenha um papel fundamental, o Banco Central é uma das instituições mais importantes do País, pois possui a chave do cofre do Tesouro Nacional e tem um poder imenso sobre o conjunto da política econômica.

Talvez por isso a discussão sobre a independência ou não do Banco Central voltou novamente à ordem do dia nesta reta final do primeiro turno e prosseguirá ao longo do segundo turno. Como de costume, toda a mídia corporativa abre generosos espaços para os defensores da independência do Banco Central e quase nenhum para aqueles que são contrários, num esforço de manipulação digno da velha imprensa burguesa brasileira, que sempre se comportou como linha de frente dos interesses mais conservadores das classes dominantes do País. Os candidatos, especialmente os três mais bem colocados nas pesquisas, transformaram esse tema num dos motes principais de suas campanhas.

O PSDB, seguindo a tradição clássica neoliberal, é favorável à autonomia do Banco Central e não ficaria contrariado se encontrasse força suficiente para transformar a autonomia em independência formal legalizada. Mas a novidade veio por conta da candidata do PSB, Marina Silva, que militou a maior parte de sua vida no PT e se afastou do governo ainda no período Lula. Para a surpresa de alguns, a ex-militante petista agora trouxe como uma das principais bandeiras de campanha a independência do Banco Central, talvez influenciada por uma herdeira do Banco Itaú e coordenadora de seu programa de governo e pelos economistas neoliberais que formam sua equipe. 

A candidata do PT aproveitou habilmente o debate para se contrapor à independência do Banco Central e criticar os adversários, às vezes com uma contundência muito forte, como se o Banco Central não tivesse autonomia operacional há pelo menos duas décadas.

Na verdade, o Banco Central brasileiro opera com autonomia desde o início do período neoliberal no começo da década de 90 e cumpriu como bom aluno aplicado todas as determinações do Consenso de Washington. No governo Lula, foi dirigido por Henrique Meireles, ex-presidente do Bank of Boston e, além da autonomia operacional, o presidente do Banco Central ainda ganhou o status de ministro. 

Portanto, esse é um debate em que apenas formalmente há grandes contradições entre os candidatos dos partidos da ordem, mas em temos de conteúdo todos pensam e agem de maneira muito semelhante. De qualquer forma, esse é um momento oportuno para se esclarecer o verdadeiro sentido da discussão e mostrar o que se esconde por trás do véu que encobre esse debate.

Em outros termos, o que se pode deduzir é que o sistema financeiro nacional e internacional e os rentistas em geral não estão totalmente conformados em embolsar apenas os R$ 2,8 trilhões (U$ 1,4 trilhão) que receberam de juros do governo entre 2002 e 2013 [1] , nem com as tarifas exorbitantes que cobram dos correntistas, com as quais pagam a folha de pessoal dos bancos e ainda sobram recursos, nem com os juros estratosféricos que cobram da sociedade. 

Os abutres financeiros querem agora a chave do cofre, para raspar o fundo do tacho e acabar até mesmo com as migalhas que são destinadas ao programa Bolsa Família (representa apenas cerca de 10% do pagamento dos juros), reduzir ainda mais as aposentadorias, os salários dos funcionários públicos e privatizar o que ainda resta de empresas públicas como a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
                                                             
Política monetária e Banco Central

Para se compreender o que está em discussão é fundamental entendermos o papel da política monetária do País e o significado do Banco Central na política econômica do País. Procuraremos abordar o tema de forma didática, especialmente para os trabalhadores e a juventude, a fim de que possam entender os meandros dessa discussão. 

Não se trata de um debate técnico, que só interessa aos que dominam o economês. Pelo contrário, as medidas tomadas pelo Banco Central afetam o conjunto da economia e a vida pessoal da grande maioria da população. Por exemplo, a política de juros elevados praticada nas duas ultimas décadas representou a maior transferência de renda [NR] do setor público para o setor privado, especialmente para o sistema financeiro nacional e internacional e os rentistas em geral. E quanto mais esse pessoal ganha, menos recursos sobram para saúde, educação, saneamento.

A política monetária de um País tem como objetivo administrar a liquidez da economia, ou seja, a quantidade de moeda e o poder de compra da economia, controlar os empréstimos bancários, emitir e resgatar títulos públicos, definir a taxa de juros, administrar a dívida pública e definir a politica cambial.

Esse conjunto de variáveis econômicas é executado pelo Banco Central, através de instrumentos macroeconômicos. Por isso, o Banco Central é importante, pois cada uma das medidas que toma afeta a vida de toda a população, especialmente a dos trabalhadores e da juventude, principais vítimas da política governamental neoliberal.

Como banco do governo e xerife da política monetária, o Banco Central é o principal instrumento de regulação e fiscalização do sistema financeiro nacional, com poderes inclusive para realizar intervenções extrajudiciais no sistema bancário – em outras palavras pode fechar qualquer banco desde que este esteja realizando operações que ponham em risco o sistema, como já aconteceu várias vezes no País. 

Como emprestador de última instância, pode socorrer os bancos com dificuldades momentâneas de caixa, além de definir a quantidade de crédito que os bancos comerciais podem emprestar para os agentes econômicos, mediante a fixação do compulsório bancário. Abordaremos nestas breves notas apenas três aspectos mais importantes da atuação do Banco Central: a administração da dívida interna e a fixação da taxa de juros e a política cambial, para que se possa ter uma ideia da importância do Banco Central na economia.

a) A administração da dívida interna

O Banco Central é responsável pela administração da dívida pública do País, especialmente a dívida interna. Essa dívida estava orçada no final de 2013 em R$ 2,4 trilhões (U$ 1,2 trilhão) e foi contraída por vários governos, mas a explosão de endividamento ocorreu a partir do governo Fernando Henrique Cardoso. Em números corrigidos, em 1994 a dívida interna correspondia a R$153 mil milhões e, nos anos seguintes, cresceu a uma taxa de 24,5% ao ano. Em 2002, ao final do governo neoliberal de FHC, a dívida já somava R$ 881 mil milhões (US$ 440,5 mil milhões). 

Com o governo Lula e Dilma, a dívida praticamente triplicou, atingindo em 2013 R$ 2,4 trilhões, num crescimento médio anual de 9,5%. [2] Geralmente, as dívidas governamentais são feitas quando o governo quer realizar gastos (por exemplo, construção de escolas, hospitais, rede de saneamento, etc.) e não tem recursos para pagar esses equipamentos sociais. Então, o governo lança títulos públicos no mercado, com a promessa de pagá-los após um determinado período (dois anos, por exemplo) e remunera os compradores desses títulos com uma taxa de juros.
                        
Esse é o endividamento clássico dos governos, mas no Brasil a dívida não resultou na construção de escolas, hospitais, nem em rede de esgoto ou construção de estradas. A dívida interna brasileira é puramente financeira, ou seja, cresceu exponencialmente porque os sucessivos governos implementaram uma política de taxas de juros irresponsável, em média de 26%, entre 1994 e 2002, quando internacionalmente essas taxas variavam em torno de menos de 5%. 

Mesmo no governo Lula, as taxas de juros continuaram nas alturas. Como a arrecadação não cresce na mesma proporção do aumento das taxas de juros, o governo vai rolando a dívida porque não tem recursos para pagar as amortizações, ou seja, as prestações que vencem a cada período.

Dessa forma, a dívida vai aumentando como uma bola de neve e, quanto mais aumenta, mais juros o governo tem que pagar para os detentores de títulos, banqueiros e rentistas em geral. Para pagar esses juros as autoridades criaram o chamado superávit primário , que é a economia que o governo faz para pagar os juros (leia-se corte nos gastos públicos, nas verbas sociais, etc).

Para se ter uma ideia do que significa esse pagamento de juros, basta dizer que somente nos três primeiros anos do governo Dilma (2011, 2012, 2013) o Brasil pagou para os banqueiros e rentistas, em valores corrigidos, R$741 mil milhões de juros por conta da dívida interna. Com esse dinheiro era possível resolver o problema da saúde, da educação e dos transportes no país. Mas como o governo privilegia o pagamento do serviço da dívida, falta dinheiro para tudo: por isso a saúde é uma calamidade, a educação pública é precária e o transporte urbano é um caos, especialmente nas grandes metrópoles.

b) Definição das taxas de juros

Outra das funções importantes do Banco Central e que afeta diariamente a vida dos trabalhadores e da juventude, é a definição da taxa de juros. Como se sabe, a taxa de juros é uma das varáveis mais importantes da economia, uma espécie de bússola que orienta a ação dos agentes econômicos, alguns conscientemente outros não. A taxa de juros influencia as decisões das empresas, dos consumidores, afeta as contas governamentais e as prioridades do orçamento nacional, a poupança das famílias e a atividade global do sistema econômico.
                                  
No Brasil, a cada 45 dias, o Comitê de Política Monetária (Copom) define a taxa de juros básica da economia, a SELIC, que remunera os títulos públicos do governo e, a partir da qual, todos os agentes econômicos compõem as suas taxas de juros específicas. As taxas de juros no Brasil, ao longo de todo o período neoliberal, e mesmo nos governo Lula e Dilma sempre foram muito altas, o que tornou o Brasil campeão mundial das taxas de juros. 

O governo justificava inicialmente as elevadas taxas de juros sob o argumento de que era necessário captar recursos externos para cobrir os déficits na balança comercial, na conta turismo, além do pagamento dos serviços da dívida externa. Mesmo depois que o Brasil passou a ter elevados superávits comerciais no período Lula, as taxas continuaram muito altas.

