quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Obama: O discurso da mentira e da hipocrisia

                                                                     
Larry Downing Pool-Getty Images/Divulgação

Foi triunfalista o discurso sobre o Estado da União pronunciado pelo presidente Barack Obama. Segundo ele tudo corre maravilhosamente nos EUA neste seu segundo mandato.

Deturpou conscientemente a realidade numa peça oratória grandiloquente pelo estilo, hipócrita, e semeada de mentiras.

Na primeira parte, para consumo interno, dirigindo-se sobretudo à classe média, esboçou um quadro de êxitos, de paz social, com a economia num crescimento sustentado, o desemprego a cair, a saúde e a educação em patamares superiores.

Ocultou que os EUA continuam atolados numa crise profunda, que gigantescas manifestações saem às ruas em dezenas de cidades, protestando contra o racismo e a violência policial e que a desigualdade continua a aumentar perigosamente na sociedade norte-americana com um punhado de bilionários a concentrar uma percentagem colossal da riqueza produzida.

Foi ridícula a leitura da carta pessoal de uma jovem que melhorou a situação familiar graças à imaginação e tenacidade com que ela e o marido enfrentaram a crise.

A mesma euforia marcou a segunda parte do discurso, dedicada à política exterior.

Afirmando que cumpriu já quase todos os compromissos assumidos, declarou que os EUA, ao intervirem no Afeganistão e no Iraque, levaram o progresso e a democracia àqueles países.

Sublinhando que honrou a palavra empenhada e retirou as tropas americanas da Região, confiando a forças locais as tarefas de segurança, acumulou inverdades.

As agressões norte-americanas destruíram e arruinaram os dois países e são responsáveis em ambos por centenas de milhares de mortos, pela tortura de milhares de prisioneiros, pelo alastramento da miséria, da fome e da corrupção (v.odiario.info de 21.1.15).

Nestes dias, aliás, mais mil militares norte-americanos foram enviados para o Afeganistão e outros tantos para o Iraque.

Dos golpes promovidos pelos EUA na América Latina nos seus mandatos não falou. Absteve-se também de referências ao Africa Comand, aos bombardeamentos de rotina dos drones na Somália e no Iémen e ao envio de tropas americanas para o Uganda.

O presidente não poupou críticas à Rússia a propósito dos acontecimentos da Ucrânia, qualificando-a de «agressora», mas foi enfático nos elogios ao governo fascizante de Poroshenko que se instalou em Kiev com a cumplicidade norte-americana. Para Obama é um aliado democrático.

Mostrou-se otimista no tocante à Asia Oriental, região onde os EUA estariam reformulando a sua política e alianças. Omitiu obviamente que essa nova estratégia é dirigida contra a Rússia e a China.

O fecho do discurso foi, sem surpresas, o elogio ditirâmbico dos valores da democracia dos EUA, nação predestinada para salvar a humanidade.
Terminou com uma invocação ao Senhor: «Que Deus abençoe estre pais que tanto amamos».

OS EDITORES DE ODIARIO.INFO

Mais atualizado do que nunca!


TV MTST- Retrospectiva 2014

PERIGOSOS COMUNISTAS

                                                                       
Seguidores de Marx


Mônica Bergamo em 20/01/2015 na edição 834

Excerto da coluna da autora na Folha de S.Paulo, 17/1/2015
      
Perfis de personalidades na Wikipédia foram modificados nesta semana [passada] a partir da rede de computadores do BNDES. O ex-ministro Franklin Martins, a deputada estadual Manuela d’Ávila (PCdoB-RS) e os jornalistas Alberto Dines e Tereza Cruvinel foram incluídos na categoria “Comunistas do Brasil” da enciclopédia virtual colaborativa.

No expediente

O BNDES, em nota, informa que localizou o computador de onde partiram as alterações no site e “está tomando providências para identificar o responsável por efetuar as mudanças”. Diz também que o caso será analisado pela comissão interna de ética. “Paralelamente, a área de tecnologia da informação está trabalhando no sentido de aprimorar os filtros usados na rede do banco”, informa.

No expediente 2

Em setembro, um servidor filiado ao PT foi exonerado de cargo de chefia por ter utilizado a rede do Palácio do Planalto para adicionar críticas aos perfis dos jornalistas Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg na Wikipédia. Computadores do governo federal também foram usados para incluir elogios a Alexandre Padilha, então pré-candidato petista ao governo de SP.

***

Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo 

(Com o Observatório da Imprensa)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Órfãos e sem Vaticanos


Entrevista a Nestor Kohan

Marcela Pisarello e Sílvia Acevedo Montilla

Um dos grandes desafios do marxismo do Século XXI consiste em desmontar a falsa homologação de mercado e democracia. Para poder concretizá-lo há que ESTUDAR. E para decifrar os enigmas não resolvidos há que superar o divórcio entre um marxismo académico e um saber militante abnegado e esforçado mas que não estuda, não lê, não está informado e suplanta a falta de formação da militância de base com palavras de grande efeito.


MP e SAM: Que papel desempenham hoje em dia os meios alternativos de comunicação perante o domínio planetário do capital?

NK: Um papel fundamental. Vivemos uma ditadura mediática sem precedentes na história. Os meios maciços monopolizaram-se de um modo impensável há meio século. As televisões por cabo, por exemplo, variam o número de canais que oferecem. Aquela a que eu tenho acesso na Argentina tem mais de 70 canais, mas só em dois ou três se pode ver algo diferente… e ainda por cima com limitações institucionais, porque essas escassas excepções dependem por sua vez de estados e de sua diplomacia externa.

Noutras televisões há mais de 300 canais, mas as alternativas não são mais de três ou quatro. A relação assimétrica é indefinida. Existem as páginas webs alternativas, mas na realidade devemos assumir a sua marginalidade extrema. Sofremos de um totalitarismo absoluto da informação e da comunicação, disfarçado de «pluralismo» e «democracia». A «sociedade aberta» que Karl Popper pregava e muitos outros cúmplices do seu bando malsão ao pensamento oficial ocidental durante a guerra-fria é um mito e do pior modelo.

MP e SAM: Que achas do discurso do presidente Obama sobre as novas medidas a respeito de Cuba? Abre-se uma esperança?

NK: Nicolo Maquiavel, um rapaz do meu bairro, costumava lembrar que os poderosos andam entre a raposa e o leão, com a astúcia e a violência, com o consenso e a repressão. Nunca abandonam nenhum dos meios de dominação. Todos os imperialismos e sistemas totalitários reprimiram e ao mesmo tempo tentaram criar consenso. Obama passa a vida a sorrir, impassível, a vender pasta de dentes. Faz de «polícia bom» para Cuba, e simultaneamente ameaça castigar a Venezuela bolivariana com dureza ou a qualquer outro dissidente (externo ou interno) que o desafie. 

