segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Palácio de Inverno é iluminado de vermelho em memória à Revolução de 1917

                                                                   

Aleksandr Galperin/RIA Novosti

Na noite de quarta (25) para quinta passada (26), o Museu Hermitage ganhou nova cor para relembrar o movimento ocorrido ali 100 anos antes.

Na noite da última quarta-feira (25), os moradores de São Petersburgo testemunharam um espetáculo incomum: o Hermitage, o museu mais importante da cidade, voltou foi iluminado de vermelho, como na época da Revolução de 1917.

Os organizadores da celebração também reiniciaram o relógio na sala de jantar Branca, que foi interrompido durante o movimento às 2h10 da manhã do fatídico dia – foi neste exato minuto, há 100 anos, que soldados e marinheiros bolcheviques tomaram o edifício e prenderam as figuras restantes do governo imperial.

Como parte dos eventos comemorativos, o Museu Hermitage inaugurou ainda uma exposição dedicada ao aniversário da Revolução de 1917 (em cartaz até 2 de fevereiro de 1918) e organizou uma extravaganza musical e lírica na Praça do Palácio.

(Com Russia Beyond)

domingo, 29 de outubro de 2017

sábado, 28 de outubro de 2017

Noam Chomsky faz o diagnóstico da era Trump (*)

                                                                             
 Noam Chomsky e David Barsamian   

«Há uma manobra de diversão em curso, talvez como resultado natural das tendências da figura na boca de cena e aqueles que trabalham nos bastidores. O que é preciso é que a atenção se desvie do que está a acontecer nos bastidores. Aí, longe dos holofotes, a ala mais radical do Partido Republicano vai cuidadosamente avançando políticas que têm como objectivo enriquecer o seu verdadeiro eleitorado.»

Esta entrevista foi extraída do livro Global Discontents: Conversations on the Rising Threats to Democracy, o novo livro de Noam Chomsky e David Barsamian que será publicado em Dezembro.

David Barsamian: Falou da diferença entre as palhaçadas de Trump, que têm uma permanente cobertura mediática, e as políticas que procura na realidade levar por diante, que recebem menos atenção. Acha que ele tem uma agenda coerente do ponto de vista económico ou de política interna ou externa? O que é que Trump conseguiu verdadeiramente alcançar nos seus primeiros meses como presidente?

Noam Chomsky: Há uma manobra de diversão em curso, talvez como resultado natural das tendências da figura na boca de cena e aqueles que trabalham nos bastidores.
Por um lado, as artimanhas de Trump garantem que a atenção se foca nele, pouco importa como. Quem é que hoje sequer se lembra da acusação de que milhões de imigrantes ilegais haviam votado em Clinton negando àquela figura patética uma vitória retumbante? Ou da acusação de que Obama teve a Trump Tower sob escuta? Estas alegações, por si só, nada importam. O que é preciso é que a atenção se desvie do que está a acontecer nos bastidores. Aí, longe dos holofotes, a ala mais radical do Partido Republicano vai cuidadosamente avançando políticas que têm como objectivo enriquecer o seu verdadeiro eleitorado: o eleitorado do poder privado e da riqueza, os “donos do mundo”, para usarmos a expressão de Adam Smith.

Estas políticas irão prejudicar a população global, irrelevante para eles, e devastar gerações futuras, mas isso pouco preocupa os Republicanos. Eles têm tentado impor legislação igualmente destrutiva desde há anos a esta parte. Paul Ryan, por exemplo, vem de há muito apregoando a sua ideia de praticamente eliminar o governo federal, excepto o serviço prestado ao eleitorado – apesar de, no passado, ter embrulhado as suas propostas em folhas de cálculo, de modo a parecerem sofisticadas aos comentadores. 

Agora, enquanto a atenção se foca nas últimas loucuras de Trump, o gangue de Ryan e o ramo executivo forçam legislação e dão ordens que ameaçam os direitos dos trabalhadores, lesam a protecção aos consumidores e prejudicam seriamente as comunidades rurais. Procuram destruir programas de saúde, revogando os impostos que os pagam de modo a enriquecer o seu eleitorado, e eliminar o Acto Dodd-Frank, que impôs alguns constrangimentos muito necessários no sistema financeiro predatório que cresceu durante o período neoliberal.

Isto é apenas uma amostra de como a destruição está a ser conduzida pelo Partido Republicano com o seu novo poder. De facto, este já não é um partido político no sentido tradicional. Os analistas políticos conservadores Thomas Mann e Norman Ornstein descreveram-no como uma “insurgência radical”, que abandonou a política parlamentar convencional.

Muito disto tem sido levado a cabo às escondidas, em reuniões privadas, tão longe do conhecimento do público quanto possível. Outras políticas republicanas são mais conhecidas, como a retirada do Acordo de Paris, que isolou os EUA como um estado à parte, que recusa participar nos esforços internacionais para confrontar a ameaça de desastre ambiental. Pior ainda, têm a intenção de maximizar o uso de combustíveis fósseis, incluindo os mais perigosos; desmantelar as regulações; e cortar radicalmente o investimento na pesquisa e desenvolvimento das fontes de energia alternativa, que dentro de pouco tempo serão necessários a uma sobrevivência digna.

As razões por detrás destas políticas são diversas. Algumas são simplesmente serviço ao eleitorado. Outras preocupam pouco os “donos do mundo”, mas são concebidas para agarrar segmentos do eleitorado que os Republicanos têm conseguido manter, já que as políticas republicanas se têm desviado tanto para a direita que as suas propostas não atraem eleitores. Por exemplo, acabar com o apoio ao planeamento familiar não é serviço ao eleitorado. 

De facto, esse grupo pode na sua maioria prover o planeamento familiar. Mas esses cortes apelam à sua base de apoio entre os Cristãos Evangélicos – eleitores que fecham os olhos ao facto de estarem na realidade a apoiar um maior número de gravidezes indesejadas e, portanto, aumentando a frequência do recurso ao aborto em condições prejudiciais e até mesmo letais.
Nem todos os estragos poderão ser imputados ao charlatão que nominalmente está ao comando das operações, à sua agenda extravagante ou às forças do congresso que desencadeou. Alguns dos mais perigosos desenvolvimentos que se têm verificado com Trump têm raízes em iniciativas de Obama – iniciativas aprovadas, certamente, sob pressão do Congresso Republicano.

A mais perigosa quase não foi reportada. Um estudo muito importante no Bulletin of Atomic Scientists, publicado em Março de 2017, revela que o programa de modernização das armas nucleares de Obama aumentou “o poder destruidor das forças de mísseis balísticos existentes nos EUA num factor de aproximadamente 3 – e cria exactamente o que esperaríamos ver, se um estado com armas nucleares planeasse ter o poder de travar e vencer uma guerra nuclear desarmando os inimigos com um primeiro ataque-surpresa.” 