Quais as implicações que a definição das taxas de juros tem para a economia? Antes de tudo, a taxa de juros é um importante sinalizador para as decisões de investimento das empresas. Quando estas taxas estão mais altas que as perspectivas de lucros dos investimentos na produção, os empresários costumam optar por aplicar seus recursos no mercado financeiro, afinal o capital geralmente busca o setor em que pode obter maiores lucros. Os capitais aplicados no mercado financeiro não têm a mesma dinâmica que os investimentos na produção, pois a órbita financeira não gera valor nem proporciona emprego e renda [NR] na mesma proporção que a órbita produtiva da economia.

Já os investimentos na produção, quando as taxas de juros estão mais baixas que as perspectivas de lucro, elevam a capacidade produtiva do País, aumentam o crescimento econômico, ampliam o emprego e, à medida que as pessoas estão empregadas, aumenta da renda [NR] disponível e, consequentemente, há uma elevação do consumo, gerando assim uma dinâmica virtuosa para o conjunto da economia. 

Portanto, quanto mais elevadas forem as taxas de juros, menor será o investimento na produção e, portanto, menor o nível de emprego e da renda [NR] . As elevadas taxas de juros praticadas no Brasil nas últimas duas décadas explicam em grande parte o baixo crescimento da economia brasileira, especialmente no período neoliberal.

As taxas de juros altas também influenciam nas decisões de consumo das pessoas, pois os juros elevados estimulam as aplicações financeiras. Muitas vezes os consumidores deixam de comprar um bem de consumo durável para colocar o dinheiro na poupança e, com o rendimento, compra-lo à vista no futuro. Além disso, as taxas de juros aumentam também o valor dos bens, pois as empresas vendem a maior parte dos seus produtos a prestação, com taxas de juros muito elevados, sendo que no final das contas o consumidor termina pagando um preço muito maior pelas mercadorias do que se tivesse comprado à vista. No agregado, os juros altos reduzem o consumo e contribuem para o processo de desaceleração da economia.
               
Mas as taxas de juros elevadas também produzem um impacto muito grande nas contas do governo. O principal fator determinante para o aumento acelerado da dívida interna brasileira foi exatamente as altas taxas de juros praticadas nas duas últimas décadas. À medida que a dívida interna vai crescendo, o pagamento de juros também cresce na mesma proporção. Se fizermos um exercício simples, veremos o brutal impacto que as taxas de juros altas provocam no orçamento do País. Em 1994 a dívida interna brasileira estava calculada em R$153 mil milhões, em valores atualizados. Se aplicarmos uma taxa de juros de 20% ao ano para o total dessa dívida (as taxas foram bem maiores durante longo período), teremos um pagamento de juros anual de R$30,6 mil milhões. Quando FHC deixou o governo em 2002 a dívida já era de R$881 mil milhões, portanto se aplicarmos o mesmo critério teremos então um pagamento de juros de R$176 mil milhões, mais de cinco vezes o pagamento de 1994. Em 2013, a dívida já alcançava R$ 2,4 trilhões. E o pagamento de juros, mesmo com taxas de juros menores que no período FHC, foi de R$249 mil milhões em 2013.

Esses números aparentemente complexos para o cidadão comum tem um profundo impacto em sua vida cotidiana, pois quanto maior for o pagamento dos juros da dívida interna, mais os banqueiros e rentistas em geral terão capturado maiores fatias do orçamento nacional, pois são exatamente eles os detentores dos títulos da dívida interna. 

Traduzindo tudo isso: quanto maior o pagamento dos juros, menos recursos serão destinados para as áreas sociais, como saúde, educação, transporte e saneamento. Ou seja, a calamidade do atendimento no setor de saúde, a precariedade da educação pública, o caos urbano nos transportes, a falta de saneamento está ligado diretamente ao pagamento dos juros da dívida do governo.

c) A política cambial

O Banco Central também é responsável pela política cambial do País. Política cambial significa a relação da moeda nacional, o Real, com as outras moedas do mundo, especialmente o dólar, que ainda é a moeda de referência para as transações internacionais. O Brasil já passou por diversos regimes cambiais, como o câmbio fixo, pelo qual o governo fixa uma paridade entre o real e o dólar e esta não se altera no curto prazo; o regime de bandas cambiais, através das quais o preço do dólar em relação ao real varia de acordo com um intervalo de flutuação definido pelo Banco Central (por exemplo, entre janeiro e junho o dólar poderá flutuar em relação ao real entre U$ 2,00 e U$ 2,20) e o governo se compromete em bancar essa variação; o câmbio flutuante, regime que vigora atualmente, no qual o preço do dólar varia de acordo com o mercado. 

Quando existe uma quantidade de dólares maior que as necessidades do País, o preço do dólar tende a cair. Quando há escassez de dólares o preço do dólar tende a subir. Mas o câmbio flutuante não é tão livre assim, pois o Banco Central geralmente intervém no mercado, comprando ou vendendo dólares, para ajustar a taxa de câmbio aos interesses e necessidade da política econômica governamental.

O importante a esclarecer é o fato de que o preço do dólar tem uma influência muito grande na economia, tanto no comércio exterior, quanto na conta turismo, quando nos preços dos bens e serviços praticados no mercado interno. Por exemplo, hoje a taxa de câmbio é de R$ 2,40 para cada dólar. 

Se o preço do dólar cair para R$ 1,00 (US$ 1 – R$ 1), ocorrerá um impacto negativo nas exportações brasileiras, pois os produtos brasileiros se tornarão mais caros em relação aos produtos estrangeiros e os exportadores irão receber menos reais por cada dólar exportado. 

Em contrapartida, as importações aumentarão, pois os produtos estrangeiros se tornarão mais baratos em relação aos produtos brasileiros, em função do real valorizado. Em resumo, um dólar muito barato reduz as exportações e estimula as importações, gerando déficit na balança comercial. Um dólar barato também estimula os turistas brasileiros a viajar ao exterior e desestimula e vinda de turistas estrangeiros ao Brasil. Quando os turistas brasileiros gastam mais no exterior que os turistas estrangeiros no Brasil também ocorre um déficit na conta turismo.
                                                  
Por outro lado, quanto o preço do dólar está elevado (US$1 – R$3,00) ocorre exatamente o contrário: o volume das exportações tende a aumentar porque as mercadorias brasileiras ficarão mais baratas em relação aos bens internacionais e os exportadores receberão mais reais por cada dólar exportado.

Em contrapartida, haverá um desestímulo às importações, porque os produtos internacionais se tornarão mais caros em relação aos brasileiros, em função do real desvalorizado. Mas numa conjuntura dessa ordem, se o País depender muito de matérias primas importadas, vai haver um impacto negativo nos preços internos, pois o aumento no custo de matérias primas será repassado para o consumidor e vai gerar uma elevação da inflação. O fundamental é o Banco Central administrar a política cambial de forma a encontrar um preço do câmbio que não prejudique as exportações, nem torne as importações um elemento desestabilizador dos preços internos.

O Banco Central também é responsável pela administração das reservas do país. As reservas são formadas por superávits comerciais, transferências unilaterais de dólares para o Brasil por conta de brasileiros vivendo no exterior, além de recursos oriundos de empréstimos no exterior tomados por empresas brasileiras ou pelo governo, aplicações de estrangeiros no Brasil, entre outros itens. 

Ter uma quantidade elevada de reservas é importante para o País (principalmente se essas reservas não forem constituídas de capitais voláteis que podem entrar e sair do País a qualquer momento), pois as reservas funcionam como um lastro contra ataques especulativos, permitem constituir Fundos Soberanos contra crises e dão respeitabilidade internacional à nação. O Brasil possui hoje reservas internacionais que correspondem a US$ 350 mil milhões, um patamar muito expressivo comparado com os anos neoliberais quando o País vivia uma grave crise de vulnerabilidade externa.

Por todas essas funções, já se pode ter uma ideia da importância de um Banco Central para o País, pois essa instituição constitui a principal ferramenta de execução da política monetária e suas decisões influenciam tanto o perfil da atividade econômica como um todo, como a vida cotidiana das pessoas comuns. 

Por isso, não é de estranhar o interesse das classes dominantes, dos seus escribas e de sua representação política em ter o controle de 100% do Banco Central e não prestar contas para ninguém. Ter o controle pleno de uma instituição desse porte é como ter a chave do cofre do Tesouro à sua disposição. Por isso, a importância do debate e o esclarecimento sobre os interesses que estão por trás dessa discussão em relação à independência do Banco Central.

Os argumentos favoráveis à independência do Bacen

A questão da independência do Banco Central ganhou força política no final da década de 70 a partir de uma mudança de fundo no interior do bloco de forças dominantes do grande capital internacional, com a ascensão dos setores mais conservadores desse bloco, representados politicamente por Thatcher, na Inglaterra, e Reagan nos Estados Unidos. 

A ascensão dessas forças políticas reacenderam a velha doutrina neoclássica travestida de monetarismo-neoliberal. Vale ressaltar que, com a derrota dos neoclássicos (os neoliberais de hoje) em função da grande depressão na década de 30, o mundo viveu uma etapa de grande intervenção do governo em busca do pleno emprego e crescimento econômico, tendo por base os postulados keynesianos. A partir de 1979, os neoclássicos voltaram com uma força avassaladora e rapidamente substituíram os fundamentos keynesianos pelos postulados monetaristas. Com a nova doutrina, o papel da política monetária de um País passou novamente a se concentrar na busca da estabilidade dos preços, sendo que as outras variáveis da economia, como crescimento e emprego, seriam apenas uma derivada da moeda estável.