Promete erradicar definitivamente a tortura mas acaba por reconhecer que a tortura continua. Agora chamam-lhe «interrogatório forte». Consegue o Nobel da Paz, enquanto invade países, derruba governos populares, assassina líderes opositores, suborna, compra, intervém descaradamente noutras sociedades sem respeitar a sua soberania, espia e vigia cada gesto quotidiano do seu próprio povo norte-americano como faz com todos os povos do mundo.

Alguns dos seus próprios agentes (já afastados) e alguns poucos dos seus próprios intelectuais que não perderam a dignidade denunciam-no publicamente. Desde Snowden até Assange e Chomsky.
Cada um portanto é livre de oferecer a outra face? Mas nós também temos o direito e a possibilidade de não o acreditar.

A nova política anunciada para a Revolução Cubana apresenta um reconhecimento de facto de que os brigões do quarteirão, os gorilas do bairro, os gangsters e mafiosos do «mundo livre», não conseguiram pôr de joelhos o povo cubano, insubmisso e rebelde. Não podemos perde-lo de vista nem por um segundo. O nosso grande abraço a esse povo heróico que resistiu à potência mais poderosa, cínica, desavergonhada e impiedosa do planeta. Todo o nosso carinho e o nosso reconhecimento. Todo o nosso respeito.

Mas suspeitamos que o Pentágono, os circuitos do complexo militar-industrial, os grandes fabricantes e traficantes de armas da elite norte-americana, o Departamento de Estado e os polvos da hierarquia financeira americana estão prontos a esmagar e engolir Cuba por outros meios. Não acreditam na paz, no diálogo com pluralismo. Só trocaram um bispo por um cavalo,

Mas não abandonaram a intenção de dar xeque-mate. A estratégia continua a ser contra-revolucionária e está destinada a controlar numa situação de crise capitalista mundial e escassez de recursos naturais — todo o «pátio traseiro» à escala continental minando as defesas inimigas. Batendo onde mais dói e atacando o lado mais fraco da revolução, a sua economia. 

Quem quiser acreditar no lobo está no seu direito. Quem pretender «fazer teoria», legitimando uma situação de facto com grandes malabarismos verbais e citações doutrinais sacadas da manga, que o faça. Por que não?

Os que amamos a vida e não queremos que o lobo nos devore, também temos o direito de usar a cabeça e de ter um pouco de memória. Adolfo Hitler deu-se ao luxo de fazer pactos de entendimento com a União Soviética. Foi para garantir a paz e respeitar a diversidade dos sistemas sociais? Não, a continuação teve 20 milhões de mortos do povo soviético. 

O povo cubano e o seu governo revolucionário estiveram meio século separados e treinados com a arma na mão e de olho na mira, quadra a quadra, casa a casa, contra uma possível e previsível invasão militar dos gringos. Não só os militares. Cada cozinheira, cada professora, cada médico, cada pedreiro, cada motorista sabia manejar a sua arma e sabia onde tinha de colocar-se para disparar contra o invasor militar imperialista se este pusesse a sua bota suja na ilha.

Estará o povo preparado para resistir à invasão de dólares e artigos de consumo? Terão feito exercícios de treino para resistir a uma invasão de turistas com dinheiro, disparos de remessas milionárias, ataques de surpresa nocturnos das inversões de capitais, prostíbulos, casinos e a importação de todo um estilo de vida — onde o dinheiro manda e o ser humano obedece — da american way of life? 

Oxalá que sim, de todo o coração o desejamos! Por eles e por elas, mas sobretudo por nós. Se Cuba for engolida e regurgitada pelo império, será um golpe duríssimo para o imaginário rebelde da Nossa América e do Terceiro Mundo e para as esperanças dos nossos povos.

Mas se Cuba não conseguir resistir a esse outro tipo de invasão (mais subtil mas não menos agressivo) muito cuidado para não os acusar de «traição». Se o fizerem é porque ficaram isolados, porque não triunfaram outras revoluções socialistas (anticapitalistas e anti-imperialistas) no continente. Nós também somos responsáveis pelos retrocessos eventuais que possa sofrer a transição para o socialismo na ilha. Se tivéssemos triunfado contra as nossas burguesias e o seu patrão imperialista, o cenário seria hoje bem diferente.

MP e SAM: Segundo reconheceram os presidentes de Cuba e dos Estados Unidos o Papa Francisco teve um papel fulcral nesta nova relação. Tem orgulho em que o novo Papa seja argentino?

NK: Não me sinto orgulhoso e tenho muita vergonha. Este Papa é muito reaccionário, ninguém se engane. Vem cumprir a obra que Wojtyla começou transformando os países do leste europeu e apoiando a contra-revolução na Nicarágua sandinista. 

Porque elegeram naquela altura um Papa polaco quando a Polónia no conjunto das nações europeia sempre esteve na segunda ou terceira linha, e nunca conseguiu sequer uma independência nacional? Porque através do catolicismo tradicionalista polaco se podia atacar duramente esses governos burocráticos, impopulares, debilitados pelos seus problemas sociais internos e pela corrida armamentista imposta por Reagan e Thatcher, os dois amigos de João Paulo II.

Através da retórica oficial do catolicismo Vaticano, hierárquico, tradicionalista e eurocêntrico, dava-se cobertura «decente» aos contra da Nicarágua, financiados pelo narcotráfico e pelas armas sujas dos Estados Unidos.

E porque trinta anos depois os poderosos elegem um Papa latino-americano quando todos conhecem o eurocentrismo galopante que o Vaticano sempre exerceu, para dentro e para fora? Porque precisavam de por nos eixos a Venezuela, quebrar Cuba, subordinar o movimento campesino no Brasil (de forte ligação religiosa) e neutralizar todo o movimento popular latino-americano, uma das reservas rebeldes à escala mundial potencialmente mais explosiva e «perigosa» para a geopolítica do pátio traseiro ianque.

O Papa Bergoglio-Francisco não veio libertar ninguém. Que ninguém acredite nos seus dribles à Garrincha (jogador de futebol) do Brasil que parecia ir para um lado e acabava indo para outro) nem as suas meditadas guinadas de olhar? É verdadeiramente um jogador de truco (jogo de naipes argentino onde ganha o que sabe mentir melhor). 

Com o seu tradicionalismo disfarçado de «renovador» Bergoglio-Francisco vem modernizar, aceitar e renovar a dominação, espiritual e material, dos nossos povos. Não só se calaram os rumores de maneira escandalosa e vergonhosa dos tempos sangrentos do general Videla (embora a posteriori tenham pretendido construir histórias «honoráveis» pouco credíveis para gente minimamente informada em terrenos dos direitos humanos na Argentina).

De resto nada tem que ver com a mensagem profética e rebelde das comunidades de base daquele jovem barbudo de origem judaica que andava a pé e com sandálias humildes enfrentando o poderoso império romano, questionando os grandes mercadores do templo e denunciando o fetiche do dinheiro e do mercado, enquanto falava e partilhava o pão com os seus companheiros e companheiras. 