Como apontam os analistas, este novo poder ameaça a estabilidade estratégica de que depende a sobrevivência da espécie humana. E o registo arrepiante de momentos próximos da catástrofe e de comportamentos irresponsáveis por parte de líderes em anos passados demonstra quão frágil é a nossa sobrevivência. Neste momento, este programa está a ser levado avante sob o comando de Trump. Estes desenvolvimentos, em conjunto com a ameaça de desastre ambiental, ensombram todo o resto; e pouco se discutem, enquanto a atenção se dirige às performances do artista na boca de cena.
Não é claro que Trump tenha noção do que ele e os seus acólitos estão a preparar. Talvez ele seja autêntico: um megalomaníaco ignorante cuja única ideologia é ele mesmo. Mas o que está a acontecer sob o comando da ala extrema da organização Republicana é muito claro.

DB: Vê alguma actividade encorajadora no lado dos Democratas? Ou é tempo de começar a pensar num terceiro partido?

NC: Há muito que considerar. A característica mais notável da eleição de 2016 foi a campanha de Bernie Sanders, que mudou o padrão estabelecido por mais de um século de história política dos EUA. Um corpo substancial de investigação em ciência política atesta de forma convincente que as eleições são sem dúvida compradas; o financiamento das campanhas é só por si um factor de previsibilidade eficaz no que toca à elegibilidade, quer para o Congresso, quer para a Presidência. Também permite prever as decisões das entidades oficiais eleitas. 

Do mesmo modo, uma maioria considerável do eleitorado (os mais baixos na escala de rendimentos) estão de facto marginalizados, na medida em que os seus representantes ignoram as suas preferências. Nesta perspectiva, é pouco surpreendente a vitória dum bilionário estrela de TV, com apoio substancial dos média: apoio directo do principal canal de cabo, a Fox, de Rupert Murdoch, e de programas de rádio muito influentes de direita; apoio indirecto mas generoso por perto do resto dos maiores meios de comunicação, seduzidos pelas artimanhas de Trump e as receitas de publicidade que entraram.

A campanha de Sanders, por outro lado, cortou radicalmente com o modelo dominante. Sanders era pouco conhecido. Quase não tinha apoios nos principais meios de financiamento, foi ignorado ou achincalhado pelos média e identificou-se com a assustadora palavra “socialista”. Ele é agora a mais popular figura política no país por uma larga margem.

No mínimo, o sucesso da campanha de Sanders mostra que se podem fazer muitas opções mesmo dentro do quadro redutor dos dois partidos, com todas as barreiras institucionais que impedem que nos libertemos dele. Durante a Administração Obama, o Partido Democrático desintegrou-se ao nível local e estatal. O Partido já tinha abandonado a classe trabalhadora anos antes, ainda mais com as políticas comerciais e fiscais de Clinton, que minaram a produção dos EUA e o emprego estável que esta proporcionava.

Não há falta de propostas políticas progressistas. O programa desenvolvido por Robert Polli no seu livro Greening the Global Economy constitui uma abordagem muito promissora. O trabalho de Gar Alperovitz sobre a construção de uma democracia autêntica baseada na autogestão dos trabalhadores é outra. A implementação prática destas abordagens e ideias relacionadas está a tomar forma de muitas maneiras diferentes. 

Organizações populares, algumas delas resultado da Campanha de Sanders, estão activamente envolvidas em aproveitarem as muitas oportunidades que se apresentam.
Ao mesmo tempo, o quadro estabelecido de dois partidos, apesar de respeitável, não está de modo algum gravado na rocha. Não é segredo que, em anos recentes, as instituições políticas tradicionais têm estado em declínio nas democracias industriais, sob o impacto do que é designado “populismo”. O termo é usado muito livremente para referir a onda de descontentamento, raiva e desprezo pelas instituições que tem acompanhado o assalto neoliberal da última geração, que conduziu à estagnação para a maioria e, ao mesmo tempo, uma concentração de riqueza nas mãos de uns poucos.

A democracia funcional vai-se desgastando como efeito natural da concentração do poder económico que se traduz rapidamente em poder político por meios que conhecemos, mas também por razões mais profundas e fundamentais. A pretensão da doutrina é que a transferência do poder de decisão do sector público para o “mercado” contribui para a liberdade individual, mas a realidade é diferente. A transferência ocorre das instituições públicas, nas quais os eleitores têm uma palavra, tanto quanto a democracia funcionar, para as tiranias privadas (as corporações que dominam a economia), nas quais os eleitores não têm qualquer palavra a dizer. Na Europa, há um método ainda mais directo de ameaçar a democracia: colocar decisões cruciais nas mãos duma troika não eleita (o FMI, o BCE, a Comissão Europeia), que ajuda os bancos da Europa do Norte e os credores, não o eleitorado.
                                                                         
Estas políticas têm como objectivo fazer com que a sociedade deixe de existir, a famosa descrição que Margaret Thatcher fez do mundo tal como o percepcionava – ou, mais exactamente, como esperava criá-lo: um mundo onde não existe sociedade, apenas indivíduos. Esta foi uma paráfrase involuntária de Marx e da sua amarga condenação da repressão em França, que deixou a sociedade como um “saco de batatas”, uma massa amorfa, que não funciona. No caso em questão, o tirano não é um líder autocrático (no Ocidente, pelo menos), mas concentrações de poder privado.

O colapso de instituições centristas de governo foi evidente em eleições: em França em meados deste ano, e nos EUA, alguns meses antes, onde os dois candidatos que mobilizaram as forças populares foram Sanders e Trump – embora Trump não tenha perdido tempo para demonstrar a fraudulência do seu “populismo” garantindo rapidamente que os elementos mais severos do velho establishment estariam firmemente acomodados no poder no “pântano” luxuriante.

Estes processos podem levar à quebra do rígido esquema norte-americano de ter uma regra de um partido com duas fracções a competir entre si, com blocos de eleitorado que vão variando com o tempo. Pode ser uma oportunidade para a emergência de um verdadeiro “partido do povo”, um partido cujo eleitorado sejam de facto as pessoas, cujos valores mereçam respeito.

DB: A primeira visita de Trump ao estrangeiro foi à Arábia Saudita. Que significado vê nisso e o que significa para a política no Médio Oriente num sentido lato? E o que pensa do estado de espírito de Trump em relação ao Irão?

NC: A Arábia Saudita é o género de lugar onde Trump se sente em casa: uma ditadura brutal, miseravelmente repressiva (notoriamente no caso dos direitos das mulheres, mas também em muitas outras áreas), o principal produtor de petróleo (agora a ser ultrapassado pelos EUA) e com muito dinheiro. A viagem resultou em promessas de vendas massivas de armamento, animando o seu círculo próximo, e vagamente insinuando outras ofertas sauditas. Uma das consequências foi que os amigos sauditas de Trump receberam luz verde para aumentar as suas horríveis atrocidades no Iémen e para disciplinar o Qatar, que se tem revelado demasiado independente dos senhores sauditas. O Irão também é um factor nesta questão. O Qatar partilha um campo de gás natural com o Irão e tem relações comerciais e culturais com ele, de que os sauditas e os seus associados, profundamente reaccionários, não gostam.