Com a nova orientação, a política monetária passaria a ser implementada com regras bem definidas e transparentes, com metas de inflação baixas e previamente determinadas e um banco central independente do governo, de forma a obter credibilidade e a confiança do mercado. Para os neoclássicos, isso é necessário porque os políticos costumam influenciar negativamente a política monetária, pois colocam seus interesses populistas e gastadores acima dos postulados técnicos das autoridades monetárias. Ou como diz um ex-presidente do Banco Central do Brasil muito festejado pela mídia: "A legitimidade conferida pelas urnas não faz do presidente uma encarnação do interesse público, mas apenas um custo diante deste, e por tempo determinado e dentro dos limites, como em qualquer democracia ... É importante, por exemplo, a exclusão do Tesouro do comitê que decide sobre juros e de ministros gastadores do Conselho Monetário Nacional". [3]

Portanto, o paraíso institucional dos neoclássicos seria um ambiente em que a política monetária fosse executada visando exclusivamente a estabilidade da moeda, através de um Banco Central independente, com mandato fixo de seu presidente e da diretoria, e que este mandato não fosse coincidente com os mandatos dos presidentes da República.

Como analisa Penido de Freitas, citando Cukierman, um dos principais formuladores da política neoclássica; "A independência do Banco Central diz respeito à sua competência e atribuições para formular e executar a política monetária, sem a intervenção do Executivo, com o objetivo de assegurar a estabilidade dos preços, dado que o Banco Central é, em geral, mais conservador no que se refere à busca da estabilidade e atua com uma visão mais de longo prazo do que a autoridade política". [4]
                                                   
Essas atribuições, dizem os neoclássicos, deveriam ser entregues ao Banco Central independente porque este é um órgão neutro e dispõe de um saber técnico não contaminado pelos embates e decisões políticas e, por isso mesmo, estaria em melhores condições de zelar mais pelo interesse público do que um Banco Central atrelado às vicissitudes da política cotidiana. Isolado das influências políticas e do arbítrio do presidente da República, o Banco Central poderia tomar as decisões fundamentado apenas em análises técnicas, o que tornaria mais fácil fixar e cumprir as metas de inflação, manter os preços estáveis e construir as condições para um crescimento estável da economia.

Quais são as regras de funcionamento do Banco Central no Brasil? Como em todos os países onde o Banco Central já possui autonomia operacional, seu presidente é indicado pelo presidente da República e sabatinado pelo Parlamento. Teoricamente, o presidente da República pode demitir o presidente do Banco Central, mas o lobby midiático, dos oligopólios e do sistema financeiro é tão grande que os presidentes dos Bancos Centrais se tornam personagens intocáveis, especialmente se tiverem cumprindo a cartilha elaborada pelo sistema financeiro. 

Henrique Meireles, não só ganhou status de ministro como ficou na direção do Banco Central durante todos os dois mandatos de Lula e Alexandre Trombini ao longo do mandato atual da presidente Dilma. A estratégia do sistema financeiro e dos rentistas é transformar o Banco Central numa cidadela inexpugnável onde só eles, o chamado mercado, poderão ditar as regras do jogo.

Por isso, a discussão em torno da independência do Banco Central ganha contornos apaixonados e muitas vezes irracionais. Uma das candidatas que mais tem enfatizado em seus programas a necessidade da independência do Banco Central se comporta como uma boba da corte embevecida por estar convivendo na sala de estar da Casa Grande. Cercada de herdeiros de banqueiros e economistas neoclássicos fundamentalistas, ela repete esse mantra como um papagaio treinado que decorou bem os ensinamentos dos seus mestres. Por outro lado, a outra candidata em busca da reeleição se comporta como se a questão da independência ou autonomia não tivesse nada a ver com o atual governo, chegando mesmo a afirmar (corretamente) que a independência do Banco Central equivaleria entregar o Banco Central aos banqueiros e tirar a comida da mesa do trabalhador. Quanta coerência!!!

É necessário esclarecer que o Banco Central do Brasil tem total autonomia operacional, define de maneira autônoma as taxas de juros, executa as metas de inflação, a intervenção no mercado de câmbio e seu presidente tem status de ministro. Sua direção se reúne regularmente com as direções do sistema financeiro para discutir a conjuntura e a inflação e publica ainda um boletim, o FOCUS, que é um apanhado geral das opiniões dos dirigentes do sistema financeiro. 
                                                           
Além disso, há uma enorme promiscuidade histórica entre as diretorias do Banco Central e o sistema financeiro, expressas no fato de que essas diretorias geralmente são oriundas do sistema financeiro e quase todos seus membros quando deixam o Banco Central são guindados a altos postos no sistema financeiro, nas multinacionais, nos oligopólios e nas consultorias milionárias.

Eles querem a chave do cofre

Mas o que se esconde por trás dos argumentos em relação à independência do Banco Central? Antes de tudo é importante desmontar os chamados argumentos técnicos para depois expormos os verdadeiros interesses políticos e econômicos que estão sob o véu tecnocrático. Primeiro, a questão da neutralidade e do apoliticismo das direções do Banco Central: esse é um argumento muito frágil, pois não existe neutralidade nas tomadas de decisão nas instituições capitalistas. Todas as medidas têm caráter eminentemente político, pois favorecem a um setor ou outro da sociedade. Não existe medida que favoreça aos polos antagônicos ao mesmo tempo. O argumento da neutralidade e do apoliticismo é apenas uma cortina de fumaça para justificar a apropriação da máquina pública pelo sistema financeiro e pelos rentistas e dar a este ato um caráter técnico.

Outro dos argumentos utilizados para a independência do Banco Central é a questão do saber técnico que os funcionários e dirigentes do Banco Central teriam na condução da política monetária. Esse argumento é uma meia verdade, pois o saber técnico está ao serviço de interesses econômicos e sociais. É evidente que a diretoria do Banco Central concentra um nível de informação técnica maior que a maioria da população. Mas esse saber técnico não foi capaz de gerar um ciclo de crescimento econômico positivo como ocorreu entre os anos de 1947 e 1980, quando não existia autonomia do banco Central e o País cresceu a taxas anuais superiores a 7% ao ano, consolidando ainda seu processo de industrialização, enquanto que no período que vai de 1994 a 2002 o crescimento econômico foi pífio, 2,5% ao ano. Mesmo no período dos governos do PT, onde o crescimento foi um pouco maior, nunca se chegou ao nível do período em que não existia autonomia do Banco Central.

Portanto, se o saber técnico não consegue realizar uma política que proporcione ao País um nível de desenvolvimento econômico que seja capaz de aumentar o emprego, a renda [NR] e o consumo, então este saber não serve para nada, pelo menos para a maioria da população brasileira. Se verificarmos mais atentamente que na maior parte desse período neoliberal houve queda nos salários, concentração de renda [NR] e enorme transferência de recursos do setor público para a órbita privada, através de um conjunto de medidas criadas pelo próprio saber técnico , entre as quais se destacam as elevadas taxas de juros e o exorbitante pagamento dos serviços da dívida interna, então descobrimos o verdadeiro segredo desse tipo de saber técnico que é, nada mais nada menos, estar a serviços das classes dirigentes, especialmente do sistema financeiro e dos rentistas.

É importante ressaltar ainda que a sofisticação técnica e as matrizes baseadas em modelos matemáticos desligados da realidade que os tecnocratas costumam apresentar, têm pouca efetividade num mundo globalizado, com as economias integradas, com livre mobilidade de capitais, especialmente se levarmos em conta que a especulação financeira mundial criou um leque enorme de instrumentos e inovações financeiras, que o chamado saber técnico encastelado nos Bancos Centrais tem poucas condições para manobras. Somente o poder político é capaz de construir mecanismos de defesa da soberania e dos trabalhadores.

Se esse saber técnico fosse assim tão infalível teria sido capaz de evitar a maior crise econômica que vem castigando o sistema capitalista há cerca de seis anos e que vai durar ainda muito mais e que até agora o saber técnico não conseguiu tirar o mundo da crise. Aliás, essa crise está tendo um significado especial porque desmoralizou o discurso do saber técnico neoliberal que por mais de 30 anos infernizou a vida dos trabalhadores do mundo inteiro. Mesmo assim esses essa ideologia reacionária continua a importunar a sociedade como um pesadelo que teima em continuar morto-vivo.

Também os argumentos de que o Banco Central independente seria a garantia de baixas taxas de inflação é uma balela. O próprio FMI tem trabalhos que contesta essa afirmação [5] e, além disso, na segunda metade da década de 70 as taxas de inflação nos Estados Unidos ficaram acima de dois dígitos com o Banco Central independente, da mesma forma que na Inglaterra, na França e outros países centrais. O próprio Joseph Stiglitz, um ex-monetarista convertido à heterodoxia e ganhador do Prêmio Nobel, diz claramente que a independência do Banco Central é desnecessária e que os países que a adotaram tiveram muito mais dificuldades diante da crise sistêmica global do que aquele que não praticaram essa política. Portanto, essa correlação entre banco central independente e baixas taxas de inflação é uma lenda tecnocrática muito mal contada.