Bergoglio-Francisco que eu saiba, não dissolveu o Banco Ambrosiano nem repartiu as fortunas incalculáveis da Igreja Católica entre ninguém. Com dois ou três gestos intranscendentes, minimalistas e microscópicos que não mudam uma estrutura hierárquica e sacerdotal de fundo (com milénios de história ao lado dos poderosos, desde as Cruzadas e a Inquisição, a caça às bruxas e Colombo, até Hitler, Videla e Pinochet), Bergoglio vem pôr na ordem não só Cuba mas todos os rebeldes latino-americanos e do Terceiro Mundo.

Devo confessar que o que mais me dói é ver alguns pensadores da teologia da libertação que respeitava e amava (continuo a respeitá-los, embora me doa vê-los assim), numa atitude submissa e obediente, desfazendo tudo o que se havia acumulado desde Frei Bartolomeu de las Casas até Camilo Torres. 

No fim, a mensagem profética ressurgirá, não tenho a menor dúvida. Até o poder mais absoluto (militar, económico ou simbólico) é passageiro e transitório na história. O poder do Vaticano, na aparência hoje inexpugnável, não é excepção. As igrejas empresariais e televisivas (que compram cinemas milionários e caríssimos canais de televisão com dinheiro de…?…) e a auto-ajuda também não são a alternativa. 

O respeito autêntico pelas pessoas humanas e a verdadeira espiritualidade está — tem que estar — para além do mercado, do dinheiro e do capital. Continuo a acreditar que a verdadeira espiritualidade virá com o socialismo como projecto integral, plural e revolucionário, onde crentes ou ateus lutaremos juntos, lado a lado, mão na mão, ombro a ombro, contra os grandes moinhos de vento do capital e das suas instituições.

MP e SAM: Neste novo contexto mundial quais são os desafios das lutas dos povos na transformação da América Latina?

NK: Continuar a resistir! Não se desmoralizar nem perder a bússola em meio da tormenta e da neblina. Teimar com tenacidade, com força, com convicção por que não? Com fé, como pedia José Carlos Mariátegui) na verdade histórica, nos projectos revolucionários culturais sociais, integrais e radicais, na revolução mundial socialista. A confusão e desmoralização são, se as avaliarmos em termos de longa duração, passageiras. 

O poder dos capitalistas, embora pareça hoje inexpugnável, tem data de vencimento a curto prazo, como a maionese. Vivem para o dia-a-dia, arruinando o planeta de forma acelerada. O nosso projecto, pelo contrário, é a longo prazo e permanente. Não devemos retroceder. Não devemos entregar-nos. 

Que as sereias continuem a cantar e a tentar seduzir, nós devemos caminhar em busca da terra prometida de Moisés e procurando encontrar um lar comum (sem mercado de exploração) que Ulisses perseguia, compartilhando pão como Jesus pregava. 

A longo prazo isso é o que perdura na história. Não se trata do lado em que há mais dinheiro» mas de que lado está o dever. Às crianças Deus os vomita? Os confusos, os cansados, os vacilantes, os que nadam contra a corrente do momento e se acomodam sempre onde brilha o sol ou se colam à onda da moda com a melhor cara de aniversário e ar feliz perdem-se no pó anónimo, cinza e difuso da história. Espártaco, Tupac Amaru e Rosa Luxemburgo, pelo contrário continuam ao nosso lado… unidos e em relevo, com dignidade e de pé. 

Quem se lembra hoje dos que vacilaram e se entregaram?

O movimento popular da Nossa América deve — devemos continuar a lutar a partir das nossas próprias histórias e tradições, cada um a seu modo, preparando-se para todas as formas de luta sem nos ligarmos a nenhuma. Aprendendo com todas as armadilhas e manobras sujas com que assassinaram Emiliano Zapata e Augusto César Sandino, Martin Luther King e Malcom X.

MP e SAM: Que papel desempenhou o marxismo nos últimos 30 anos na Argentina desde que os militares do general Videla e do almirante Massera se retiraram até hoje?

NK: O nosso marxismo foi primeiro esmagado, aniquilado, queimado nas pessoas, nos livros e produções culturais. O nosso marxismo não perdeu qualquer debate de ideias, fomos aniquilados e assassinados da forma mais perversa, que é algo completamente diverso. Fogueira, tortura, violação, aniquilamento e os desaparecidos, vieram as becas, as insígnias, os politiqueiros, os editoriais prestigiosos, a cooptação.

Mas hoje há uma nova geração que ronda os 20 anos e que está à procura. Reaparecem dispersos, mas reaparecem os ecos nunca apagados de todo, os sinais e símbolos da tradição insurgente e do marxismo rebelde. Está a nascer algo novo. O nosso papel modesto e microscópico é apoiar o novo que nasce, tratar de orientar, dar elementos para que essa nova geração faça o seu caminho, construa a sua experiência, não escute e desobedeça à voz do dono. E que sobretudo se inteire de que a luta não parte do zero.

Antes de nascermos e andarmos de fraldas ou a tirar o ranho do nariz já havia muita mas muita gente a lutar. Há que conhecer esses homens e mulheres. Há que estudá-los para pode aprender e recriar um novo imaginário rebelde, radical, insurgente e revolucionário, à escala nacional, continental e mundial. Sem memória e sem história, sem fortalecer a nossa identidade e a nossa cultura, estamos perdidos antes de começar.

MP e SAM: Como vê o marxismo latino-americano à escala continental?

NK: Muito melhor que há 20 anos! Há vinte anos, ninguém, nem os mais radicais se animavam a mencionar duas palavrinhas-chave «socialismo» e «imperialismo». Hoje são moeda corrente. Tudo está em discussão, mas o que está claro é que o imperialismo continua a existir, vigiando, controlando, violando a soberania de outros países, reforçando o domínio do capital onde quer que esteja, enquanto continua de maneira tradicional e enlouquecida destruindo o nosso planeta.

Também está fora de questão que o neoliberalismo não continue, que outro mundo seja possível e que esse mundo é e deva ser o socialismo. Qual socialismo? O que está aqui, pelo menos por agora, não resulta. Será socialismo em capítulos privados, mercado generalizado, consumo desenfreado e competição entre as empresas ou será pelo contrário uma planificação socialista e participativa dos recursos sociais, ecológica, antipatriarcal, anti-imperialista e anticapitalista? É evidente que a disputa está aberta e o marxismo de Marx e de Che Guevara tem muito que dizer a esse respeito… Ou é hoje impensável uma sociedade que não esteja regulada pelo mercado?

Causa dó e até um pouco de pena, para não dizer vergonha, ouvir ou ler apologias do mercado em mil tons, melodias e cores, realizadas em nome do socialismo. O modelo mercantil do «cálculo económico» contra o qual batalhou pacientemente Che Guevara nos anos 60 é hoje um jogo de crianças ao lado das argumentações que circulam citando as autoridades mais diversas, desde Nicolas Bukharin a Deng Xiaoping, desde Charles Bettelheim a Alec Nove, entre muitos outros e outras.

