quarta-feira, 1 de novembro de 2017

“Quem Controla a Mídia no Brasil” ?

                                                                                                                MOM
A Repórteres Sem Fronteiras e a Intervozes lançaram na tarde de terça-feira (31), em São Paulo, o Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil (MOM). A pesquisa, que durou quatro meses e contou com a participação de apenas oito profissionais oferece uma imagem detalhada de quem são os proprietários da mídia no Brasil e de sua atuação em outros setores da economia. O país é o 11.º a receber o levantamento e os dados completos da pesquisa podem ser acessados pelo site do MOM. 


Foram investigados 50 veículos de comunicação de todo o país divididos em quatro grandes grupos: TV, rádio, impresso e online. E evidenciou-se que 26 deles pertencem ou são controlados por grupos econômicos. Nove são do Grupo Globo, cinco do grupo Bandeirantes, outros cinco de Edir Macedo (considerando a Rede Record e os meios de comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus), quatro da RBS, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul e três do grupo Folha. Os grupos Estado, Abril e Editoral Sempre Editora/SADA controlam, cada um, dois dos veículos de maior audiência. Os demais possuem apenas uma das mídias pesquisadas. 

A pesquisa identificou que 73% destes grupos têm sede na região metropolitana de São Paulo. No total, 80% estão localizados nas regiões Sul e Sudeste do país, de onde dominam a audiência nacional. No segmento de TV, mais de 70% da audiência nacional está concentrada em quatro grandes redes (Globo, SBT, Record e Band) e, somente a Rede Globo, detém mais da metade da audiência entre os “top quatro”, 36,9%. O SBT segue com 14,9% e a Record registra 14,7% do total.  

Metodologia 

O MOM-Brasil mapeou 50 veículos ou redes de comunicação em quatro segmentos: 11 redes de TV (aberta e por assinatura), 12 redes de rádio, 17 veículos de mídia impressa (jornais de circulação diária e revistas de circulação semanal) e 10 veículos online (portais de notícias). De acordo com os organizadores, a pesquisa brasileira é a de maior extensão já realizada pela RSF. Nos demais países, o número de veículos investigados chegou a, no máximo, 40. 

Os veículos foram selecionados com base em dados de audiência. Também foi considerada sua capacidade de agendamento, ou seja, seu potencial de influenciar a opinião pública. A diferença entre o número de veículos de cada tipo se deve a maior ou menor concentração de audiência e ao alcance geográfico em cada segmento.

Para cada emissora, a equipe realizou um perfil dedicado ao histórico do veículo e também do grupo controlador até chegar ao proprietário da mídia. No total, estão disponíveis 98 perfis, em inglês e português, que detalham os vínculos comerciais, parcerias, amigos influentes, relações políticas e religiosas de cada um deles.  

“Fizemos um trabalho de levantamento de fontes de audiência disponíveis e em alguns casos fontes de hábito de consumo da mídia e cruzamos os dados. O IVC também foi um grande parceiro, que enviou informações para a pesquisa com muita generosidade. Diferentemente de outros setores que são controlados por mercado de venda de informação, como é o caso da audiência de TV, por exemplo, onde o custo pra obtenção dos dados é muito alto”, apontou André Pasti, coordenador da pesquisa pelo Intervozes. 

Ainda sobre a metodologia utilizada no levantamento, desenvolvida pela RSF Alemanha, Pasti pontuou a importância de dar transparência às informações. “Para além de dizer quem são, é saber que interesses econômicos existem. Isso é um ganho da pesquisa no sentido de dar transparência. Não significa que porque uma empresa tem negócios no mercado financeiro vai proibir seus jornalistas de fazer uma crítica, mas é importante que as pessoas saibam quais interesses econômicos estão associados aos grupos e famílias que detém o controle da mídia no país”, disse. 

“Fizemos um esforço grande de separar o conceito de empresa, de legalidade de empresa. Porque há empresas que têm 20 ou mais CNPJs e a própria ‘pejotização’ está levando a algumas parcerias do tipo: conselheiro que recebe parcela de ações e vira acionista ou diretor para dar conta de uma contabilidade criativa nas empresas. E isso dificulta de maneira inimaginável o trabalho”, defendeu. 

Pasti comentou também, sobre a dificuldade na obtenção de dados dos veículos.  “Faz parte da metodologia buscar as fontes oficiais, descobrir se as empresas disponibilizam dados de propriedade e outros publicamente, se há transparência ativa e nenhuma no Brasil tem, nenhuma empresa fornece esses dados. Fizemos pedidos de informação às empresas, mandamos mensagem para todas elas, garantimos que o pedido foi recebido e demos um prazo para retorno. Nenhuma empresa devolveu as informações”, vaticinou. 