Na verdade, toda essa parafernália neoliberal, fantasiada de sofisticação técnica, não é nada mais nada menos que lixo teórico reciclado da economia política vulgar, construído nos laboratórios das instituições anglo-saxônicas, a partir da virada conservadora dos governos Reagan e Thatcher no final dos anos 70 e que se impôs como política de Estado para quase todos os países capitalistas nos 30 anos de hegemonia neoliberal. Mesmo que a crise sistêmica mundial tenha desmoralizado essas veleidades e fantasias monetaristas, esses fantasmas continuam teimando em prolongar a agonia desse baile de máscaras, como dráculas ensandecidos que se recusam a morrer.

Poder paralelo antidemocrático

Mas os principais argumentos contrários à independência plena do Banco Central são de caráter político, pois a independência do Banco Central na prática significa a criação de um governo paralelo ao do presidente da República, eleito pelo voto e com o mandato popular. Portanto, esse status que os tecnocratas neoliberais querem dar ao banco Central é não só antidemocrático, como significaria uma regressão política de grande porte, semelhante aos tempos da monarquia de Pedro II, quando este tinha o chamado poder moderador, o quarto poder, que estava acima dos outros poderes e podia inclusive anular as decisões das outras instituições.

Em outros termos, permitir a criação de um Banco Central formalmente independente significaria entregar o poder de uma vez por todas ao mercado, ou seja, aos banqueiros e à oligarquia rentista, que passaria a controlar o principal instrumento de execução da política econômica do país. Vale lembrar que o Banco Central define a emissão de moeda, o volume de crédito na economia, as taxas de juros, administra a dúvida pública e a emissão e resgate dos títulos públicos, controla a política cambial e, portanto, o destino do comércio exterior, além de outras variáveis. Como vimos, todas essas varáveis afetam diretamente a condução da política econômica do País e a vida das pessoas.

Nesse contexto, com o Banco Central independente, seu presidente passaria a ter um poder muito maior que o do presidente da República, mesmo sem ter tido um só voto em eleição para inspetor de quarteirão ou síndico de prédio. Na verdade, os banqueiros e os rentistas em geral, com a tese da independência do Banco Central, querem dar um golpe no conjunto da sociedade e se apossar da chave do cofre para saquear com mais liberdade o erário público e nem sequer prestar contas à sociedade.

Vamos imaginar, por hipótese, que o presidente do Banco Central esteja dissociado da política econômica adotada por um presidente com mandato popular, em função de sua independência. Numa situação dessa ordem, esse Banco Central poderia se tornar um poderoso instrumento de instabilidade econômica, pois teria instrumentos para promover a anarquia econômica, para gerar uma crise de proporções gigantescas, e poderia levar à desorganização da economia, com repercussões profundamente negativas junto à vida cotidiana da população.

Um Banco Central independente também traria consequências danosas para os trabalhadores, pois toda a política econômica estaria subordinada à administração da dívida interna e ao combate á inflação. Isso significaria um aumento do superávit primário e, portanto, redução das verbas sociais orçamentárias para saúde, educação, saneamento, para os salários dos funcionários públicos em função da prioridade do pagamento dos serviços da dívida interna. Como o foco é a estabilidade dos preços, que se dane o emprego e o crescimento econômico, afinal essas variáveis são apenas derivadas da política maior da estabilidade da moeda.

É como se no País não existisse gente de carne e osso, que depende do emprego para sobreviver, que precisa de renda [NR] para comer, vestir, calçar e viver. Esses tecnocratas neoliberais são tão ou mais nocivos para sociedade que os fundamentalistas religiosos (eles são fundamentalistas econômicos) ou os marginais que infernizam a vida das populações pobres nas favelas e periferias.

Eles matam mais silenciosamente, mais ardilosamente, mais sofisticadamente, com um sorriso maquiavélico, milhões de pessoas todo o ano no País, com sua política econômica de concentração da riqueza nas mãos de uma elite parasitária e ampliação da miséria entre a maioria da população, que não pode usufruir serviços públicos de qualidade porque o governo é obrigado a gerar superávits primários para pagar os juros da dívida interna. 
                                   
Uma instituição com a importância de um Banco Central fora do controle democrático da sociedade seria o paraíso para os banqueiros e rentistas. O mercado financeiro deixaria de terceirizar a administração da política monetária e econômica para assumir diretamente o controle das finanças do país, com total autonomia, sem prestar contas à sociedade.

Seria como a raposa tomando conta do galinheiro. Realmente, a voracidade dos abutres financeiros não tem limites. Por isso, é importante dar um basta tanto a autonomia quanto à independência formal do Banco Central e estatizar todo o sistema financeiro, de forma a que passe a servir aos interesses da maioria da população e não a meia dúzia de parasitas sociais.

[1] A tabela com os juros da dívida interna pode ser consultada em: Edmilson Costa. Os 20 anos do Plano Real: uma herança terrível para os trabalhadores , publicada inicialmente em; resistir.info , www.odiario.info ; e www.pcb.org.br e posteriormente reproduzida em dezenas de blogs e sites do Brasil e do exterior.
[2] Uma tabela com o volume da dívida interna e sua relação com o Produto Interno Bruto (PIB) e o nível das taxas de juros também pode ser encontrado no artigo acima referenciado.
[3] Franco, Gustavo. A independência do Banco Central. Jornal O Estado de São Paulo, Caderno de Economia, 14/set. 2014.
[4] Penido de Freitas, Maria Cristina. Banco Central independente e coordenação das políticas macroeconômicas: lições para o Brasil. Economia e Sociedade, vol. 15, No. 2 (27), agosto, 2006.
[5] Em 2003, o FMI divulgou trabalho de autoria de dois de seus técnicos no qual realizam comparação entre países que efetivaram políticas de metas de inflação e outros que não realizaram essas políticas e chagaram a conclusão de a política de metas de inflação serve mais a interesses políticos que econômicos. Ver Penido de Freitas, op. cit.

[NR] No Brasil chamam de renda a qualquer espécie de rendimento, não apenas aos ganhos com actividades rentistas.

Do mesmo autor em resistir.info:
A explosão social bate às portas do Brasil
Os 20 anos do Plano Real: Uma herança terrível para os trabalhadores brasileiros
"Abrem-se janelas de oportunidades para a emergência do movimento popular"
O Brasil está maduro para o socialismo
Capitalismo contemporâneo, imperialismo e agressividade
Brasil: extraordinária jornada de lutas
A crise do euro e a crise sistêmica global
A terceira onda da crise: O capitalismo no olho do furacão
Os movimentos sociais e os processos revolucionários na América Latina: Uma crítica aos pós-modernistas
A crise mundial do capitalismo e as perspectivas dos trabalhadores

[*] Doutorado em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com pós-doutoramento no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor, entre outros de A globalização e o capitalismo contemporâneo (Expressão Popular, 2009) e A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil (edições ICP, 2013). É professor de economia, membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), diretor de pesquisas do Instituto Caio Prado Junior e um dos editores da revista Novos Temas.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sábado, 27 de setembro de 2014

"Trabalhadores, uni-vos!": 150 anos da fundação da I Internacional (28/9/1864-28/9/2014)

                                                                            
A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) se tornou símbolo da luta de classes e influenciou as ideias de milhões de trabalhadores ao redor do planeta. O aniversário de 150 de sua fundação, em 1864, oferece uma importante oportunidade de reler suas resoluções e aprender com as experiências de seus protagonistas, para repensar os problemas do presente.

Com textos inéditos, cuidadosamente selecionados e traduzidos, a Boitempo Editorial lançará brevemente o livro Trabalhadores, uni-vos: antologia política da I Internacional. Este volume configura um arquivo de valor inestimável para a história e a teoria do movimento dos trabalhadores, bem como para a crítica do capitalismo. O livro conta ainda com uma extensa introdução crítica de Marcello Musto, apresentando e contextualizando as diferentes vertentes e resoluções em jogo.

Para marcar o lançamento do referido livro estará ocorrendo entre 29/10/2014 a 03/11/2014, em oito cidades brasileiras, o encontro internacional "Associação Internacional das Trabalhadoras e dos Trabalhadores, 150 depois"



A I Internacional, 150 anos depois - Encontro internacional

29.10.2014 - 03.11.2014
São Paulo, Campinas, Salvador, Porto Alegre, Belo Horizonte, Natal, Rio de Janeiro e Recôncavo da Bahia

Encontro internacional em oito cidades brasileiras, marcando o lançamento de Trabalhadores, uni-vos: antologia política da I Internacional, de Marcello Musto
Mais informações em breve: http://ait150anos.wix.com/ait150anos#!projeto/c4nz

PROGRAMAÇÃO GERAL
UNICAMP (Campinas) – 29 e 30 de outubro
USP/UNIFESP (São Paulo) – 30 e 31 de outubro
UFBa (Salvador) – 31 de outubro
UFRJ/UFF (Rio de Janeiro) – 03 de novembro
UFRGS (Porto Alegre) – 24 e 30 de outubro
UFRN (Natal) – 27 de outubro
UFRB (Recôncavo da Bahia) – 30 de outubro
UFMG (Belo Horizonte) – 03 de novembro

APRESENTAÇÃO

Em 28 de setembro de 1864, em uma reunião em Londres, a primeira organização internacional do movimento dos trabalhadores foi fundada e assim denominada: Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Embora a sua vida tenha sido bastante breve (1864-1877), a AIT tornou-se o símbolo da luta dos trabalhadores e trabalhadoras e influenciou as ideias de milhões de pessoas em todo o planeta.