Um dos grandes desafios pendentes do marxismo do Século XXI consiste em desmontar a falsa homologação de mercado e democracia. Para poder concretizá-lo, como mínimo, há que ESTUDAR. As ordens já não chegam. E para decifrar os enigmas não resolvidos há que superar o divórcio entre um marxismo académico (erudito mas impotente e inoperante, que vibra e dança segundo a última música da academia parisiense ou nova-iorquina) e um saber militante abnegado e esforçado mas que não estuda, não lê, não está informado e suplanta a falta de formação da militância de base com palavras de grande efeito ou com a importância acrítica ou mágica do «modelo chinês», do modelo «jugoslavo» ou qualquer outro ensaio de gabinete.

MP e SAM: caducaram as formas de luta radicais no novo contexto regional e mundial?

NK: Estou muito mal e muito pouco informado. Quase não vejo TV nem ouço rádio nem leio os jornais, não vejo a Internet. Mas… segundo as poucas notícias que chegam ao meu bairro e os meus vizinhos me contam na loja, o Pentágono não se dissolveu. A CIA não aposentou ninguém. A NSA não enviou os seus milhares de agentes para veranear e beber uns copos. As forças armadas não desapareceram. A polícia multiplica-se. As prisões não se transformaram em salas de baile e de festas. As leis «antiterroristas» existem. Talvez tudo isto tenha acontecido e eu não o tenha visto na televisão, mas suspeito que não aconteceu. Então…? Porque deve o movimento popular resignar-se à mansidão?

Há dados históricos inegáveis. Não podemos fazer como o avestruz que esconde a cabeça e finge que não vê. Os nossos irmãos com maiúsculas de Cuba dissolveram o antigo Departamento de Libertação Nacional, já denominado Departamento América, onde actuavam Manuel Piñero Losada, popularmente conhecido como Barbaruiva, com muitos amigos. Bom, têm todo o direito do mundo. Continuamos a gostar deles, a admirá-los e a respeitá-los. Não julgamos. Não opinamos. Não abrimos a boca.

Mas o resto do movimento rebelde, popular, insurgente e radical da Nossa América porque tem que dissolver-se? Hoje há muito mais pobreza, exploração, desemprego e exclusão que nos anos 60. Porque deveríamos renunciar à perspectiva, ao projecto, à estratégia da revolução se os nossos inimigos continuarem firmes sem abandonar as suas posições?

Tenho a sensação de que hoje já não temos nem pais nem avós, nem Mecas nem Vaticanos ideológicos (utilizo agora estas expressões em sentido metafórico). Estamos «órfãos». Com toda a história às costas, que reivindicamos com orgulho e com humor, sem renegar absolutamente nada de nada, mas já sem «estados guias», nem Vaticanos ideológicos. Nem Moscovo, nem Pequim, nem Albânia, nem Havana, nem Paris. Perdão, não queremos ofender ninguém, dizemo-lo com todo o respeito do mundo. E quem quiser dar conselhos que o faça, tem todo o direito. Mas nós só ouvimos, não obedecemos.

Hoje há muitas novas potências emergentes (assim lhes chamam nos noticiários) que talvez possam dar apoio circunstancial aos inimigos dos seus inimigos, mas nenhuma destas potências tem um projecto anticapitalista nem anti-imperialista sério. No melhor dos casos tem disputas geoestratégicas e geopolíticas, mas de nenhum modo se propõem construir uma sociedade socialista ou comunista à escala planetária. Nem por sombras! Não nos enganemos.

Sim somos realistas, hoje o movimento popular só pode contar com as suas próprias forças. Devemos recriar o imaginário rebelde e revolucionário preparando-nos e mentalizando-nos para uma luta longa e difícil que não se resolverá dentro de seis meses. Aquele garoto do meu bairro de que lhes falei, Nicolo Maquiavel, garantia que lutar desta maneira é muito mais difícil. Custa muito mais construir uma força própria sem muletas alheias. Mas quando se consegue construir torna-se indestrutível, porque não se depende de ninguém.

MP e SAM: Quais são em tua opinião as tarefas das novas gerações de jovens militantes na Nossa América e no mundo?

NK: Precisamente essa é a principal tarefa para as novas gerações. Aprender do passado, apropriar-se de toda a história de luta, resistência, internacionalismo, heroísmo e abnegação, valorizar, conhecer, reconstruir, mas já sem Vaticanos. Necessitamos de construir uma força popular e revolucionária de alcance, no mínimo, continental, que seja própria. Sem aplicar já «modelos» passados, nem o ataque súbito ao palácio de Inverno, nem a longa marcha, nem o internacionalismo centrado unicamente em Paris e Bruxelas, nem o foco rural do Caribe nem o sindicalismo economicista, nem a esquerda exclusivamente parlamentar e institucional.

Pensar uma estratégia para os novos tempos, talvez até combinando e articulando todas estas formas, sem nos ligarmos mecânica e dogmaticamente a nenhuma delas de modo excluente como se fosse um catecismo. Os nossos inimigos manejam todas as formas de luta! Essa é uma tarefa da nova geração. Uma tarefa imensa, mas apaixonante.

E acabaria dizendo a um garoto ou uma garota de 20 anos: esta tarefa pendente, se quisermos, é não só necessária e urgente, também é uma experiência «divertida» e «atraente». Muito mais atractiva e apaixonante do que qualquer experiência medíocre e opaca que oferece o capitalismo para a nossa vida quotidiana.

O marxismo rebelde da Nossa América e as aventuras e desventuras da revolução socialista oferecem hoje mais que três doses de droga, que 5 igrejas evangélicas, que 17 livros de auto ajuda, que 35 jogos electrónicos, e que oito camiões de cerveja. Nós temos tarefas estratégicas que só podem ser realizadas pelos jovens do Século XXI. Temos toda a confiança do mundo que poderão assumir semelhante tarefa. Se o conseguirem, nós vamos segui-los e apoiá-los contentes e felizes.

Tradução: Manuela Antunes

(Com odiario.info)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Em 2016, riqueza de 1% da população mundial será igual à dos outros 99%, diz ONG

                                                                                                
                                                                             
Relatório divulgado hoje pela organização Oxfam International estima que 1% da população, cerca de 70 milhões de pessoas, controlará 50% da riqueza mundial no próximo ano, mesma porcentagem dividida entre as outras 7 bilhões

Daqui a um ano, o aumento da desigualdade fará com que 1% das pessoas mais ricas tenha maior riqueza do que os outros 7 bilhões de habitantes do planeta. É a previsão da organização não governamental Oxfam International em seu relatório “Wealth: Having it All and Wanting More” [“Riqueza: ter tudo e querer mais”, em tradução livre].

O estudo foi divulgado hoje (19/01) antes da próxima reunião anual do Fórum Econômico de Davos, que reúne a elite econômica mundial na cidade suíça.

