terça-feira, 7 de março de 2017

Transformar o grito rebelde do carnaval em luta organizada contra o governo corrupto

                                                                 

Edmilson Costa (*)

O carnaval é a festa mais popular do Brasil. Desde as pequenas cidades do interior às maiores aglomerações metropolitanas, as pessoas saem às ruas aos milhões para festejar os quatro dias de folia, com muita criatividade e alegria.

Como disse certa vez um ensaísta, o carnaval brasileiro é, na forma, uma revolução pelo avesso, uma irreverência ambulante: os pobres se fantasiam de reis, princesas, piratas; os homens se vestem de mulher, as mulheres de homens. 

Todos exercem a criatividade para se afastar da dureza do cotidiano Os costumes são revirados pelo avesso e a liberdade sexual aflora com mais evidência, cada um se fantasia como quer, tudo isso embalados por marchinhas românticas, irônicas, com críticas aos governantes, aos poderosos de plantão, os costumes e à ordem estabelecida.

Esse carnaval popular difere muito do carnaval oficial, cujos governantes tentam sequestrar a festa para seus objetivos mercantilistas, praticamente privatizando o evento, com empresas patrocinando escolas de samba, camarotes vendidos a preços de ouro para socialites nos sambódromos, samba-enredo sem muita criatividade, grande parte encomendados por patrocinadores. 

Esse tipo de carnaval, divulgado maciçamente pelas emissoras de rádio e televisão, se afasta cada vez mais da essência irreverente da folia popular e se transforma numa festa apenas para turistas. Nos últimos anos, porém, um grande movimento espontâneo da população recuperou o carnaval de rua, com milhares e milhares de blocos carnavalescos envolvendo milhões de foliões, o que praticamente tornou secundário o carnaval oficial.

Foi nesse carnaval popular do Brasil de 2017 que as ruas de todo o País ecoaram o grito rebelde do Fora Temer, tornando-o a marca principal dos quatro dias de festa. Mais de cinco milhões de pessoas (talvez muito mais) resolveram transformar o carnaval numa festa política contra o governo usurpador. 

Tudo ocorreu de maneira espontânea: Não teve organização, nem direção, apenas veio a tona o sentimento que estava engasgado na garganta, numa apropriação coletiva, demonstrando a indignação e o descontentamento da população contra o governo ilegítimo e inimigo dos trabalhadores e da juventude. 

Não é a primeira vez que isso acontece com esse governo: nas Olimpíadas, mesmo sem o locutor anunciar seu nome (para evitar vaias), quando o presidente golpista começou a declarar formalmente aberto os jogos olímpicos, a massa identificou sua voz e o vaiou rotundamente por vários minutos.

Fora Temer em todo o País

De Norte ao Sul do País, os blocos de rua, com faixas e cartazes contra o governo, puxaram o Fora Temer, que era acompanhado pela multidão, ressaltando-se que essas manifestações ocorreram em praticamente todas as grandes concentrações urbanas, especialmente em Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e outras cidades menores. Além da palavra de ordem Fora Temer, os blocos também compuseram marchinhas criticando o governo, os conservadores e as contrarreformas anunciadas recentemente.

Outro fenômeno importante, que já vem se verificando há alguns anos e que em 2017 se consolidou, foi a participação da esquerda organizada nos blocos de carnaval. Em vários Estados trocaram as assembleias pelas coloridas manifestações dos blocos carnavalescos, especialmente nas grandes metrópoles como Rio e São Paulo. 

No Rio de Janeiro, o Prata Preta levou para as ruas os Cem Anos da revolução Russa, o Comuna Que Pariu, organizado pelo PCB e outras organizações de esquerda, trouxe o enredo contra a discriminação de gênero e ainda teve o Bloco Fora Temer, que lotou a Cinelândia no Rio de Janeiro.; em São Paulo o Bloco Soviético encheu as ruas da cidades, marcando assim uma nova fase do carnaval, onde política e alegria se encontraram para lutar por justiça e liberdade.

Uma parte importante dessas manifestações foi a participação de artistas, tanto famosos quanto anônimos. Caetano Veloso, na Bahia, puxou a palavra de ordem e foi acompanhado pela multidão. O mesmo aconteceu com a banda Bayana Sistem que também puxou o Fora Temer no carnaval de Salvador e está agora ameaçada pelo governo local de não participar dos desfiles do ano que vem. 