Grandes mudanças políticas e econômicas se sucederam ao longo dos últimos 25 anos: o colapso do bloco soviético; o afloramento e relevância das questões ecológicas; as transformações sociais geradas pela mundialização; uma monumental reestruturação produtiva em escala global; a eclosão sequencial de guerras e, mais recentemente, uma crise financeira e econômica mundial que, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, adicionou outros 27 milhões de desempregados desde 2008, totalizando mais de 200 milhões de pessoas.

No mundo real estes números são ainda muito maiores, pois há o desemprego oculto, disfarçado etc, que escondem alarmantes índices de desemprego em escala mundial em uma época de crise estrutural.

Os movimentos de protesto e as rebeliões que ocorreram recentemente em várias partes do mundo distinguiram-se pelo caráter amplo de suas demandas por igualdade social, obrigando-nos a realizar uma reflexão radical acerca dos novos problemas e transformações que vêm ocorrendo também no mundo do trabalho. 

De protagonista central ao longo do século XX, o trabalho parece encontrar profundas dificuldades, presente, por exemplo, nas limitações que os sindicatos vêm encontrando para representar e organizar a crescente massa de assalariados, como os imigrantes, @s trabalhador@s precarizad@s, @s trabalhador@s mais jovens que não conseguem se inserir no mercado de trabalho cada vez mais flexível, onde os empregos são inseguros e os direitos são destruídos em amplitude global. 

Um dos grandes desafios atuais é refletir sobre as relações sociais, políticas e de representação entre os setores tradicionais da classe trabalhadora, herdeiros do fordismo e o jovem precariado que se desenvolve em escala global, na era da acumulação flexível, que se amplia significativamente em várias partes do mundo. 

Estes dois polos fundamentais da classe trabalhadora hoje têm seu futuro irremediavelmente articulado e relacionado: em suas lutas, o primeiro polo, aparentemente “desorganizado”, quer o fim da intensa precarização que lhe atinge e sonha com um mundo melhor. O segundo, mais “organizado”, quer evitar a sua maior degradação e recusa sua conversão em novos precarizados do mundo.

Se esses polos vitais da classe trabalhadora não se conectarem solidária e organicamente, a sua derrota poderá ser ainda maior. Se conjugarem suas ações de classe, poderão ser efetivamente capazes de combater o sistema de metabolismo societal do capital e sua lógica destrutiva e, assim, começar a desenhar um novo modo de vida.

 O objetivo central desse Encontro Internacional é permitir, então, uma discussão ampla e profunda, visando estimular o conhecimento e importância da AIT e de seu duradouro legado, no momento em que comemoramos o 150º aniversário de sua fundação.

Para tanto, estamos organizando uma série de conferências que articulam o olhar ao passado recente, do primeiro movimento internacional de luta da classe trabalhadora com a avaliação e importância das lutas sociais dos trabalhadores em todo o mundo hoje. 

As transformações globais das últimas décadas, seguidas de sistemáticos ataques internacionalmente coordenados pelo capital não só sobre os direitos e a seguridade social d@s trabalhador@s em todas as partes do mundo,mas também sobre os organismos sociais, econômicos e políticos (que foram criados para realizar grandes conquistas históricas e efetivar os primeiros esforços de união no plano internacional), tornaram-se tema ainda mais crucial em nossos dias.
Ricardo Antunes e Marcello Musto – Coordenação Geral

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Local: Auditório I do IFCH / UNICAMP
29 de outubro

EUA: Um estado inimigo da Humanidade

                                                                       

A contra-ofensiva imperialista iniciada logo após o final da II Guerra Mundial intensificou-se na década de 80 do século passado e atingiu dimensão global com as derrotas do socialismo no leste europeu. Desenvolve-se em todos os continentes. A escalada terrorista de agressão e ocupação e o rasto de caos que gera põem em risco o próprio futuro da humanidade. Mas começa a depara-se com sucessivos atoleiros.

Miguel Urbano Roodrogues

O chamado Estado Islâmico-ISIL, que se apresenta como refundador do Califado é a ultima aberração gerada pela estratégia de terrorismo de estado do imperialismo estado-unidense.

Essa estratégia surgiu como consequência de efeitos não previstos da execução do projeto de dominação perpétua e universal sobre a humanidade, concebido ainda em vida de Roosevelt, no âmbito do War and Peace Program, um projeto que identificava nos EUA o herdeiro natural do Império Britânico.

O Médio Oriente foi a área escolhida pelo Pentágono e o Departamento de Estado para a arrancada do ambicioso Programa, precisamente por o Reino Unido, muito enfraquecido pela guerra, ter iniciado ali a sua política de retirada escalonada de bastiões imperiais no mundo islâmico.
Nas décadas seguintes, a CIA promoveu golpes na Região com destaque para o que derrubou Mossadegh e restabeleceu no trono do Irão o Xá Reza Pahlavi.

O PÂNTANO AFEGÃO

A partir de 1980, o governo Reagan financiou e armou as organizações terroristas sunitas de Peshawar que combatiam a Revolução Afegã. Alguns dos seus dirigentes foram recebidos como heróis na Casa Branca como «combatentes da liberdade»; Reagan saudou-os como combatentes da liberdade e «novos Bolívares». Os bandos desses heróis cortavam os seios a mulheres que não usavam a burka ou cegavam-nas com ácido sulfúrico.

Nessa época, o saudita Bin Laden interveio ativamente como aliado de confiança dos EUA (seu pai fora amigo da família Bush) nas campanhas que visavam o derrubamento do governo revolucionário de Kabul.

Quando Mikhail Gorbatchov abandonou o Afeganistão e os 7 de Peshawar tomaram o poder no país, essas organizações desentenderam-se e iniciou- se um período de guerras fratricidas.

No final da Presidência de Bush pai, os EUA, que tinham patrocinado a guerra de Saddam Hussein contra o Irão, reagiram à ocupação do Koweit, desencadeando a primeira guerra do Golfo em l991. Com o apoio de uma grande coligação avalisada pelo Conselho de Segurança, os iraquianos foram rapidamente derrotados. Bagdad foi submetida a bombardeamentos destruidores, mas Washington não se opôs a que Saddam permanecesse no poder.

No Afeganistão, cujo subsolo encerra recursos fabulosos, a situação assumiu aspetos tão caóticos, com os senhores da guerra a digladiarem-se, que Washington abriu a porta à entrada em cena dos Taliban, uma organização terrorista que a CIA havia criado no Paquistão como «reserva».

Os autointitulados «estudantes de teologia» conquistaram facilmente o país e, instalados em Kabul, assassinaram Muhammad Najibullah, o ultimo presidente legítimo, asilado na Sede da ONU, e promoveram uma política de fanatismo religioso que fez regressar o país à Idade Média. Bin Laden, mudando de campo, surgiu então como aliado preferencial do mullah Omar, chefe espiritual dos Taliban.

Os EUA recolhiam frutos amargos da sua política agressiva contra o Islão e de apoio incondicional ao Estado sionista de Israel.

Mas foi somente em 2001, após os atentados contra o World Trade Center e o Pentágono, que a Casa Branca, onde então pontificava Bush filho, tomou a decisão de invadir e ocupar o Afeganistão. Bin Laden foi guindado a inimigo número 1 dos EUA e a Al Qaeda, por ele fundada, adquiriu na propaganda americana as proporções de um polvo demoníaco cujos tentáculos envolveriam todo o mundo islâmico.

Mas, contrariando as previsões de Washington, o povo afegão resistiu à ocupação do país pelos EUA e pela NATO.

O Presidente Obama, que prometera acabar com aquela guerra impopular, enviou para o país mais 100 000 militares. Sucessivas ofensivas de «pacificação» fracassaram e generais prestigiados foram demitidos. Anunciada para este ano a total retirada das forças de combate, a promessa não será cumprida.

Transcorridos 13 anos da invasão, a Resistência Afegã (que transcende largamente os Talibans) controla quase todas as províncias, com as tropas estrangeiras concentradas em Kabul e nas principais cidades. O país, devastado pela guerra, está mais pobre do que antes da chegada dos americanos, mas a produção de ópio aumentou muitíssimo.

O assassínio de Bin Laden no Paquistão numa operação de comandos nebulosa, montada pela CIA e o Pentágono, não contribuiu, alias, para melhorar a imagem de Obama.

IRAQUE, LÍBIA, SÍRIA

Longe de extraírem lições da sua política para a Região, os EUA desencadearam em março de 2003 a segunda guerra do Iraque, desta vez sem o aval da ONU.

O pretexto invocado – a existência de armas de extermínio massivo - foi forjado por Bush e Tony Blair. Tais armas, como foi provado, não existiam.
                          
Na invasão foram utilizadas armas químicas proibidas pelas convenções internacionais. Crimes monstruosos foram cometidos e as torturas (incluindo abusos sexuais) infligidas pela soldadesca americana aos prisioneiros iraquianos tornaram-se tema de escândalo de proporções mundiais.

Saddam Hussein foi executado, apos um julgamento sumário, com o aplauso de um governo fantoche, mas, transcorrida mais de uma década, o Iraque regrediu meio século. Centenas de milhares de iraquianos morreram de doenças curáveis e de desnutrição.