O Irão é de há muito visto pelos líderes dos EUA e pelos comentadores norte-americanos como extraordinariamente perigoso, talvez o país mais perigoso do planeta. Isto é muito anterior a Trump. De acordo com a doutrina do sistema, o Irão representa uma dupla ameaça: é o principal apoio do terrorismo e os seus programas nucleares representam uma ameaça de existência para Israel, se não mesmo para todo o mundo. É tão perigoso que Obama teve de instalar um avançado sistema de defesa aérea perto da fronteira com a Rússia para proteger a Europa das armas nucleares do Irão – que não existem e, em todo o caso, os líderes iranianos apenas usariam se estivessem possuídos por um desejo de serem imediatamente incinerados em resposta.

Esta é a doutrina do sistema. No mundo real, o apoio do Irão ao terrorismo traduz-se no apoio ao Hezbollah, cujo grande crime é ser a única força que impede outra invasão israelita do Líbano e, para o Hamas, que ganhou uma eleição livre na Faixa de Gaza – um crime que instantaneamente suscitou pesadas sanções e levou o governo dos EUA a preparar um golpe militar. Ambas as organizações, é verdade, podem ser acusadas de actos terroristas, embora estejam longe do terrorismo que advém do envolvimento da Arábia Saudita ma formação e acções das redes de jiadistas.

Em relação aos programas de armas nucleares do Irão, os serviços de informação dos EUA confirmam o que qualquer pessoa pode perceber por si mesma: se eles existem, fazem também parte da estratégia de dissuasão do Irão. Também há o facto, nunca mencionado, de que qualquer preocupação com as armas de destruição massiva iranianas (ADM) poderia ser resolvida simplesmente acatando o apelo do Irão para criar uma zona livre de ADM no Médio Oriente. Tal zona é fortemente apoiada pelos estados árabes e a maioria do resto do mundo, e é bloqueada em primeiro lugar pelos EUA, que pretendem proteger o poder de Israel no que diz respeito a ADM.

Uma vez que o sistema vigente não é inspeccionado, resta-nos a tarefa de encontrar as verdadeiras razões para a atitude dos EUA face ao Irão. Rapidamente surgem possíveis razões. Os EUA e Israel não toleram uma força independente numa região que consideram ser deles por direito. Um Irão com uma capacidade nuclear dissuasora, para estados desonestos que querem agitar o Médio Oriente a seu bel-prazer. Mas há mais. O Irão não pode ser perdoado pelo derrube do ditador instalado por Washington num golpe militar em 1953, golpe que destruiu o regime parlamentar do Irão, com a sua crença inconcebível de que o Irão poderá ter algum direito sobre os seus próprios recursos naturais. O mundo é demasiado complexo para qualquer descrição simples, mas parece-me ser este o essencial da história.
Também é bom lembrar que, nas últimas seis décadas, Washington esteve quase sempre a atormentar o Irão. Depois do golpe militar de 1953, veio o apoio norte-americano a um ditador descrito pela Amnistia Internacional como um dos maiores infractores dos direitos humanos essenciais. Logo a seguir ao seu derrube, veio a invasão do Irão por Saddam Hussein, apoiada pelos EUA, o que não foi coisa de pouca monta. Centenas de milhares de iranianos foram mortos, muitos por armas químicas. O apoio de Reagan ao seu amigo Saddam foi tão extremo que, quando o Iraque atacou um navio dos EUA, o USS Stark, matando 37 marinheiros norte-americanos, recebeu apenas uma ligeira repreensão como resposta. Reagan também procurou culpar o Irão pelos horríveis ataques com armas químicas aos curdos iraquianos.

Os EUA acabariam por intervir directamente na Guerra Irão-Iraque, levando à capitulação amarga do Irão. Depois disso, George H.W. Bush convidou engenheiros nucleares iranianos para irem aos EUA para terem treino avançado na produção de armas nucleares – uma extraordinária ameaça ao Irão, muito diferente das suas outras implicações. E claro, Washington tem sido a potência dominante por trás das duras sanções contra o Irão que continuam até ao presente.

Trump, por seu turno, juntou-se aos mais duros e repressivos ditadores que gritam imprecações ao Irão. Aconteceu que houve eleições no Irão durante a viagem extravagante de Trump ao Médio Oriente. Uma eleição que, com todos os seus defeitos, seria impensável no país dos seus anfitriões sauditas, que são a fonte do islamismo radical que inquina a região. Mas a animosidade dos EUA contra o Irão vai para além do próprio Trump. Inclui aqueles que são vistos como os “adultos” na Administração Trump, como James “Mad Dog” Mattis, o Secretário da Defesa. E recua muito no passado.

DB: Quais são os problemas estratégicos no que concerne a Coreia do Norte? Pode fazer-se alguma coisa para aliviar o conflito crescente?
                                                           
NC: A Coreia do Norte tem sido um problema doloroso desde o fim da II Guerra Mundial, quando a esperança dos coreanos pela unificação da península foi bloqueada pela intervenção das grandes potências, sendo os EUA os principais responsáveis.

A ditadura norte-coreana pode ganhar o prémio para a brutalidade e repressão, mas procura e, até certo ponto, consegue desenvolvimento económico, apesar do enorme fardo de um sistema militar imenso. Esse sistema inclui, claro, um arsenal em expansão de armas nucleares e mísseis, que colocam a região sob ameaça e, a longo prazo, a outros países – mas a sua função é ser um entrave, função que o regime norte-coreano não deverá abandonar enquanto se mantiver sob ameaça de destruição.

Hoje, é-nos dito que o grande desafio que o mundo encara é como obrigar a Coreia do Norte a congelar estes programas nucleares e de mísseis. Talvez devêssemos recorrer a mais sanções, guerra cibernética, intimidação; à instalação do sistema antimísseis Terminal High Altitude Area Defense (THAAD) [1], que a China considera como uma séria ameaça aos seus próprios interesses; talvez devêssemos mesmo recorrer ao ataque directo à Coreia do Norte, que, naturalmente, provocaria retaliação de artilharia em massa, devastando Seul, e grande parte da Coreia do Sul, mesmo sem o uso de armas nucleares.

Mas há outra opção, que parece ser ignorada: poderíamos simplesmente aceitar a oferta da Coreia do Norte para fazer o que estamos a exigir. A China e a Coreia do Norte já propuseram que a Coreia do Norte congelasse os seus programas nucleares e de mísseis. A proposta foi, no entanto, rejeitada de imediato por Washington, tal como fora dois anos antes, porque inclui um quid pro quo: apela aos EUA para que parem os seus ameaçadores exercícios militares nas fronteiras da Coreia do Norte, incluindo as simulações de ataques nucleares por B-52.