Todavia, o mais saboroso dessas manifestações foram as marchinhas: O Bloco da Égua, do Pará, criticou os coxinhas: “Otário, coxinha, caiu no conto da carochinha. Coxinha, otário, caiu no conto do vigário”. Ou a marchinha que faz glosa com outra bastante popular no Brasil: “Ei, você aí, o Temer vai cair, o Temer vai cair. É golpista, é ladrão, jamais ganharia uma eleição”. Ou a escatológica de um Bloco cearense: “Fora, fora Temer, ninguém te aguenta mais. Pede para KH e sai”. Ou ainda a marchinha de duplo sentido um bloco de Belo Horizonte: “Eu tinha tudo a Temer, hoje não vou temer mais. Já estanquei a sangria, a crise ficou prá trás”

A mídia corporativa tentou esconder de todas as formas as manifestações populares contra o governo, afinal uma das táticas de Temer para melhorar sua imagem é aumentar escandalosamente as verbas para os meios de comunicação. No entanto, a pujança das manifestações foi tão grande que, mesmo aos poucos, a mídia foi obrigada a se render aos fatos e anunciar meio timidamente as manifestações do Fora Temer. 

A Rede Globo, principal monopólio das comunicações do País, a partir da segunda feira de carnaval, foi obrigada a registrar as manifestações, o que foi seguido pelas outras emissoras. Mesmo assim, não deixa de ser uma grande manipulação, pois se tivesse noticiado as manifestações desde o início o volume do Fora Temer seria ainda maior, tendo em vista a influência que esse monopólio ainda tem no Brasil.

Decifrar a mensagem do carnaval

Como todos sabem, o ano só começa de fato no Brasil depois do carnaval. Primeiro tem as férias escolares de janeiro, depois todos ficam na espera do carnaval. Portanto, é partir de agora que começa a se dar efetivamente a disputa da luta de classe neste ano de 2017. 

Mas desde já a mensagem do carnaval tem para a esquerda o mesmo significado da mitologia da esfinge de Tebas para os gregos: decifra-me ou te devoro. Ao contrário do que imaginavam os pessimistas ou aqueles que têm a pressa pequeno-burguesa como norteadora de suas ações e ficavam aos quatro cantos se lamentando porque o povo não reagia aos ataques contra seus direitos, os gritos do Fora Temer aos milhões pelo Brasil afora demonstraram e enorme indignação contra o governo que existe entre os trabalhadores, a juventude e a população em geral.

Demonstraram também que até agora esse enorme descontentamento ainda está em busca de uma referência organizativa para se expressar de maneira efetiva. As manifestações espontâneas refletem o estado de ânimo das massas, emitem sinais sobre as possibilidades de organização desses milhões de manifestantes em torno de referências comuns, palavras de ordem-síntese, que possa colocá-los em movimento em busca de objetivos determinados e que falem direto às suas necessidades básicas. 

Caso não encontre essas referências, poderemos verificar o mesmo fenômeno que presenciamos nas jornadas de 2013, quando a massa foi às ruas aos milhões protestar por melhores condições de vida, sem referência organizativa alguma e, em vários momentos, se transformou em massa de manobra dos monopólios de comunicações ou de grupos fascistas.

Portanto, o grito que vinha se gestando no interior da sociedade e que explodiu no carnaval não pode ser menosprezado nem ignorado pela esquerda. Esse ensaio geral fantasiado de carnaval precisa de uma referência organizativa, um programa mínimo que reflita os anseios mais profundos dos trabalhadores e da juventude, para que esse tsunami festivo se transforme em levante social. A mensagem do carnaval deve ser interpretada como uma necessidade urgente de unidade da esquerda socialista, como coluna vertebral de uma unidade maior de todos aqueles que estão contra essa quadrilha corrupta que tomou o poder em Brasília.

Agora está claro que existe uma base objetiva para um trabalho de base urgente. Os trabalhadores serão os mais prejudicados pelas reformas da previdência e trabalhista, podendo ter sua jornada de trabalho desorganizada e aumentada, com o agravante de só poderem ser aposentar quando estiverem próximo à morte. 

A juventude está sendo prejudicada pela reforma do ensino médio e pelo corte de verbas para o ensino universitário público. E o ajuste fiscal complementa o saco de maldades que envolve corte de gastos públicos na saúde, educação e segurança, além do brutal desemprego e crise financeira dos Estados. Portanto, tema é o que não falta para se agitar a massa e buscar a derrubada do governo.

As manifestações do carnaval demonstraram que há um descontentamento real da grande maioria da população contra a corrupção e os ataques contra os trabalhadores e a juventude e que esta é a base para transformar esse descontentamento espontâneo em grandes manifestações organizadas pela derrubada desse governo, revogação de todas as contrarreformas, colocar todos os corruptos na cadeia e abrir caminhos para as transformações sociais em nosso País. Mãos à obra, camaradas!

(*) Edmilson Costa é secretário-geral do PCB

(Com o Diário Liberdade)

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