Hoje, ocupado por dezenas de milhares de mercenários ao serviço de empresas mafiosas, o Iraque é na prática uma terra humilhada e ocupada, onde o poder real é exercido pelas transnacionais que se apropriaram do seu petróleo e do seu gás.

Incapazes de encontrar soluções para a sua crise estrutural, os EUA prosseguiram com a sua agressiva estratégia (ampliando-a) de dominação imperial.
A política de cerco à China e à Rússia intensificou-se. De documentos secretos do Governo federal, tornados públicos por influentes media, constam planos para arruinar e desmembrar a Rússia, reduzindo-a a potência de segunda classe.

A multiplicidade de objetivos a atingir quase simultaneamente tem contribuído, porém, para que os resultados dessa política não correspondam às esperanças da Casa Branca.

As mal chamadas «primaveras árabes» foram ideadas para produzirem no Islão um efeito comparável ao das «revoluções coloridas». E isso não aconteceu. No Egito, apos uma cadeia de crises complexas e um golpe de estado que derrubou o presidente Morsi, os EUA conseguiram o que pretendiam. No Cairo ocupa o poder um governo militar do agrado do imperialismo norte-americano e que Israel encara com simpatia.

Mas o balanço da intervenção militar na Líbia é desastroso. Derrubaram e assassinaram Kadhafi, numa guerra de agressão imperial, viabilizada pela cumplicidade da ONU, guerra em que participaram ativamente a França e o Reino Unido, preparada com antecedência pela CIA e os serviços secretos britânicos e a Mossad israelense, destruíram as infra-estruturas do país para se apossarem do seu petróleo e do seu gás.

Mas o desfecho da operação criminosa não correspondeu ao previsto no organigrama da agressão.

A Líbia é hoje um país ingovernável. Uma parte significativa dos «rebeldes», treinados e armados pelo imperialismo para lutar contra Khadafi, passaram a atuar por conta própria, em milícias que desconhecem o governo títere de Trípoli. O terrorismo tornou-se endémico. O atentado terrorista contra a missão diplomática dos EUA em Bengasi confirmou o estado de anarquia existente e a incapacidade de Washington para controlar as organizações terroristas que o imperialismo introduziu no país.

Do caos líbio não foram porém extraídos também os ensinamentos neles implícitos.

A escalada de agressões prosseguiu. A Síria foi o alvo seguinte. Washington repetiu a fórmula. Uma campanha mediática ampla e ruidosa demonizou o presidente Assad, apresentado como ditador brutal. Depois, «rebeldes» patriotas – muitos dos quadros são estrangeiros – iniciaram a luta contra o governo legitimo do pais.

Contrariando as previsões da CIA, as forças armadas, unidas em defesa do presidente Assad, resistiram e as organizações terroristas, ostensivamente apoiadas pela Turquia e pela Arabia Saudita, sofreram severas derrotas.
                           
Dezenas de milhares de civis, sobretudo mulheres e crianças, foram vítimas da guerra patrocinada pelos EUA. Compreendendo finalmente que o plano elaborado em Washington estava a fracassar, Obama, numa guinada tática, informou num discurso ameaçador que tinha decidido bombardear a Síria.

A firme atitude assumida pela Rússia obrigou-o, entretanto, a recuar e a desistir da intervenção militar direta. Essa inocultável derrota política tornou necessária uma revisão da estratégia global dos EUA para todo o Medio Oriente.

Apercebendo-se de que haviam avaliado mal a relação de forças, a Casa Branca e o Pentágono adiaram sine dia o projeto de agressão à Republica Islâmica do Irão, e abriram negociações sobre o tema nuclear com um governo que o imperialismo identificava como polo do «eixo do mal».

A CATÁSTROFE UCRANIANA

A derrota sofrida pelo imperialismo na Síria coincidiu praticamente com o desenvolvimento de outro projeto imperial, mais ambicioso, que visava a integração a medio prazo da Ucrânia na União Europeia e na NATO.

Dispenso- me de recordar, por serem amplamente conhecidos, os acontecimentos que conduziram ao poder em Kiev um governo neofascista apos o derrubamento do presidente Yanukovich. Era um aventureiro, mas havia sido eleito democraticamente.

Mais uma vez o plano golpista foi minuciosamente preparado em Washington.

Mas, novamente, a Historia seguiu um rumo diferente do previsto pelo sistema de poder imperial. A integração da Crimeia na Rússia demonstrou que o governo de Putin e Medvedev‎ não se deixava intimidar pela agressiva estratégia de Washington.

A recusa das populações russófonas dos leste da Ucrânia a submeter-se aos golpistas de Kiev levou observadores internacionais a admitir que a ofensiva das forças armadas da Ucrânia contra os «separatistas» de Donetsk e Lugansk poderia ser o prólogo de uma III Guerra Mundial. Mas a prudência e serenidade de Putin contribuíram para uma redução de tensões na área, evitando o alastramento de um conflito que poderia ter trágicas consequências para a humanidade.

A crise persiste, mas a própria incapacidade militar do bando de Kiev conduziu ao atual cessar-fogo e às negociações de Minsk.
Na Ucrânia, o tiro saiu também vez pela culatra ao governo dos EUA cuja aliança com fascistas assumidos ilumina o desprezo pela ética política da Administração Obama.

O PESADELO JIHADISTA

Atolado no pantanal ucraniano, o imperialismo estado-unidense (e os seus aliados) enfrenta nestes dias um desafio assustador para o qual sabe não ter solução.

Inesperadamente, uma organização de islamitas fanáticos irrompeu no noroeste do Iraque e em poucas semanas ocupou um amplo território naquele país e no norte da Síria.

Assumindo-se como intérpretes intransigentes da sharia, tal como a concebem, proclamaram a restauração do Califado árabe e declaram a intenção de promover a sua expansão territorial e espiritual.

Logo nas primeiras semanas, a passagem desses jihadistas por cidades e aldeias conquistadas ficou assinalada pela prática de crimes hediondos, inseparáveis do fanatismo exacerbado da seita jihadista.
                                                    
O imperialismo sentiu que o empurravam para um impasse. Obama não pode aceitar a ajuda do governo de Bashar al Assad, nem a do Irão. Perderia a face também se recorresse a forças terrestres para combater os jihadistas depois de ter festejado como acontecimento histórico a retirada do Iraque das tropas de combate. Optou então pelo recurso a bombardeamentos aéreos. Recebeu o apoio dos governos de Hollande e de Cameron, mas os especialistas do Pentágono acham que esses bombardeamentos, ditos «cirúrgicos», terão uma eficácia muito limitada.

Os jihadistas responderam degolando dois reféns britânicos em seu poder e ameaçam abater outros se os bombardeamentos prosseguirem.

É imprevisível no momento o desfecho do confronto. Mas os generais do Pentágono afirmam que o exército iraquiano e as milícias do Curdistão autónomo, aliado de Washington, não têm capacidade militar para derrotar os jihadistas.

Em Washington a Administração está mergulhada num pesadelo. Os media mais influentes, do New York Times à CNN, também.

Muitos quadros jihadistas são, afinal, provenientes de organizações terroristas criadas e financiadas pelos EUA para combater regimes que não se submetiam à dominação imperial. Alguns foram treinados por oficiais do US Army.

O desconforto dos media também é compreensível. As guerras de agressão que atingiram o Afeganistão, o Iraque, a Líbia e a Síria foram precedidas de gigantescas campanhas de desinformação. Durante semanas, os povos dos EUA e da Europa foram massacrados com um tipo de propaganda que apresentava as intervenções militares como exigência da defesa da liberdade e dos direitos humanos em prol da democracia, contra a ditadura e a barbárie.

Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler, afirmava que uma mentira à força de repetida é aceite como verdade. As técnicas de desinformação utilizadas na época parecem hoje brincadeira de crianças se comparadas com a monstruosa máquina mediática controlada pelo imperialismo para anestesiar a consciência dos povos e justificar crimes abjectos.

O presidente Obama cumpre neste jogo criminoso o papel que lhe foi distribuído. Na realidade o poder nos EUA está nas mãos do grande capital e do Pentágono. Mas isso não atenua a sua responsabilidade; a máscara não funciona, o presidente desempenha com prazer e hipocrisia a sua função na engrenagem do sistema. Comporta-se na Casa Branca como inimigo da Humanidade.

Nos últimos séculos somente a Alemanha de Hitler criou uma situação comparável pela monstruosidade dos crimes cometidos à resultante hoje da estratégia de poder dos EUA. Com duas diferenças fundamentais: a política do III Reich suscitou repúdio universal, mas apenas a Europa foi cenário dos seus crimes.

No tocante aos EUA, centenas de milhões de pessoas são confundidas pela fachada democrática do regime, mas os crimes cometidos têm dimensão planetária.

Qual o desfecho da perigosa crise de civilização que ameaça a própria continuidade da vida na Terra?

Vivemos um tempo, após a transformação da Rússia num país capitalista, em que as forças da direita governam com arrogância em quase toda a Europa. Em Portugal sofremos um governo em que alguns ministros são mais reacionários que os de Salazar.

Mas a Historia é há milénios marcada pela alternância do fluxo e do refluxo. O pessimismo não se justifica. A maré da contestação ao capitalismo está a subir.