A crise tem aumentado nos últimos anos a fenda da desigualdade, enriquecendo os mais ricos, com destaque para os setores farmacêutico, financeiro e de seguros, em uma concentração da riqueza sem precedentes na história humana.

Este 1% da elite mais rica do mundo é formado por 70 milhões de pessoas, cujo acúmulo de riquezas não deixa de crescer face ao empobrecimento da maioria. Concretamente, 50% da riqueza do planeta estarão em breve nas mãos deste grupo.

No relatório, afirma-se que 20% dos bilionários que aparecem na lista Forbes de 2014 têm interesses nos setores financeiro e de seguros. O valor das fortunas desta porcentagem da população aumentou 11% nos doze meses anteriores a março de 2014, quando se publicou a lista. No entanto, entre 2013 e 2014 a riqueza que experimentou um maior incremento foi a dos bilionários que, segundo a lista Forbes, desenvolvem atividades nos setores farmacêutico e de atendimento sanitário.

Ambos os setores (farmacêutico e de saúde) gastaram cerca de 500 milhões de dólares [mais de 1,3 bilhão de reais] em lobby, o que permitiu aos bilionários com interesses nestes âmbitos incrementarem sua fortuna em 47% no último ano.

A Oxfam considera necessário situar a luta contra a desigualdade como "objetivo internacional". Propõe também um "esforço fiscal justo e equitativo", aumentando a carga tributária do capital. O freio à evasão e à fraude fiscal das grandes empresas são outras propostas presentes no relatório, que não põe em causa o próprio sistema capitalista.

A defesa de serviços públicos gratuitos e universais, a fixação de salários mínimos e o apoio específico às mulheres, especialmente prejudicadas por este sistema desigual, são outras indicações da organização, assim como a defesa de programas de proteção social "adequados" para as pessoas mais pobres, incluindo sistemas de garantia de rendimentos mínimos.

Nada se diz no estudo, de resto, sobre a intrínseca tendência do capitalismo, a nível histórico, para a acumulação de capital como objetivo fundamental. O alargamento do mercado e a progressiva submissão dos valores de uso aos valores de troca, num quadro de relacionamento capital/trabalho baseado na relação de extorsão salarial, constitui a única via para garantir o incremento das mais-valias e taxas de lucro por parte da classe dominante. Uma lógica sistêmica de crescente expropriação de força de trabalho que conduz inevitavelmente para a desigualdade.

A experiência histórica e as projeções futuras indicam que não há reforma "humanizadora" possível do sistema e que a lógica capitalista mundial só pode ser retificada quebrando e ultrapassando o próprio capitalismo como sistema histórico.

Memorial da Resistência comemora seis anos de vida no sábado. O de são Paulo. O de Minas, é só projeto e tapeação...

                                        

No próximo sábado, 24 de janeiro, o Memorial da Resistência de São Paulo celebrará seu sexto aniversário com a Performance 436 (foto) e show poético-musical "As Músicas Inquietas", da Cia. do Tijolo

No dia 24 de janeiro, a partir das 10h, o Memorial da Resistência de São Paulo convida a todos(as) para celebrar seus 6 anos de pleno funcionamento.

Além das visitas acompanhadas por nossos educadores, serão apresentados o show poético-musical “As Músicas Inquietas”, da companhia teatral Cia. do Tijolo, e a exposição “436”, com as máscaras confeccionadas na performance “436”, do artista Alexandre D’Angeli. Todas as atividades são gratuitas e sem necessidade de inscrição prévia. Confira os locais e horários:

Performance 436
Exposição “436”
Local: Centro de Referência e Cela 2 da exposição de longa duração
Horário: a partir das 10h
Sobre a exposição: a performance “436” foi realizada pela primeira vez no Memorial da Resistência no período de 19 de outubro a 02 de novembro de 2014. Com base no conceito de Live Art, a performance consistiu na construção de 436 máscaras pelos visitantes do Memorial da Resistência com a orientação silenciosa do artista Alexandre D’Angeli. Cada uma delas representa um morto ou desaparecido político do Brasil.
Resultado de um minucioso trabalho de pesquisa, a máscara enquanto objeto presente na performance está destituída de sua função cênica. Seu uso figura como desejo pela presentificação, uma tentativa na busca pela ideia “desse” outro – o morto e o desaparecido.

Cia. do Tijolo
Show poético-musical “As Músicas Inquietas”
Local: Térreo, próximo à exposição temporária “119”
Horário: das 11h às 12h
Sobre o show: Através de poemas de Carlos Drummond de Andrade, Pablo Neruda, Bertold Brecht, Thiago de Mello, Mário Benedetti, Frei Betto e Patativa do Assaré e de músicas que se tornaram o símbolo da resistência contra a ditadura que se abateu sobre o Brasil de 1964 a 1985, o espetáculo traça as linhas como um bordado que deseja reescrever a história. Este trabalho da Cia. do Tijolo foi criado especialmente para a “Jornada Resistente”, realizada em 2014 no Memorial da Resistência para rememorar os 50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964.
Entre as 15 músicas selecionadas estão Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil), O Bêbado e a Equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc), Querelas do Brasil (Mauricio Tapajós e Aldir Blanc) e Suíte do Pescador (Dorival Caymmi).

Memorial da Resistência de São Paulo
24 de janeiro, sábado, a partir das 10h
Largo General Osório, 66 – Luz

Solidários com Cuba (*)


Luís Carapinha


Sem o exemplo de dignidade e resistência de Cuba, sem o seu apoio e solidariedade, não seriam realidade os avanços democráticos, progressistas e revolucionários ao longo de mais de uma década na América Latina – e a consequente alteração da correlação de forças que continua a desafiar a hegemonia dos EUA.


O primeiro dia do ano é também a data do triunfo da Revolução Cubana. Passaram 56 anos do momento histórico em que as forças revolucionárias cubanas entraram em Havana e Fidel Castro proclamou desde Santiago de Cuba o novo poder. 

Era a consumação de um trajecto repleto de provas de coragem e heroísmo que passara pelo assalto a Moncada, a expedição do Granma, a Sierra Maestra. 

Ao longo dos anos e décadas que se seguiram à vitória de 1º de Janeiro de 1959 muitas seriam as provações e desafios enfrentados pela jovem revolução que, depois de Playa Girón e a derrota da invasão mercenária orquestrada pelo imperialismo norte-americano, proclamou a sua orientação e carácter socialistas. 

O mais longo bloqueio económico da história, aplicado pelos EUA contra Cuba, permanece vigente. Mas Cuba contou nos momentos mais duros e decisivos com a solidariedade e apoio da URSS, dos comunistas e dos povos em luta de todo o mundo.

E a Ilha da Liberdade, a gesta dos revolucionários cubanos que deitaram mãos à tarefa de erguer uma nova Pátria e sociedade cedo se tornou exemplo e farol de solidariedade e altruísmo com a luta dos povos, contra velhas e novas formas de colonialismo, exploração e opressão. Na América Latina e nas Caraíbas, em África e no mundo!