A proposta chinesa-norte coreana é razoável. Os norte-coreanos lembram-se bem de que o seu país foi literalmente terraplanado pelos bombardeamentos norte-americanos, e muitos poderão lembrar o modo como as forças dos EUA bombardearam grandes barragens quando não havia outros alvos. Houve relatos entusiásticos, em publicações militares norte-americanas, sobre o excitante espectáculo de uma enorme inundação a varrer os campos de arroz de que “os asiáticos” dependem para sobreviver. Vale muito a pena lê-los, são uma parte útil da memória histórica.

A oferta para congelar os programas nucleares e de mísseis da Coreia do Norte em troca pelo fim das acções altamente provocadoras na fronteira da Coreia do Norte poderiam ser a base para negociações mais ambiciosas, que poderiam reduzir radicalmente a ameaça nuclear e talvez mesmo pôr termo à crise da Coreia do Norte. 

Ao contrário de muitos comentários inflamados, há boas razões para pensar que tais negociações poderiam ter sucesso. E, no entanto, apesar de que os programas norte coreanos são constantemente descritos com sendo talvez a maior ameaça que enfrentamos, a proposta chinesa-norte coreana é inaceitável para Washington, e é rejeitada pelos comentadores dos EUA com impressionante unanimidade. Esta é outra entrada no vergonhoso e deprimente registo de opção consciente pela força quando opções pacíficas poderão estar disponíveis.

As eleições de 2017 na Coreia do Sul podem oferecer um raio de esperança. O recém-eleito presidente Moon Jae-in parece ter a intenção de reverter as duras políticas de confronto do seu antecessor. Ele apelou a opções diplomáticas e a que se se dêem passos para a reconciliação, o que será sem dúvida uma melhoria em relação à atitude belicista que poderá levar a um verdadeiro desastre.

DB: No passado, expressou preocupação acerca da União Europeia. O que acha que acontecerá à medida que a Europa se tornar menos ligada aos EUA e ao Reino Unido?

NC: A União Europeia tem problemas fundamentais, nomeadamente a moeda única sem união política. Também tem muitas características positivas. Há ideias razoáveis que têm como objectivo salvaguardar o que é bom e melhorar o que é prejudicial. A iniciativa DiEM25 de Yanis Varoufakis para uma Europa Democrática é uma abordagem promissora.

O Reino Unido tem sido um substituto dos EUA na política europeia. O Brexit poderá encorajar a Europa a tomar um papel mais independente nas questões globais, um curso que pode ser acelerado pelas políticas de Trump que cada vez mais nos isolam do mundo. Enquanto ele grita e agita um enorme bastão, a China poderá tomar a liderança nas políticas enérgicas globais enquanto expande a sua influência para o Ocidente e, em última instância, para a Europa, com base na Organização para a Cooperação de Xangai e a Nova Rota da Seda.

Que a Europa se possa tornar uma “terceira força” independente tem constituído matéria de preocupação para responsáveis nos EUA desde a Segunda Guerra Mundial. Tem havido discussões de qualquer coisa como uma concepção gaulista da Europa desde o Atlântico até aos Urais ou, em anos recentes, a visão de Gorbachev duma Europa comum, de Bruxelas a Vladivostok.

O que quer que aconteça, a Alemanha deverá reter um papel dominante nos assuntos europeus. É bastante surpreendente ouvir uma chanceler alemã conservadora, Angela Merkel, a dar lições ao seu homólogo norte-americano sobre direitos humanos e tomar a dianteira, pelo menos por algum tempo, para confrontar o problema dos refugiados, a profunda crise moral da Europa.

Por outro lado, a insistência alemã na austeridade e a paranóia sobre a inflação e a sua política de promover exportações limitando o consumo doméstico não têm qualquer responsabilidade pelos problemas da economia europeia, em particular a situação apertada das economias periféricas. Na melhor das hipóteses, contudo, e não está fora de questão, a Alemanha poderia influenciar a Europa para se tornar uma força positiva em questões globais.

DB: O que acha do conflito entre a Administração Trump e as comunidades de informação dos EUA. Acredita no “Estado Profundo”?

NC: Há uma burocracia da segurança nacional que persiste desde a Segunda Guerra Mundial. E os analistas da segurança nacional, dentro e fora do governo, têm-se mostrado estarrecidos com muitos dos ataques violentos de Trump. As suas preocupações são partilhadas pelos peritos, bastante credíveis, que adiantaram o relógio do Juízo Final para dois minutos e meio antes da meia-noite, mal Trump entrou em funções – mais perto do que alguma vez esteve do desastre terminal desde 1953, quando os EUA e a URSS fizeram explodir armas termonucleares. Mas não vejo muitos sinais, para além disso, de que haja uma conspiração do “Estado Profundo”.

DB: Para concluir, à medida que se aproxima o seu 89º aniversário, pergunto: tem uma teoria da longevidade?

NC: Sim, na realidade é simples: se estiver a andar de bicicleta e não quiser cair, tem que continuar a andar, e rápido.

[1] O Terminal High Altitude Area Defense (THAAD), anteriormente chamado de Theater High Altitude Area Defense, é um sistema de mísseis antibalísticos do Exército dos Estados Unidos projectado para abater mísseis balísticos de alcance curto, médio e intermédio [Nota da tradução].

- Noam Chomsky é Professor Emérito no MIT, publicou vários livros e artigos sobre assuntos internacionais, em particular sobre Israel e a Palestina. O seu último livro, Global Discontents: Conversations on the Rising Threats to Democracy, será publicado em Dezembro de 2017.
- David Barsamian é o Director da Alternative Radio em Boulder, no Colorado. (www.alternative radio.org).

(*)Nota do Editor: Este artigo foi originalmente publicado em TomDispatch.com

Tradução de André Rodrigues P. Silva

(Com odiario.info)

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Heranças da Revolução Russa


Capa da revista cubana "Bohemia", edição deste outubro


Jornalistas têm assembleia segunda-feira para analisar proposta patronal

                                    

O Sindicato convoca os jornalistas de jornais e revistas para assembleia na próxima segunda-feira, 30 de outubro, às 20h30, para deliberar sobre a proposta patronal de renovação da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT).

Quarta-feira, 26/10, houve mais uma reunião de negociação com o sindicato patronal, mediada pelo Ministério do Trabalho, da qual participaram os Sindicatos dos Jornalistas, dos Gráficos e dos Empregados na Administração.

Os donos de jornais e revistas da capital mantiveram a proposta apresentada na reunião anterior de reposição integral do INPC da data-base, que para jornalistas é de 4,57%, e pagamento do retroativo em três parcelas, nos salários de novembro, dezembro e janeiro.

Esta proposta representa um recuo dos patrões na tentativa de retirada de direitos, provocada pela mobilização dos trabalhadores.

A campanha salarial 2017/2018 em jornais e revistas começou com uma ofensiva inusitada dos patrões. Surfando na onda da reforma trabalhista do governo golpista, eles apresentaram um pauta de reivindicações que cortava conquistas históricas dos jornalistas, tais como a hora extra paga em dobro e o adicional noturno. Ofereciam reajuste salarial de apenas 2% e queriam reduzir a garantia de emprego, após a assinatura da CCT, de 90 para 30 dias.