Não esqueço que Marx, após a derrota na Alemanha da Revolução de 1848 -49, quando uma vaga de desalento corria pela Europa, criticou com veemência o oportunismo de esquerda e o de direita, que contaminava a Liga dos Comunistas. Dirigindo-se à classe operária, afirmou que os trabalhadores poderiam ter de lutar 15, 20 ou mesmo 50 anos antes de tomarem o poder. Mas isso não era motivo para se desviarem dos princípios e valores do comunismo.
A revolução socialista tardou 70 anos. E não eclodiu na Alemanha ou na França, mas na Rússia autocrática e atrasada.

O ensinamento de Marx permanece válido. Mas neste inicio do seculo XXI não será necessário esperar tanto tempo.

A vitória final depende das massas como sujeito da História.

A advertência de Rosa Luxemburgo - Socialismo ou Barbárie - não perdeu atualidade. Ou o capitalismo, hegemonizado pelo imperialismo norte-americano, empurra a humanidade para o abismo, ou a luta dos povos o erradica do planeta. A única alternativa será então o socialismo.

Vila Nova de Gaia, 23 de Setembro de 2014

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

‘A verdadeira tarefa da esquerda vem depois das eleições: construir a alternativa ao bloco dominante’

                                                       

No encerramento das entrevistas com os candidatos presidenciais da esquerda anticapitalista, o Correio da Cidadania conversou com Mauro Iasi, do PCB. Na conversa, ele destaca o processo de reconstrução da legenda mais antiga de todo o país e também o que considera a principal necessidade das forças contra-hegemônicas, incapazes de constituir a chamada Frente de Esquerda em 2014. Em sua visão, tal desafio continua posto, inclusive no sentido de aglutinar forças extrapartidárias. “A nossa briga, já de bastante tempo, é contra a mercantilização da vida”.

Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação

Quarta, 24 de Setembro de 2014

No encerramento das entrevistas com os candidatos presidenciais da esquerda anticapitalista, o Correio da Cidadania conversou com Mauro Iasi, do PCB. Na conversa, ele destaca o processo de reconstrução da legenda mais antiga de todo o país e também o que considera a principal necessidade das forças contra-hegemônicas, incapazes de constituir a chamada Frente de Esquerda em 2014. Em sua visão, tal desafio continua posto, inclusive no sentido de aglutinar forças extrapartidárias.

“Nós demonstramos que é possível participar do debate eleitoral sem rebaixar o programa, sem fantasiar ou disfarçar nossas verdadeiras intenções. A nossa briga, já de bastante tempo, é contra a mercantilização da vida, pauta a luta pela educação, saúde, cultura, acesso a bens e serviços essenciais, o que conseguimos ver, na prática, na campanha”, disse Iasi.

Sobre o contexto geral do pleito, Iasi lamenta os “12 anos de processo de despolitização”, representados pela opção do PT em levar à frente um projeto socioeconômico conciliador que ignorou os interesses de classe e em momento algum chamou suas bases à luta. E para os tempos em que se exigem mais instrumentos de participação política, o candidato comunista critica um sistema eleitoral que só oferece chances de vitória àqueles previamente enquadrados pelo grande capital.

“É um debate muito empobrecido. Quem faz contraponto é a esquerda, que sofre com o quadro de imposição de uma política absolutamente centrada no pragmatismo e desvinculada das questões de interesses de classe, o que ajudaria a população a entender a natureza dos projetos e optar por aquele que de fato representa seus interesses”.

Correio da Cidadania: Como está vendo o atual momento político com as eleições que se aproximam?

Mauro Iasi: Estamos numa conjuntura eleitoral que expressa o resultado de um longo período de despolitização no Brasil. Infelizmente, estamos num quadro onde as eleições acabam se concentrando em pessoas e iniciativas individuais. Pouco se debate a respeito de verdadeiros projetos e, mais ainda, dos interesses de classe que estão por trás de uma e outra alternativa. Esse processo de despolitização foi produzido por 12 anos de um governo de pacto social, que apostou na baixa diferenciação das propostas, distante de uma verdadeira concepção de governo com políticas sociais, com propostas de implementação de um modelo de desenvolviment que  se diferenciasse claramente das alternativas da burguesia e do grande capital –e em favor dos interesses da classe trabalhadora.

Em nenhum momento, o governo mobilizou sua base social em defesa de propostas porventura obstaculizadas por uma suposta maioria conservadora no Congresso. Pelo contrário, o governo propiciou o debate e a implementação de medidas como a reforma da previdência, a paralisação da reforma agrária, a flexibilização dos direitos trabalhistas e a prioridade ao agronegócio (com o que se fez do Código Florestal). Tudo isso sem que a população fosse minimamente convocada a defender seus interesses, através da organização autônoma e da didática diferenciação de concepções sobre a natureza dos projetos em disputa.

Conjuntura que agora culmina num quadro eleitoral no qual a população não tem elementos para discernir as propostas e está prestes a embarcar novamente numa alternativa de mudança que muda muito pouco. Seja no campo da Dilma ou da Marina.

Mais uma vez, Dilma e o PT tentam o discurso de que o necessário foi feito, mas agora viria a verdadeira mudança. Resguardamo-nos o direito de duvidar, pois foi o mesmo discurso do segundo mandato de Lula e da passagem para a Dilma. Agora, aparece mais uma vez, mas na verdade o governo e a campanha de Dilma demonstram claramente uma opção de continuidade pelo caminho escolhido até agora. 

A Marina, por sua vez, não apresenta, de fato, alternativa de mudança. Ela capitaliza os anseios de se encerrar o ciclo do PT, com concepções que variam das mais conservadoras até aquelas que não se identificaram com tal governo, mas não traz nenhuma alteração de fundo no debate político brasileiro. Ela mesma é a reedição de medidas muito conservadoras no campo econômico, reafirma o patamar colocado por FHC e, do ponto de vista de políticas sociais, não indica nenhum elemento inovador. Pelo contrário, nesse campo também representa o pensamento conservador. Por fim, Aécio é a própria expressão da política conservadora e privatista.
                                                     
Portanto, é um debate muito empobrecido. Quem faz contraponto é a esquerda, a qual, até por esse contexto geral de despolitização, sofre muito com a falta de espaço. Sofre também, fundamentalmente, com o quadro de imposição de uma política absolutamente centrada no pragmatismo e desvinculada das questões de interesses de classe, o que ajudaria a população a entender a natureza dos projetos e optar por aquele que de fato representa seus interesses.

Correio da Cidadania: Quais são, a seu ver, os principais problemas e questões do Brasil de hoje e, em seus aspectos mais fundamentais, como o PCB se encaixa nesse cenário e com qual programa o PCB está se apresentando nessas eleições de 2014?

Mauro Iasi: O PCB formulou sua proposta de participação nas eleições a partir do nosso Congresso e da leitura que temos do Brasil e seus desafios. Estruturamos o programa em cinco eixos.

O primeiro afirma que o Brasil completou um ciclo capitalista e exatamente por isso produz uma série de problemas no acesso da população a direitos essenciais, como o direito à vida, moradia, alimentação, educação, saúde, transporte. Ou seja, afirmamos uma política de desmercantilização da vida, colocando-nos claramente a favor da ideia de que esses são bens e serviços essenciais à vida humana e, portanto, devem ser oferecidos pelo Estado de maneira pública, universal e gratuita.

O segundo eixo diz respeito às condições econômicas para realizar o primeiro. É possível garantir todos os direitos, mas é preciso mudar profundamente a forma econômica pela qual o país está sendo conduzido nos últimos 20 anos. Nesse eixo, propomos reversão das privatizações ocorridas e controle por parte do Estado de setores essenciais da economia, como mineração, energia, infraestrutura de transportes, portos e aeroportos. E uma profunda reforma agrária, combinada com a reforma urbana. Tanto uma como outra, a nosso ver, estão no eixo de garantir a socialização da vida e das condições necessárias para produzir uma sociabilidade mais elevada do povo brasileiro.

O terceiro eixo diz respeito às condições políticas para realizar tais tarefas e, portanto, à socialização da economia e desmercantilização da vida. Diz respeito, portanto, a uma crítica que a nosso ver emergiu claramente nas Jornadas de Junho, questionou os limites da democracia representativa e cobrou formas de democracia direta. Tais protestos questionam a base de fundamento do presidencialismo de coalizão que tem prevalecido, com os partidos fazendo seu jogo no mercado eleitoral (financiados por grandes empresas) e formando um Congresso absolutamente serviçal dos interesses privados dos grandes grupos econômicos do país. Através desse presidencialismo de coalizão, tais grupos controlam e limitam a ação do Poder Executivo e o colocam a seu serviço. Em resumo, uma governabilidade ‘por cima’, negociada através de cargos no governo, emendas no orçamento, financiamento de campanha...

Para romper tamanho círculo vicioso, é necessário estabelecer formas de poder popular, seja através das mais imediatas, os conselhos, ou mais aperfeiçoadas, como os órgãos do poder popular. Existe ainda a possibilidade, em caso de uma vitória, de sustentação de governabilidade na auto-organização da população, deixando de cair na armadilha do presidencialismo de coalizão. 
                                                            
Órgãos, conselhos ou assembleias seriam deliberativos, ao invés de consultivos, como indica a atual proposta da presidência da República. Tampouco seriam mera forma de homologação, como propõe a Marina e sua ideia de referendos e plebiscitos. Seriam órgãos autênticos de construção de políticas, deliberação de prioridades e apontamento de linhas de desenvolvimento. Teriam poder deliberativo, no sentido de formular a vontade que o Executivo deve levar ao Congresso. E com atuação e correlação de forças que não tornem o governo refém de negociatas, como hoje.