Sem o exemplo de dignidade e resistência de Cuba, sem o seu apoio e solidariedade, não seriam realidade os avanços democráticos, progressistas e revolucionários ao longo de mais de uma década na América Latina – e a consequente alteração da correlação de forças que continua a desafiar a hegemonia dos EUA. 

Quatro anos antes de vencer as eleições venezuelanas de 1998, Hugo Chávez havia sido pessoalmente recebido por Fidel à chegada do aeroporto de Havana. Nas intervenções que então faz na sua primeira visita a Cuba, o jovem oficial acabado de sair da prisão após o desaire do golpe militar de 1992 traça as linhas essenciais do movimento libertador de resgate da independência e soberania venezuelanas que apontam à irrupção da revolução bolivariana, tal como se veio a concretizar escassos anos decorridos. 

Em 2004 Cuba e a Venezuela constituíram o núcleo fundador da ALBA e no ano seguinte o projecto da ALCA, promovido por Bush, é derrotado na cimeira argentina de Mar del Plata. Avançam velozmente os processo de constituição de novos espaços de integração latino-americana. 

Cuba mantém hoje relações diplomáticas com todos os estados independentes do sub-continente, goza de amplo prestígio e beneficia dos novos mecanismos que os processos soberanos de emancipação, cooperação e integração promovem. A vitória que constituiu a libertação final dos cinco patriotas cubanos assim também o testemunha.

Em África, especialmente neste tempo de renovada barbárie e exploração cabe evocar o exemplo destacado do internacionalismo de Cuba. Como Nelson Mandela reconheceu na viagem a Cuba poucos meses após a libertação de 27 anos de prisão, a derrota sul-africana na batalha do Cuíto-Cuanavale marcou uma viragem na libertação do continente do apartheid.

A liberdade do povo angolano, a independência da Namíbia e o movimento de libertação dos povos africanos em geral devem muito à solidariedade de Cuba.

Páginas indeléveis da História, cuja memória perdurará. Em circunstâncias históricas bem distintas, Cuba enfrenta não menos colossais desafios na luta pela actualização e fortalecimento da revolução. Com índices excepcionais de qualificação humana, as metas de eficiência económica e capacidade produtiva adquirem relevo central no presente momento da construção do socialismo cubano. Não são lineares os caminhos para erguer a nova sociedade. Com determinação, confiança e a participação decisiva das massas Cuba vencerá!

(*)Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2146, 15.01.2015

ABI sedia lançamento do Relatório da Violência contra Jornalistas 2014

                                     

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) lançará no dia 22 de janeiro, às 15h, o Relatório da Violência contra Jornalistas 2014. O lançamento será em uma coletiva de imprensa na Sala Belizário de Souza da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro. 

O relatório registra que, em números absolutos, houve uma diminuição dos casos de agressões em comparação a 2013. O número de assassinatos, no entanto, subiu para três mortos em razão do exercício profissional do jornalismo. Grande parte das ocorrências contra profissionais ocorreu em manifestações populares.

“O Rio de Janeiro foi escolhido para o lançamento do relatório por ter sido o estado com o caso mais emblemático, o assassinato do repórter cinematográfico Santiago Andrade”, explica o presidente da Fenaj, Celso Schröder. 

Santiago trabalhava na TV Bandeirantes do Rio de Janeiro e morreu após ser atingido por um artefato explosivo durante uma manifestação popular, no dia 10 de fevereiro de 2014.

Além deste caso, o relatório registra os assassinatos, também em fevereiro passado, dos jornalistas Pedro Palma, em Miguel Pereira, Estado do Rio, e Geolino Lopes Xavier, em Teixeira de Freitas, no interior da Bahia.

Em levantamento preliminar, divulgado em novembro passado, a Fenaj identificou 82 casos de violência contra profissionais da comunicação em 2014, a maioria durante protestos populares. No ano anterior foram 189 ocorrências. Os números finais de 2014 serão divulgados na coletiva de imprensa.

Para a Fenaj e a ABI, as agressões que vitimam os jornalistas são alarmantes e exigem medidas urgentes tanto por parte do Estado brasileiro, quanto das empresas de comunicação. Entre as reivindicações das entidades e dos Sindicatos de Jornalistas constam a definição de um protocolo de atuação das forças de segurança que assegure a integridade física dos profissionais de imprensa, a efetivação do Observatório da Violência contra Jornalistas, a aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de lei que federaliza as investigações de crimes contra jornalistas e a implementação, pelas empresas de comunicação, do Protocolo Nacional de Segurança, contemplando medidas como o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs), e treinamentos para os profissionais que forem submetidos a situações de risco.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Eu sou todos os Charlies

                                                                     


Soares Novais [*]


Eu sou Charlie; 

Eu sou todos os Charlies; 

Eu sou cada um dos 360 jornalistas e outros trabalhadores que a Controlinveste e o Belmiro despediram no Diário de Notícias, no Jornal de Notícias, na TSF, na Notícias Magazine, no 24 Horas e no Público; 

Eu sou a senhora Ana que, aos 84 anos, é um dos mil sem-abrigo que vivem nas ruas de Lisboa; 

Eu sou o tradutor checo, que passa os dias na biblioteca e a quem pela calada da noite roubam os livros na casa que habita numa das artérias da Capital [NR] ; 

Eu sou todas as operárias e operários que viram as suas vidas desfeitas por capitalistas sem coração e sem pátria; 

Eu sou a puta que, para alimentar os filhos, se vende na berma da estrada; 

Eu sou cada um dos milhares de desempregados que faz fila nos chamados Centros de Emprego; 

Eu sou cada um dos pensionistas e reformados a quem pagam 200 euros depois de uma vida inteira de trabalho; 

Eu sou cada um dos emigrantes, brancos e pretos, a quem obrigam a trabalhar de sol a sol por um salário de merda; 

Eu sou cada um dos milhares de jovens licenciados a quem um imbecil, travestido de governante, mandou emigrar; 

Eu sou cada um dos pescadores a quem a União Europeia proíbe de pescar sardinha, condenando-os à fome; 

Eu sou cada um dos pequenos e médios agricultores a quem a grande distribuição condena a dar aquilo que produzem; 

Eu sou cada um dos pequenos e médios produtores de leite a quem os hipermerceeiros esmagam; 

Eu sou cada uma das mulheres e homens vítimas de violência doméstica; 

Eu sou cada um daquelas velhas e velhos que abandonamos; 
  
Eu sou a criança que morre nos braços,  leves, ressequidos, famintos. da mãe; 

Eu sou cada um daqueles que nos últimos dias morreram por falta de assistência médica nos ... hospitais; 

Eu sou um dos milhares de trabalhadores a quem o Estado penhorou o salário por uma dívida de 1 euro; 

Eu sou cada uma das milhares de crianças refugiadas e que a essa condição foram condenadas pelos poderosos do mundo; 

Eu sou cada um dos palestinianos que atira pedras contra o muro que há na Faixa de Gaza; 

Eu sou cada um dos negros que a polícia norte-americana mata nas ruas; 

Eu sou cada um dos milhares de sem-terra que no Brasil lutam por uma vida digna; 

Eu sou cada um dos milhares de africanos mortos pelos vírus de ébola e a quem virámos as costas por isso ser doença de pretos; 

Eu sou cada um dos milhões de pessoas a quem violência de Estado, tão má e criminosa quanto a violência religiosa, quer enterrar  vivos. 