A resistência dos jornalistas, que não aceitaram a afronta e decidiram lutar, fez os patrões recuarem e apresentarem uma proposta razoável.

Todos à assembleia!

Nenhum direito a menos!

Uma história de muitas lutas


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Ari Toledo interpreta "Comedor de Gilete"



Noites de Moscou,com o Exército Vermelho



Não se ouve nos campos nem mesmo sussurros,

Tudo aqui se congelou até o amanhecer,

Se soubesses, como me são importantes,

As noites de Moscou.

O riacho corre e não corre,

Cheio pelo prateado da lua,

A canção se ouve e não se ouve,

Nessas noites calmas.

Por que, querida, olha desconfiada,

Com a cabeça inclinada para baixo,

É difícil dizer e não dizer,

Tudo aquilo que tenho em meu coração.

Agora já percebe-se o amanhecer,

Então, por favor, seja bondosa,

Não se esqueça, dessas noites de verão,

Dessas noites de Moscou.



El Comandante: hasta siempre !

                                                                Cubadebate
El Che con Aleida March y sus hijos Camilo, Hilda , Celia y Aleida

Doutrinação ideológica nas esccolas


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O que não aprendemos com a Revolução Russa

                                                

"Parece-me, por vezes, que alguns celebram
 a Revolução Russa para melhor esquecê-la."

Mauro Luis Iasi

[Em alguns] processos, acontece com extraordinária frequência
ser ‘recordado’ algo que nunca poderia ter sido ‘esquecido’,
porque nunca foi, em ocasião alguma, notado [...]”
S. Freud, “Recordar, repetir e elaborar”, 1914)

O centenário da Revolução Russa foi marcado, aqui e no mundo, por inúmeras celebrações, debates, publicações e outras iniciativas, o que demonstra o incrível impacto que este acontecimento teve e ainda tem sobre todos nós. Tudo isso é muito importante e configura um dado extremamente positivo nesta conjuntura de defensiva da esquerda.

Nossa reflexão aqui vai em uma direção um pouco distinta da necessária celebração. Já na abertura de sua magistral obra O Estado e a revolução Lênin nos lembra que Marx, assim como outros revolucionários, foram perseguidos em vida, que suas obras foram alvo do ódio mais feroz, da difamação e da mentira. 

No entanto, “depois da morte deles, tentam transformá-los em ícones inofensivos, canonizá-los, por assim dizer”, tudo isso para consolo e enganação dos oprimidos, ao mesmo tempo “castrando o conteúdo da doutrina revolucionária, embotando seu gume revolucionário, vulgarizando-a.” (Lênin, O Estado e a revolução, p. 27).

Creio que algo semelhante ocorre quando falamos da Revolução Russa. Ao mesmo tempo em que se ressalta seus líderes e ícones, seus símbolos e sua grandiosidade, tenta-se cerca-la de uma rígida fronteira que a circunscreveria em sua época, incapaz de qualquer universalidade que não seja abstrata. Transforma-se este episódio épico em ícone, castrando sua substância revolucionária, aviltando-o.

Sabemos que este como qualquer outro acontecimento histórico é constituído de particularidades que o identificam e caracterizam. Mas estamos convencidos de que há ensinamentos universais que nem sempre são destacados como deveriam, exatamente porque são incômodos e provocativos no interior do caminho que a esquerda brasileira escolheu trilhar. O desafio está em determinar o que há de particular e o que há de universal nessa experiência histórica.

Acreditamos que podemos indicar, resumidamente, cinco aspectos que são próprios da experiência soviética e que dificilmente se apresentariam em novos contextos históricos, são eles: a) o tsarismo e a luta pelas nacionalidades; b) uma particular estrutura agrária e a forma da luta camponesa; c) um desenvolvimento urbano e industrial peculiar com o desenvolvimento do movimento operário e revolucionário (com uma particular forma de presença do marxismo); d) a crise da II Internacional e a natureza da disputa ali travada; e) uma conjuntura marcada pelas guerras de 1904 e depois 1914.

Cada um desses aspectos mereceria uma análise aprofundada que não cabe aqui. Digamos somente que contribuíram para a singularidade da Revolução Russa, ao mesmo tempo que são a base de sua universalidade. O império tsarista formou-se no século XV, estendendo-se desde a Europa Oriental até o mar do Japão, submetendo ao seu domínio uma série de nacionalidades e povos (57% da população do império não era russa). 

A base servil das relações e a formação de uma aristocracia, cuja forma tsarista é a expressão, faz com que a resistência se expresse na dupla determinação da luta pela terra e pela afirmação das nacionalidades. Esta contradição se apresenta numa intensa luta camponesa, em rebeliões que culminam nas revoltas de Pugachev em 1858 e no Movimento Terra e Liberdade de Tchernichevski de 1860 que levarão à abolição da servidão em 1861. 

O Estado tsarista centraliza e articula esta dominação com base em uma imponente máquina militar e burocrática, apoiando-se em uma sociedade patriarcal e em uma ideologia da superioridade predestinada do povo russo e da infalibilidade do tsar e seu poder divino. O tsarismo soube modernizar-se, principalmente nos reinados de Pedro (1682-1725) e Catarina (1762-1796), criando grandes cidades e, finalmente com Alexandre II (1855-1881), iniciando um processo de industrialização associado a presença do capital imperialista.

Tanto o desenvolvimento industrial como os limites das lutas camponesas que evoluem para o chamado populismo russo dos narodiniks até o terrorismo e o anarquismo, marcará a forma política da luta de classes na velha Rússia. Por um lado, a tradição da luta camponesa desembocará na formação do movimento Socialista Revolucionário, que se forma como partido em 1901, e de outro pela entrada do marxismo através de Plekhanov, Vera Zassulitch, Martov e outros, primeiro através de círculos de estudo e, em 1883, com a formação do POSDR.

Um forte partido operário, articulado internacionalmente através da II Internacional, enraizado na classe trabalhadora concentrada nas três principais cidades do império, faz com que a Rússia acompanhe o amadurecimento do movimento e da luta operária europeia, equalizando sua situação, o que em outras condições não seria possível.

Por fim, uma conjuntura de crise do capital e de guerras, primeiro a guerra com o Japão desfechada em 1904 e que provocou uma situação revolucionária em 1905 e, depois, a primeira Grande Guerra que eclodiu em 1914. Dada a particularidade da estrutura agrária, responsável por 45,3% da economia tsarista e 37% de todo cereal consumido da Europa), uma produção agrícola de baixa produtividade unitária que alcançava seu volume pela dimensão de seu conjunto, a guerra produz impactos significativos na queda da superfície plantada, e por conseguinte, no preço dos gêneros de primeira necessidade. 