Ainda de acordo com Pasti, das 50 empresas investigadas, uma respondeu que eram informações estratégicas, “sendo que ela é concessionária de televisão e é um serviço público que obriga ela por Lei a nos dar essa informação”, disse. Outra respondeu querendo saber se os demais veículos tinham respondido e que ela só daria as informações caso as outras também o fizessem. E a terceira disse que ajudaria, mas que estava com dificuldade em obter as informações. “Isso foi assim até o fim da pesquisa. Não temos transparência ativa nem passiva nos dados”, apontou. 

Resultados

A partir dos perfis levantados, a equipe chegou a uma série de indicadores de riscos à pluralidade na mídia no país. Dos dez indicadores, oito representam risco médio e alto para a transparência na imprensa. Entre os 11 países pesquisados pela RSF até agora, o Brasil é o mais negativo neste quesito.   
                                                                     

A pesquisa indica também, que o perfil dos proprietários dos grupos são em sua maioria homens, brancos e cristãos. As exceções estão no Grupo SADA, Grupo Record e, também, no SBT, onde os cargos executivos já estão sob a gerência das filhas e esposas dos proprietários.

“Tentamos mapear não apenas os donos que constam nos CNPJs, mas também quem é a cara pública dos veículos, o CEO, o diretor de redação e o redator-chefe, se tem outras pessoas importantes naquele grupo e os colunistas. Se considerar não só os fundadores e proprietários, mas também etes cargos executivos, a maior parte deles é composta por homens brancos e grupos familiares. Há muita transmissão da empresa para as famílias, filhos, herdeiros, netos, bisnetos”, apontou Olivia Bandeira, da Intervozes.   

Outro dado importante é a relação entre a mídia e os grupos políticos; 32 deputados federais e oito senadores controlam meios de comunicação, ainda que não sejam formalmente seus proprietários. O relatório aponta que, na maioria dos casos, as afiliadas são controladas por empresas que representam diretamente políticos ou famílias com tradição política. No caso da família Macedo, controladora do grupo Record e da Igreja Universal do Reino de Deus, eles dominam o Partido Republicano Brasileiro (PRB). 

A relação dos proprietários de mídia com as Igrejas também é destaque na pesquisa. Veículos com programação evangélica, católica e espírita dominam as faixas de horários arrendados em veículos não-religiosos, como no caso da Record ou da Rede TV!. A presença de colunistas em impressos e em rádios também é marcante. “As minorias religiosas e religiões afrodescendentes não aparecem em local nenhum, nem na propriedade e nem na produção de conteúdo”, declarou Olívia.  

Para Olaf Steenfadt, coordenador global do projeto MOM, esta relação entre veículos e Igreja é típico do Brasil. “Investigamos 10 países até agora e em nenhum o envolvimento entre a Igreja e a mídia foi tão intenso e profundo quanto no Brasil. Há apenas um país que talvez possamos comparar que são as Filipinas, onde há grande presença da Igreja Católica, que além de possuir canais de mídia usa isso como plataforma política”, declarou. 

“O que vemos de particular neste cenário brasileiro é a triangulação entre igrejas, política e negócios, em que a Igreja também tem influência em outras áreas como a educação, por exemplo”, disse. 

“É possível compreender que este é um fenômeno particularmente cristão. Em outros países de outras religiões, muçulmanas, por exemplo, há um tom geral muçulmano nas mídias, mas não há a propriedade de uma igreja ou instituição. Isso também não acontece em países budistas ou hindus”, ponderou.  

Além disso, setores do agronegócio, bancos, siderúrgicas, instituições educacionais e empresas do ramo da saúde são mantidos pelos proprietários de mídia investigados.    

Baixa adesão

Apesar de terem tido contato com as emissoras durante a apresentação dos dados à imprensa não houve comparecimento na apresentação dos dados de membros dos veículos citados, com exceção aos dois representantes de uma das rádios do Grupo Bandeirantes. Também não compareceram veículos de trade, coletivos independentes de imprensa, sindicatos ou demais órgãos de representação. 

De acordo com Olívia, todos os veículos que foram investigados receberam convites para a coletiva de imprensa e também para o evento de apresentação dos dados, que ocorreu no final da tarde. Além disso, a RSF também se reuniu com representantes dos grupos durante todo o processo de levantamento de dados.

Ainda segundo a assessoria de imprensa do MOM, a taxa de recebimento e abertura dos e-mails com o release sobre a pesquisa chegou a 100% em alguns dos veículos mais significativos da região sudeste e, mesmo assim, não houve cobertura deles sobre o relatório.      

(Com o Portal Imprensa)

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