Eu sou Charlie. 

Eu sou todos os Charlies.

[NR] Referência a reportagem passada na TVI 24.   O dito tradutor é apoiado pela equipa de rua da Junta de Freguesia de Arroios.   Segundo ele, com "o fim do comunismo" deixou de ter emprego como professor e tradutor e arribou a Lisboa – onde não encontrou melhor sorte.   Passa os dias na Biblioteca Nacional e dorme na rua.   Ali, segundo disse, roubam-lhe os livros e a comida que lhe dão. 

[*] Jornalista e escritor, searadeletras@sapo.pt 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Da leitura de Bernstein e Kautsky à teoria e prática Marxistas de Lenin

                                                                 

Miguel Urbano Rodrigues

A obra teórica de Lénine tem para os comunistas uma importância que cresce à medida que os anos passam. A derrota transitória do socialismo não diminui o seu significado. Ela ajuda-nos aliás a enraizar no tacticismo dos revisionistas do início do seculo XX as opções ideológicas e o discurso político dos oportunistas do Partido da Esquerda Europeia que, mascarados de marxistas, são hoje instrumento inconsciente das classes dominantes e do imperialismo.

 Reli há dias textos de Eduard Bernstein e de Karl Kautsky. 

Foi um trabalho útil. O revisionismo de ambos ajuda a compreender lutas e desafios do presente. 

Bernstein iniciou a campanha. Vendo no marxismo apenas um método para estudar os problemas sociais criticou o materialismo histórico e sustentou que era possível chegar ao socialismo sem revolução através de conquistas irreversíveis da classe operaria resultantes de reformas do capitalismo. A sua famosa sentença "o movimento é tudo, a meta final nada" motivou a réplica de Rosa Luxemburgo, para a qual a meta final, o socialismo, era tudo. 

Na social-democracia alemã, as teses do chamado "socialismo evolutivo" de Bernstein semearam confusão, mas não contaram inicialmente com o apoio de Kautsky. O líder do Partido Social Democrata - SPD só mudou de posição nas vésperas da I Guerra Mundial. Partido mais votado nas eleições de 1912, o SPD deu uma brusca guinada à direita. Kautsky defendeu então o apoio à burguesia alemã ao começar a guerra imperialista. 

Foi alvo de uma crítica devastadora de Lenin. O revolucionário russo, que o tinha admirado na juventude, qualificou-o então de renegado. 

A polémica que na época dividiu o SPD teve por fulcro a questão do Estado. 

Para Kautsky o Estado era uma máquina que, estando nas mãos da classe dominante, deveria ser conquistada pelo proletariado. 

Para quê destruir o estado burguês – argumentava - se ele iria no decurso da luta cair mas mãos da classe operária? 

Partindo de Marx, a posição de Lenin era antagónica. 

No seu livro O Estado e a Revolução escrito em dois meses na Finlândia, após as Jornadas de Julho, o grande revolucionário fustigou o kautskismo. A tese do dirigente do SPD conduziria inevitavelmente à integração gradual das organizações operárias no sistema do mecanismo capitalista. 

Citando, fora do contexto, a hipótese formulada por Marx de que na Inglaterra, excecionalmente, os trabalhadores poderiam chegar ao poder pela via pacífica, Kautsky, acompanhando Bernstein, defendeu uma estratégia que considerava a revolução desnecessária para a tomada do poder. 

Como afirmou Bukharine, uma ala da social-democracia alemã de 2014 usava ainda uma "fraseologia marxista, símbolos marxistas, uma capa verbal marxista, mas já sem qualquer conteúdo marxista". 

Transcorrido um século, e desaparecida a União Soviética, a ofensiva revisionista repete-se com uma linguagem diferente. O Partido da Esquerda Europeia, que agrupa a grande maioria dos partidos comunistas do Continente, também invoca Marx mas, tal como a velha social-democracia alemã, cultiva uma ideologia inseparável de uma prática oportunista. 

A burguesia europeia acompanhou com simpatia o aparecimento do PEE. Viu nele um instrumento de neutralização da combatividade da classe operária. Na área internacional as posições que tem assumido são também muito negativas. 

Às críticas que atingem o PEE, vindas de organizações que o responsabilizam pela crise do Movimento Comunista Internacional, os seus dirigentes respondem que o mundo mudou profundamente desde a época em que Marx produziu a sua obra e que colocar a questão da via para o socialismo e a temática do Estado citando textos seus é negar a própria essência do marxismo. 

A argumentação desses revisionistas revela, essa sim, desconhecimento do marxismo. 

O marxismo não é apenas uma metodologia científica criada para a transformação do mundo; é simultaneamente o instrumento indispensável para a colimação desse objetivo revolucionário. 

Precisamente por ter compreendido que o marxismo não era estático, uma doutrina imóvel, mas sim dinâmica, Lenin soube extrair as lições implícitas nas profundas alterações que o capitalismo apresentava no início do século XX. 

A criação do Partido marxista de novo tipo, o Bolchevique, foi uma delas, aliás decisiva para a vitória da Revolução Russa de Outubro. 

Em vida de Marx o capitalismo tradicional não evoluíra ainda para capitalismo monopolista de estado, definido por Lenin como fase superior do Imperialismo. E somente a partir do final do século XIX o colonialismo assumiu importância decisiva no imperialismo. 

O leninismo, filho do marxismo, não teria sido possível se o seu criador, além de notável estratego, não fosse também um tático atento a todos os aspetos inovadores nas sociedades do começo do século XX. 

"Em grande parte – advertiu – os erros resultam de um facto: as palavras de ordem, as iniciativas que eram totalmente corretas num certo período da história e numa determinada situação, são mecanicamente transferidas noutro contexto histórico, noutra relação de forças". 

Concluía daí pela necessidade de se colocarem questões que "permitissem uma síntese da destruição do antigo e da construção do novo, uma síntese desses aspetos num todo novo". 

A obra teórica de Lénine tem para os comunistas uma importância que cresce à medida que os anos passam. A derrota transitória do socialismo não diminui o seu significado. Ela nos ajuda aliás a enraizar no tacticismo dos revisionistas do início do seculo XX as opções ideológicas e o discurso político dos oportunistas do Partido da Esquerda Europeia que, mascarados de marxistas, são hoje instrumento inconsciente das classes dominantes e do imperialismo.