A convocação massiva de camponeses não impacta somente na produtividade no campo, mas muda a composição das famílias fazendo com que as mulheres, submetidas à secular opressão, possam emergir no terreno fértil da luta de classes. A crise se expressa, também, no agudizar das contradições internas do bloco dominante, fazendo emergir contradições no seio da aristocracia e da recente burguesia que cobram mais espaço político no extremamente centralizado poder autocrático do Tsar.

                                                         
Não podemos esperar que nenhum destes aspectos particulares possam se apresentar além das circunstâncias específicas que os produziram historicamente, assim como a subjetividade política que deles deriva. Lideranças como Lênin, Trótski, Kollontai, Krúpskaia e outros foram tanto artífices destes tempos como seu produto. Em seu conjunto, esses fatores objetivos e subjetivos, pode levar à percepção de que a Revolução Russa é um acontecimento único e do qual não se pode retirar nenhum aspecto universal.

No entanto, para aqueles que compreendem os fundamentos da dialética materialista, não é novidade que uma universalidade é a síntese de múltiplas particularidades e que exatamente aquilo que confere a singularidade a um acontecimento pode ser também a base de sua universalidade. A particularidade da revolução Russa expressa a forma específica em esta formação social transitou para o modo de produção capitalista, amaneira particular que se expressou a formação de seu Estado, a forma típica que assumiu nestas condições a luta de classes, principalmente no momento em que se produzem situações revolucionárias. Dito de outra forma, uma maneira particular através da qual os russos viveram a singularidade de nossos tempos.

Marx e Engels também viveram tempos particulares e ao mesmo tempo em que tiveram que atuar e responder a questões muito bem determinadas da conjuntura política da luta de classes em que estavam envolvidos, teorizaram sobre os caminhos da revolução proletária. A Prússia do século XIX não é a Rússia do inicio do século XX, mas ao abstrair as condições particulares emerge uma singularidade que pode indicar momentos de uma universalidade em construção.

Em sua Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas (1850) Marx e Engels apontam alguns aspectos que devemos ressaltar: a) os trabalhadores encontram-se em uma situação histórica na qual ainda lutam contra os adversários de seus adversários, o momento da revolução burguesa; b) no curso desta luta os trabalhadores devem estabelecer alianças e, por isso, devem se preocupar em não marchar a reboque de seus aliados que devem triunfar em um primeiro momento, consolidando seu poder contra o proletariado; c) para isso os trabalhadores devem cuidar de sua independência e autonomia de classe, tanto mantendo sua organização independente (legal e secreta) como um programa próprio; d) No curso desta luta, no momento em que a burguesia tentar consolidar o poder em benefício próprio, os trabalhadores devem criar órgãos próprios de poder, criando uma dualidade de poderes que deve ser defendida a todo custo contra os ataques da burguesia; e) Trata-se de gerar, desde o início da Revolução Burguesa, as condições de desenvolvimento de uma Revolução Proletária, uma revolução em permanência, ou mais precisamente, uma Revolução Permanente.

Não é necessário muito esforço para notar que se abstrairmos o contexto particular das lutas na Alemanha de 1848/1850, estamos diante de uma universalidade vazia de determinações, ou seja, uma singularidade, que é praticamente o roteiro da revolução Russa. Não porque Marx tinha dons premonitórios, mas porque a análise da realidade particular de seu tempo se eleva a uma universalidade que serve de ponto de partida singular àqueles que pensaram os caminhos da revolução no inicio do século XX.

Ocorre que as experiências posteriores vão agregando novas particularidades, tornando cada vez mais rico a universalidade que daí deriva. Em 1850 Marx não tem como responder uma questão central: qual a forma do Estado nesta transição revolucionária. Será a Comuna de Paris de 1870 que agregará a forma finalmente encontrada.

A revolução Russa dá um passo essencial nesta construção histórica, sem dúvida por suas particularidades, mas estamos convictos que inscreve novos aspectos à universalidade da alternativa revolucionária. Acreditamos que a revolução Russa nos deixa algumas questões essenciais para pensar os nossos dias, são elas: a) a questão do Estado; b) a combinação da espontaneidade e da ação política dirigida conscientemente pela classe revolucionária; c) a questão da transição, tanto no que diz respeito a forma econômica quanto a forma política a ela correspondente.
                                                                             
Antes, entretanto, gostaríamos de destacar que a experiência russa é a última que atualiza e supera a primeira das características apontadas por Marx e Engels em 1850, qual seja, o momento democrático burguês da revolução proletária. Os marxistas posteriores, por uma série de motivos, transformaram este momento em uma “etapa”, em um longo processo em que o capitalismo deveria se desenvolver e consolidar antes que fosse possível uma revolução socialista.

Na verdade, esta é uma afirmação característica da II Internacional e do reformismo que levará à sua falência e que será transformada em dogma pela III Internacional stalinizada. A visão de Lênin e Trótski é, neste aspecto, heterodoxa ao ser ortodoxa. Ambos, por razões muitas vezes distintas, vêm a necessidade de se aproveitar o momento para superar, o mais rapidamente possível, o momento democrático burguês, aproveitando-se da instabilidade da queda do antigo regime para avançar a revolução proletária, de forma que parte do desenvolvimento necessário será realizado já sob o poder proletário. 

Ambos parecem relativizar a convicção de Marx segundo a qual nenhuma sociedade nova pode surgir antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que a velha sociedade pode conter (daí sua heterodoxia), para se aproximar de Marx e sua afirmação de que o movimento que leva do momento burguês ao momento proletário da revolução é uma revolução permanente (daí sua ortodoxia).

Este fato coloca no centro a questão que julgo ser a fundamental colocada pela experiência soviética: o Estado. Já em agosto de 1917, ao apresentar seu livro sobre o assunto, Lênin afirmava que “a questão do Estado assume, em nossos dias, particular importância, tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista político prático”. Mas no que consiste, em suma, esta questão?

Podemos resumir esta complexa questão à afirmação leniniana, sustentada numa compreensão precisa da teoria do Estado em Marx e Engels, segundo a qual o Estado Burguês não pode ser ocupado ou disputado, mas deve ser aniquilado pela ruptura revolucionária, substituindo-o por um Estado Proletário. Mencheviques e Socialistas Revolucionários de direita (existiam os de esquerda, como Martov que se opuseram a política de participação no Governo Provisório), estavam convencidos que era possível participar no Estado burguês graças a uma correlação de forças favorável que permitiria utilizar o Estado como instrumento de uma intencionalidade popular.

Esta questão teórica e política/prática foi respondida cabalmente pela Revolução Russa, mas não somente, também pela derrota da Revolução Alemã de 1918/19, por toda experiência socialdemocrata do pós segunda guerra, pelo governo da Unidade Popular no Chile (1970-1973) e inúmeras outras experiências do século XX.

No entanto, curiosamente, a esquerda construiu uma certeza no sentido exatamente oposto a este. Parece ter se consolidado a convicção que a ruptura e a passagem revolucionária para um Estado Proletário é um aspecto particular da Rússia e que a característica própria dos tempos que se abriam era de uma alteração na natureza do Estado que permitiria que se estabelecesse sua disputa e utilização no sentido da transição socialista ou de uma transição para o socialismo. É comum atribuir a Gramsci esta concepção de um “Estado ampliado” em contraposição a uma compreensão “restrita de Estado” presente em Marx e Lênin. 