O quarto item fala sobre a necessidade muito premente de garantia de direitos, uma vez que hoje eles têm sido flexibilizados e relativizados ao extremo. Isso é muito sério no âmbito do direito do trabalho ou nos direitos fundamentais e humanos. Não são direitos relativizados em negociações, mas na prática, como se vê na violência urbana que a PM promove, ao suspender os direitos mais elementares e produzir verdadeiro genocídio.

O último eixo, firme em nossa convicção enquanto partido, é que tais transformações no Brasil devem ser articuladas, em primeiro lugar, no cenário da América Latina. Pela importância que tem o Brasil, porém, mais que isso, pela necessidade de articularmos as forças de resistência anti-imperialistas e anti-monopolistas, através da associação de nossos povos. Na América Latina e no âmbito mundial, porque a ofensiva contra os trabalhadores e os direitos elementares, além da ameaça belicista e do expansionismo imperialista, ameaçam todos os povos. E seria essencial, para uma transformação social, o Brasil contribuir em patamar mais avançado de resistência mundial contra a globalização e o imperialismo.

Correio da Cidadania: Diante de quadro tão complexo, qual a importância das eleições de 2014 para as esquerdas e qual o papel delas nas eleições de 2014?

Mauro Iasi: O Estado burguês conseguiu consolidar uma hegemonia muito sólida no Brasil. Afirmávamos, e continuamos afirmando, que as demandas que emergiram nas manifestações de rua do ano passado precisavam também se expressar no debate eleitoral, nem que fosse pra quebrar o consenso em torno dos temas que circunscrevem o debate eleitoral aos limites da ordem burguesa. Precisavam colocar a alternativa socialista, a necessidade da construção do poder popular, de enfrentar o modelo econômico, social e cultural que tem prevalecido nos últimos 20 anos. E a esquerda está tendo um papel importante nas eleições.

No entanto, como já sabíamos e não estamos nem um pouco surpresos, o espaço nas eleições é extremamente viciado e limitado. O ordenamento jurídico brasileiro de hoje impede que tais debates sejam feitos. Inclusive, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que deveria zelar pela licitude do processo, tem uma atitude totalmente passiva e leniente com todo o verdadeiro arbítrio que é o processo eleitoral brasileiro. 

Não apenas existe uma desigualdade econômica enorme, propiciada pelo financiamento privado de campanha, mas também há uma cobertura jornalística absolutamente desigual. E, quando há debates, prevalece o critério que o TSE estipulou como correto, de haver ou não bancadas parlamentares para participar do debate, cerceando e penalizando, portanto, os partidos que entram agora para tentar mudanças.
                                     
É um paradoxo: temos um espaço muito limitado, como sabíamos, mas, ao mesmo tempo, muito importante de ser ocupado, mesmo nas pequenas brechas que podemos furar. O PCB, ciente disso, optou por um tipo de campanha com mobilização e viagens pelo Brasil todo. Num volume maior que o esperado, a campanha corre nos assentamentos da reforma agrária, no movimento sindical, social, nas universidades, na juventude, naquilo que chamamos de reconstrução de uma vanguarda social, tão duramente golpeada no último período.

Portanto, consideramos um acerto participar das eleições. Mas a verdadeira tarefa vem depois das eleições. Temos a obrigação, enquanto esquerda brasileira, de construir uma alternativa ao bloco dominante. É uma tarefa urgente.

Correio da Cidadania: Sobre o que você chama de tarefa urgente, chegamos a outra pergunta: quanto à possibilidade de uma esquerda socialista unificada, considera que se tenha perdido a oportunidade, aberta para tal cenário, pelas grandes manifestações de 2013?

Mauro Iasi: Eu concordo que seria um bom momento para exercitá-la. Nós do PCB defendemos a proposta em 2006, em São Paulo, quando fui candidato a vice-governador na chapa do Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) para o governo. Sempre fomos um dos principais incentivadores dessa proposta. Infelizmente, em 2010, não foi possível e, agora, em 2014, nós temos experiências locais de Frente de Esquerda. Estamos juntos na disputa do Ceará, em Sergipe, Piauí, parcialmente em Goiás...

Assim, nós nos esforçamos muito para que isso fosse possível. Muito esforço, por exemplo, foi feito para que Minas Gerais tivesse uma chapa unitária. Infelizmente, por uma série de motivos, não se deu na chapa majoritária. A dinâmica com que o PSOL, por exemplo, operou a constituição do seu candidato foi muito difícil. Nós acompanhamos e respeitamos a autonomia dos nossos colegas e a maneira pela qual decidiram sua candidatura, mas, de fato, retardou demais o processo e tornou inviável uma Frente de Esquerda para 2014.

Mas o que nós estamos percebendo é que a nossa base social cobra essa unidade. Temos de achar um meio de efetivá-la. A única coisa que podemos dizer no momento é que o método pelo qual está sendo construída a Frente de Esquerda está errado. Nós não constituiremos uma Frente de Esquerda por um acordo eleitoral de última hora, depois de as alternativas já estarem colocadas.

Não dá pra esperar uma próxima eleição com vistas a se criar um amplo movimento para se discutir e repensar o país, a partir de uma verdadeira alternativa de esquerda. E esse amplo debate tem de incluir todos os setores de esquerda, não apenas três ou quatro partidos da esquerda institucional que disputam a eleição hoje.

É necessário que se junte ao processo várias organizações de esquerda que não têm, e não querem ter, registro eleitoral. Associações, movimentos sociais, sindicatos, movimentos de luta pela terra, juventude, a fim de se criar uma verdadeira onda em se possa discutir o Brasil e suas opções, de modo a alcançar um projeto mínimo de desenvolvimento.

Dentro de tal projeto, temos de pensar no papel das eleições, se devemos participar do processo eleitoral, e como participar. A partir dessa construção coletiva, temos certeza que haverá muito mais maturidade para se chegar a uma alternativa também eleitoral para os próximos pleitos, com grau de unidade maior.
                                                                  
Eu acredito que, se os partidos de esquerda dependerem de uma dinâmica que já se consolidou, dificilmente sairá uma aliança eleitoral, ou melhor, aquilo que defendemos: uma Frente de Esquerda. É preciso trabalhar nessa perspectiva, para o que há muita disposição do PCB. Além de que, agora mais do que nunca, fica evidente que esta construção é uma necessidade para o avanço da disputa política brasileira.

Correio da Cidadania: Considera que, nessas eleições, o debate aberto pelo PCB e pelas esquerdas de um modo geral conseguirá fazer a diferença de alguma forma, confrontando o debate da ordem?

Mauro Iasi: Acredito que nós já fizemos isso. O PCB hoje completa um ciclo de reconstrução evidente. Nós estamos presentes em todos os estados da federação, seja em comissões provisórias ou como partido já organizado. Temos frentes enraizadas no movimento de mulheres, unidade classista no movimento sindical, uma nova juventude comunista... Essa presença foi potencializada agora com a campanha que está em curso. Acredito que conquistamos  e avançamos em um trabalho consciente, sem açodamentos, em que priorizamos a formulação estratégica, a leitura sobre o Brasil, o acerto de contas com a nossa história, o que nos posicionou bem para participar de um debate tão necessário, que vai acontecer daqui pra frente.

Mais ainda, nós compramos uma briga contra um verdadeiro senso comum na esquerda brasileira. Aquele que entende que, ao participar do processo eleitoral, nós tínhamos de necessariamente buscar mediações e discursos que implicavam em rebaixar ou disfarçar nossas metas socialistas revolucionárias e as questões de fundo que julgávamos necessárias, mas que o espaço eleitoral não permitiria.

Nós demonstramos que é possível participar do debate eleitoral sem rebaixar o programa, sem fantasiar ou disfarçar nossas verdadeiras intenções. Até porque consideramos que estas intenções correspondem a uma objetividade que exige resposta. A ideia do poder popular materializou-se na crítica feita nas manifestações do ano passado.

A nossa briga, já de bastante tempo, é contra a mercantilização da vida, pauta a luta pela educação, saúde, cultura, acesso a bens e serviços essenciais, o que conseguimos ver, na prática, na campanha.

Outro aspecto sobre o qual tivemos uma boa surpresa é que a luta pela terra no Brasil está diante de um impasse, que pode ser produtivo, rico. Os grandes movimentos de luta pela terra no Brasil já perceberam, claramente, que o inimigo se deslocou. Não é mais aquele latifúndio tradicional e não se trata só de uma mera distribuição de terra. Está-se diante de uma profunda transformação fundiária, agrícola, na política de abastecimento. Os assentamentos da reforma agrária possam sair do dilema perverso em que se encontram: depender do Estado para sobreviver, sob uma concorrência absolutamente desleal com o agronegócio.

É preciso um salto de qualidade na luta pela terra, assim como em todos os elementos da bandeira da reforma urbana. O partido posicionou-se nesse debate com uma política que articula tais temas e amarra uma visão estratégica de país, uma visão socialista.

Penso que é esse o nosso grande ganho, independentemente do resultado numérico das eleições. Mas também esperamos ter um crescimento e uma consolidação maior do PCB, um espaço importante que ainda será muito útil no desenvolvimento de uma estratégia socialista.

(*) Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

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