O debate sobre a Questão do Estado não perdeu atualidade. Os defensores da via institucional para o socialismo sustentam que não será necessário destruir o estado burguês, mas transformá-lo através de reformas revolucionárias. Mas no Chile, quando dois partidos marxistas – o Socialista de Allende e o Comunista – chegaram ao governo, o desfecho da experiência foi um sangrento golpe militar.

Na Venezuela bolivariana, as forças progressistas no poder optaram também pela via institucional. Mas apesar de mudanças muito positivas, a Venezuela continua a ser um país capitalista e o futuro imediato apresenta-se ali carregado de incertezas. O mesmo acontece na Bolívia. 

Serpa, 2 de Janeiro de 2015

O original deste artigo foi publicado em espanhol pela revista web La Haine , a versão em português encontra-se em odiario.info 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Reflexão sobre a chacina de Paris

                                                                                                                 Latuff em Opera Mundi
Uma onda de emoção, solidariedade e repulsa corre pelo mundo levantada pela chacina de Paris.

É legítima. Doze pessoas foram assassinadas por um grupo terrorista na sede do semanário francês Charlie Hebdo. Entre elas o diretor, quatro cartoonistas e dois polícias.

O jornal, satírico, progressista, havia sido já alvo de atentados por ter publicado caricaturas do Profeta Maomé.

A dimensão, o motivo e a circunstância contribuem para a repercussão mundial do bárbaro crime.

O facto de os assaltantes terem gritado à saída «Alá é grande e o Profeta foi vingado!» funcionou como estímulo à islamofobia.

Na última semana, organizações de extrema-direita da Alemanha, dos EUA e da França promoveram manifestações racistas dirigidas contra as comunidades muçulmanas desses países. Tais iniciativas tendem agora a multiplicar-se.

O Presidente François Hollande, ao condenar o monstruoso atentado, afirmou que a França «está em choque». Chefes de estado e de governo de todo o mundo expressam solidariedade e horror.

É lamentável mas significativo que o discurso dos políticos e os comentários dos media sejam omissos quanto a uma questão fundamental. Responsabilizam o terrorismo, reafirmam a determinação de lhe dar combate onde quer que desenvolva a sua ação criminosa, mas abstêm-se de referências às causas do surto de barbárie terrorista.

Obama e os seus aliados europeus, sobretudo Hollande e Cameron, têm telhados de vidro. Não podem confessar que o terrorismo cresceu em escala mundial desde que o imperialismo norte-americano (com o apoio do estado fascista de Israel) iniciou agressões em serie a países muçulmanos.

A guerra do Golfo foi um prólogo. Mas foi após os atentados do 11 de Setembro de 2001, com a invasão e ocupação do Afeganistão, que essa estratégia assumiu, com Bush filho, caracter prioritário.

A segunda Guerra do Iraque, o reforço da presença no Afeganistão, a agressão à Líbia, o apoio na Síria a organizações terroristas configuram crimes contra a humanidade.

Invocando sempre como pretexto para guerras abjetas a democracia e a defesa dos direitos humanos, os EUA mataram centenas de milhares de muçulmanos, destruíram cidades, introduziram a tortura, semearam a miséria e a fome no Médio Oriente e na Ásia Central.

Nesta hora em que os franceses choram os mortos de Charlie Hebdo é necessário recordar que Sarkozy e Hollande foram cúmplices de muitos dos crimes do imperialismo norte-americano.

E indispensável lembrar que muitos dos assassinos do chamado Estado Islâmico foram treinados pela CIA e por militares dos EUA. Washington fomentou o terrorismo proclamando que o combatia.

OS EDITORES DE ODIARIO.INFO

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

“Operação gringo”: o PCB como inimigo nº 1 da ditadura militar no Brasil


                                                           

Milton Pinheiro (*)

Documentação recentemente descoberta vem acrescentar novos dados a um facto confirmado: no Brasil dos anos 60 e 70 do século passado os comunistas brasileiros foram alvo privilegiado da repressão, da tortura e do assassínio, e o seu Partido o principal inimigo que a ditadura tentou destruir.

Recentemente uma equipe do ministério público federal descobriu, na casa do tenente-coronel Paulo Malhães, documentos e relatórios de uma operação do Centro de Informações do Exército (CIE) para perseguir militantes políticos nas fronteiras do sul do Brasil. 

Esse material, da “Operação gringo”, data de 31 de dezembro de 1979 e traz algo que reitera uma antiga prática dos governos militares: a destruição do PCB como “inimigo” a ser mais uma vez combatido diante da perspectiva da transição política da ditadura para a democracia tutelada e, ao mesmo tempo, a justificativa para manter os aparelhos de repressão.

A historiografia já confirmou, com farta documentação, que o PCB mesmo não fazendo o enfrentamento armado à ditadura foi sempre considerado um inimigo a ser massacrado. Logo no começo do regime militar, em 1964, de abril a novembro, foram presos, torturados e assassinados oito militantes do partido. 

Em 1965 foram assassinados dois militantes comunistas e em 1969, mais um. Já em 1971, os órgãos de repressão do regime consumaram a morte de três comunistas. Em 1972, foram mortos pela repressão dois militantes e logo no começo de 1973, mais um.

Mas o pior ainda estava por vir. De 1974 a 1976, a ditadura, analisando a influência do PCB na frente política e nos movimentos sociais de resistência democrática, desenvolveu a chamada “Operação Radar” para destruir o PCB, matando membros do Comitê Central (CC) e quadros importantes da vida social e cultural do Brasil: foram assassinados 21 membros do partido. Em 1977, a ditadura faz a sua última vítima no PCB ao assassinar um professor, sob tortura, nas dependências do Exército no Rio de Janeiro.

A “Operação Radar”, articulada em 1973, só entrou em funcionamento de forma mais contundente em 1974. Essa operação, iniciada em São Paulo, mudava de nome nos outros estados. Hoje, uma farta documentação comprova que o regime ao pensar a “transição segura, lenta e gradual” precisava destruir, antes, o PCB.

Essas descobertas jogam luz sobre o processo político da chamada longa transição brasileira e vai impactar os estudos sobre como se ocupou o espaço político no Brasil, e de que forma. Sabíamos das diversas operações para destruir o PCB até 1976, no entanto, essas novas fontes estão a nos mostrar que, mais uma vez, pela capacidade de reconstrução dos comunistas brasileiros - na frente democrática e nos espaços operários e sociais - o PCB, novamente, foi atacado.

A repressão, com essa comprovada investida, atesta algumas questões: o partido precisava ser destruído por sua presença nas lutas sociais no Brasil, por sua longeva experiência política (1922) e por representar interesses sociais. Portanto, deveria ser infiltrado e dissecado novamente (no Brasil e no exterior). Mas não é só isso, ao atacar o inimigo número 1 os representantes da ditadura tinham uma nova justificativa para a sua existência, só que agora em outro patamar.

(*) Cientista político, professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e pesquisador da USP (Com odiario.info)