Não cabe aqui aprofundar se esta atribuição é ou não pertinente (estamos convencidos que Gramsci debate sobre a forma da via revolucionária, mas não rompe com os fundamentos da Teoria de estado de Marx e, mesmo, de Lênin), mas o fato é que a Revolução Russa aconteceu e se consolidou, assim como a Chinesa em 1949 e a Cubana em 1959, ao mesmo tempo em que nenhuma das chamadas experiências de “democratização” do Estado burguês, desde o eurocomunismo e a social democracia até as recentes experiências democráticas populares levaram a nada remotamente perto do socialismo.

A atual tendência do irracionalismo hoje reinante funciona assim: escolhe um aspecto da realidade, o isola e proclama o fim da possibilidade do socialismo num êxtase hiperempirista, logo e seguida, quando a realidade parece desmentir sua convicção, passa a defender que a realidade não existe.

O mesmo ocorre com o segundo ensinamento da Revolução Russa. Lênin tinha certeza que as revoluções não acontecem simplesmente, elas precisam ser feitas. Isto é, a revolução proletária possui um aspecto de intencionalidade política muito mais marcante que sua antecessora histórica. Isto não significa que ela seja unicamente produto da intencionalidade da classe revolucionária ou de sua organização política. 
                                                               
O que a Revolução Russa comprovou, e o rico debate entre Lênin e Rosa apenas expressa no campo teórico, é que a revolução de nossos tempos é uma combinação entre aspectos espontâneos e intencionais, objetivos e subjetivos, da luta de classes. Não é o caso de repassar aqui os fatos sobejamente conhecidos, mas reafirmar que a revolução não teria sido possível sem episódios onde a espontaneidade da classe foi marcante – tais como a insurreição de 1905 ou a de fevereiro de 1917, a revolta nas bases militares, as greves – da mesma forma que nada disso teria encontrado sucesso sem a capacidade de organização, de ação política e iniciativa de direção no sentido de resistir – como ocorreu depois do fracasso das jornadas de junho e a reação do governo, como na resistência ao golpe de Kornílov e a ação que levou à derrubada o Governo Provisório como em outubro de 1917.

No lugar desta complexa dialética, a esquerda contemporânea parece ter se rendido a um culto ao espontâneo e a uma inversão estranha. Empenha-se em realizar as tarefas objetivas, fazer manifestações, produzir greves, criar insatisfação, enquanto espera que a história resolva os problemas que só a ação subjetiva da classe pode gerar, tais como as questões da estratégia e da tática, o programa, o plano operacional e a via, os problemas da organização e outros.

Sem dúvida, a maior contribuição da Revolução Russa deriva do fato que ela possibilitou levar a transição socialista a um ponto onde não se havia antes chegado. Para o bem e para o mal, isto é, o que os russos generosamente nos ensinam se fundamenta em grande parte nos seus erros. Aqui, mais uma vez retornamos a questão do Estado. 

Se para nós a questão da necessária destruição do Estado burguês e sua substituição por um Estado proletário se comprovou válida, pela experiência soviética e pelos fatos posteriores, a relação entre o Estado proletário e a transição socialista nos coloca uma série de questões sobre as quais precisamos refletir.

Marx parecia estar convencido que na primeira fase da sociedade comunista, o que nós resolvemos chamar de socialismo, ocorre uma transição econômica que tem por objetivo eliminar as bases daquilo que um dia dividiu a sociedade em classes e que ele sintetiza em cinco iniciativas: a) superar a escravizante subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho; b) superar o antagonismo entre trabalho intelectual e manual; c) transformar o trabalho de meio de vida em primeira necessidade da existência; d) superar o indivíduo burguês, desenvolvendo o ser social em todos os sentidos; e) desenvolver as forças produtivas para sejam capazes de produzir além das necessidades, em abundância. 

Somente isso permitiria que cada um trabalhasse de acordo com suas possibilidades e recebesse de acordo com suas necessidades superando “os estreitos horizontes do direito burguês”, conforme Marx famosamente afirmou na Critica do programa de Gotha. A estas mudanças econômicas corresponderia uma transição política na qual o Estado só poderia ser a Ditadura Revolucionária do Proletariado.

Coerente com sua concepção de revolução permanente, Marx pensava que não apenas a passagem do momento democrático burguês para o momento proletário, mas da primeira fase para o comunismo, portanto, para uma sociedade sem classes e sem Estado, deveria ser um movimento contínuo. Dada as características das tarefas enunciadas, este movimento não poderia ser efetivado pelo ato único da revolução, daí a concepção de uma transição e da necessidade do Estado. Tal necessidade resulta diretamente da experiência da Comuna à qual nos referimos, seja pela necessidade de resistir às classes dominantes derrotadas e destruir sua capacidade de reação o que faltou fazer na Comuna de Paris), seja pela consolidação de uma ordem que seja fosse de conduzir a transição até a superação do Estado.

Lênin atribui este movimento um caráter de “definhamento”, uma vez que a própria ação do Estado proletário na medida em que fosse implementando as medidas citadas, iria tornando cada vez mais desnecessário o Estado. Para isso, a Ditadura do Proletariado deveria ser um Estado dos operários, camponeses e demais trabalhadores e não um Estado dos funcionários, como alertava o próprio Lênin em seu O Estado e a revolução.
                                                           
Ora, a experiência soviética demonstrou que a suspeita dos anarquistas que um Estado desenvolveria interesses próprios em sua perpetuação, independente do caráter revolucionário da classe que representa, acabou por se mostrar mais problemático que nós marxistas julgávamos.

O fato é que o Estado não definhou, pelo contrário, fortaleceu-se e consolidou uma profunda deformação burocrática invertendo a previsão leniniana, isto é, tornou-se de fato um estado dos funcionários com enorme poder sobre os trabalhadores. Costuma-se utilizar este fato como comprovação daquela convicção citada sobre o denominado caráter ampliado do Estado contemporâneo, isto é, o caráter “oriental” da formação social russa, nos termos gramscianos, teria permitido a tomada do poder, mas condenado a transição a um ato dirigido pelo alto, imposto à sociedade sem mediações.

Nesta leitura os problemas da transição seriam melhor resolvidos pelo desenvolvimento de uma sociedade civil forte, resultado de um pleno desenvolvimento do capitalismo. O problema é que esta leitura faz com que muitos visitem o túmulo dos bolcheviques para criticá-los por sua impaciência enquanto levam flores e desculpas aos injustiçados mencheviques.

Acreditamos que os motivos e as determinações deste fenômeno são outros (trataremos deste assunto na próxima coluna), no entanto, não podemos concordar que a solução seria não ter ousado tomar o poder e construir uma experiência proletária e socialista, até porque a alternativa à tomada do poder pelos bolcheviques aliados aos SRs de esquerda e anarquistas não seria o lento amadurecimento de uma democrática sociedade ocidental, mas o golpe de Kornílov e possivelmente o desmembramento da Rússia em áreas de influência imperialista como ocorreu na China.

Assim, o risco é que muitos enaltecem e celebram a Revolução Russa para defender que hoje devemos fazer exatamente o oposto do que nossos camaradas realizaram: devemos ceder a tentação de tomar o poder e, no lugar da ruptura revolucionária propor a democratização do Estado burguês até que com o desenvolvimento das forças produtivas e da consciência de classe dos trabalhadores torne-se possível a passagem para o socialismo; devemos acreditar que as massas mudarão a sociedade quando estiverem prontas e dispostas a fazê-lo e as demais classes da sociedade (principalmente as camadas médias) estejam dispostas a aceitar isso sem surtar histericamente ou reagir de forma brutal; e, finalmente, devemos rejeitar a proposta de socializar os meios de produção exercitando formas mistas de propriedade e convivência de relações sociais de produção que vá introduzindo, aos poucos, formas socializadas em uma economia de mercado até que, em um místico dia futuro, cheguemos ao socialismo sem traumáticas rupturas.

Os herdeiros do reformismo se inquietam diante de uma realidade que atualiza o impasse do início do século: a guerra, o imperialismo, a crise, a prepotência de um Estado de classe se esforçando para manter um Modo de Produção moribundo. Lênin, na mesma apresentação do livro citado afirmou que dezenas de anos de relativa paz criaram os elementos do oportunismo que predominava nos partidos socialistas oficiais, mas que a crise teria varrido as certezas que embasam os desvios oportunistas e o líder bolchevique podia prever, com certo otimismo, ao final de sua apresentação que:

“A questão da atitude da revolução socialista do proletariado em relação ao Estado adquire, desse modo, não apenas importância política prática, mas também relevância da maior atualidade como questão do esclarecimento das massas sobre aquilo que terão de fazer num futuro próximo para sua libertação do jugo do capital.” (Vladímir Lênin, O Estado e a revolução, p.24)

As últimas décadas de “relativa paz” criaram as condições para a ressurreição do oportunismo. A crise atual recria as condições para a crise deste oportunismo e a retomada de uma política revolucionária.

Parece-me, por vezes, que alguns celebram a Revolução Russa para melhor esquecê-la.


(Com a Boitempo/Diário Liberdade

Cânticos do Exército Vermelho


O sagrado direito de ter moradia


terça-feira, 24 de outubro de 2017

Majela Medeiros chama todo mundo para o Sábado Vermelho

                                                                               

Estimados/as camaradas e amigos,

Neste Sábado Vermelho, teremos duas importantes atividades em comemoração ao Centenário da Revolução Russa em Belo Horizonte. 

Primeiramente, teremos um rico debate sobre os 100 anos da Revolução Russa, com dois camaradas do Partido que estiveram presentes em atividades do Movimento Comunista Internacional , nessa ultima semana na Rússia.
                                                                 
Depois teremos um Sarau em comemoração e homenagem à Revolução Russa organizado pelo Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e União da Juventude Comunista.

Venda da agenda 2018, alusiva aos 200 anos de Karl Marx e  edição comemorativa dos 100 anos da Revolução Socialista na Rússia!

Debatedores:
                                                                 
Eduardo Serra - Pró-reitor da UFRJ. Membro do Comitê Central do PCB. Participou do último Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários no Vietna.
                                                                       
Túlio Lopes - Professor da UFVJM. Membro do Comitê Central do PCB e Secretário Político do Partido em Minas Gerais. Esteve recentemente presente no XIX Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes - Sochi - Rússia


FESTA DE O PODER POPULAR

                                                                    

                COMEMORANDO OS 100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA

A Fundação Dinarco Reis e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) convidam para a FESTA DO JORNAL O PODER POPULAR, que vai acontecer neste sábado, dia 28/10, a partir das 16:00, na Praça da Harmonia, Gamboa, Rio de Janeiro.

Será o evento de encerramento da semana de atividades comemorando o 100º aniversário da Revolução de Outubro de 1917, durante a qual foi realizado o Seminário Internacional Revolução Russa: Balanços e Perspectivas do Socialismo para o século XXI, no Sindicato dos Petroleiros do Rio.

Sábado vai ter:

Roda de samba com os Desafetos do Colírio (grupo de samba de Nova Friburgo),
Nina Rosa, Miguelzinho Beserra e a participação especial do cantor Noca da Portela.

Apresentações da bateria do bloco Comuna que Pariu e a banda do Cordão do Prata Preta!

Imperdível, venha fazer parte desta história!

Traga sua família, amigxs e companheirxs para essa grande confraternização popular!

No Sindipetro-RJ: Anita Prestes falará sobre " Revolução Russa e Impactos na América Latina e Brasil"


Seminário Internacional sobre a Revolução Russa


quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Anita Prestes fala na ASA sobre Outubro de 1917


Cinquenta anos do assassinato de Ernesto Che Guevara


Ato internacionalista do do KKE: 100 anos da Revolução Socialista de Outubro

                                                                             
Em 15 de outubro de 2017, na sala de congressos na sede do KKE, ocorreu um ato internacionalista do Comitê Central do KKE pelo centenario da Grande Revolução Socialista de Outubro.

O ato começou com um vídeo de um discurso gravado de V.I.Lenin sobre a fundação da Internacional Comunista. No ato, o camarada Dimitris Koutsoumpas, Secretário Geral do CC do KKE, foi o principal orador enquanto se pronunciaram saudações pelos representantes dos partidos que participam da preparação do 8° número da “Revista Comunista Internacional. Espaço de diálogo”.

Em concreto, saudaram os camaradas:

Ilya Ferberov, membro do Conselho Político e da Secretaria do Comitê Central do Partido Comunista Operário Russo
Inna Belokurova, membro da Direção do Partido Socialista de Letônia
Ainur Curmanov, membro da Direção do Partido do Movimento Socialista do Cazaquistão
Astor García, Secretário Geral do CC do PCPE
Marina Pilajeva, membro do CC e Responsável pelas Relações Internacionais do Partido Comunista da Hungria
Laura Bergamini, membro do CC do Partido Comunista, Itália
Kemal Okuyan, Secretário Geral do Partido Comunista da Turquia
Anna Rucnov, membro do Secretariado do CC do Novo Partido Comunista da Iugoslávia
Bulelwa Tunysiwa, membro do CC do Partido Comunista da África do Sul
Pável Cabrera, Primeiro Secretário do CC do Partido Comunista do México.
O camarada Ultan Gillén, membro do Comitê Central Executivo do Partido de Operários da Irlanda, deixou uma mensagem de saudação escrita porque teve que partir e não pode assistir ao ato.

No ato, foram interpretadas canções pela luta dos povos em russo, francês, espanhol, alemão italiano, turco e grego.