segunda-feira, 8 de maio de 2017

O jornal como ferramenta de organização da classe trabalhadora: a imprensa na formação marxista do movimento operário no Brasil (1917 – 1930)

                                                                       
                                                   Lenin  lendo o jornal Pravda


O presente trabalho tem como objetivo situar a imprensa como ferramenta de organização e mobilização da classe trabalhadora, tendo como problemática principal o uso dos jornais em uma formação marxista e no rito das tarefas do proletariado.

Esta análise dar-se-á por meio do jornal A Classe Operaria, fundado pelo jornalista Astrogildo Pereira e Otávio Brandão Rego, que começou a circular em 1º de maio de 1925 no Rio de Janeiro, tornando-se o jornal oficial do Partido Comunista Brasileiro na época.

No intuito de elaborar uma correlação entre o movimento operário e a imprensa comunista, este artigo tentará esclarecer o seu papel, posicionamentos, convergências e divergências no processo de construção da classe trabalhadora em si e para si. Dessa forma, faremos um recorte temporal, voltado para o final da Primeira República que corresponde a um período de movimentação sindical e de influências ideológicas, onde a imprensa surge como uma ferramenta de apoio à formação e organização do movimento operário. 

Considerado paradigma da imprensa revolucionária brasileira, A Classe Operaria, embora tivesse ligação com o (PCB), preferia qualificar-se como um “jornal de trabalhadores, feito por trabalhadores, para trabalhadores”. 

Ainda assim, avalio como sendo um dos parâmetros para a nossa discussão e de importante contribuição para a historicidade do tema, os esforços de Leon Trotsky e Vladimir Lênin na concepção de uma imprensa política, a exemplo da Iskra e o Pravda

Por fim, evidenciando o Jornal como objeto e ao mesmo tempo fonte histórica, à serviço de uma análise crítica sobre a organização do proletariado, seja na luta pelos seus direitos ou por melhores condições de trabalho no início do século XX.

1. A Classe Operária: da imprensa ao movimento[1]

O jornal apresenta-se como manifestação prática da consciência de classe e como ferramenta de organização necessária de um movimento de trabalhadores. Os jornais burgueses, há muito tempo, mostram-se inimigos da opinião crítica. Apresentam-se como defensores de ideologias, partidos, governos e nações que vão em direção contrária à luta da classe trabalhadora. E muito fazem, também, como inimigos de tudo e de todos que contrariem seus interesses. 

A Classe Operaria é o jornal que nos revelará a história de uma imprensa politizada e politizadora e que também possui muito para contar sobre o próprio movimento operário da Primeira República, especialmente no Rio de Janeiro. Um periódico semanal que nasce, intencionalmente, em 1º de Maio de 1925, tendo seus ilustres fundadores os jornalistas Astrojildo Pereira e Otávio Brandão Rego.

A data escolhida para a primeira circulação do jornal mostra-se pertinente e emblemática pois o periódico que nasce intitulado como um “jornal de trabalhadores, feitos por trabalhadores e para trabalhadores”, já se apresenta com originalidade e destaque no cenário do jornalismo carioca.

A Classe Operaria, principal órgão do Partido Comunista Brasileiro[2], surge como uma necessidade prática que caracteriza uma consciência de classe de um movimento operário em ascensão na cidade do Rio. “[...] a história da imprensa operária é a própria história da classe operária, das lutas, dos seus sofrimentos, das suas esperanças”.[3] 

Ao relatar a história do jornal A Classe Operaria estaríamos, segundo Astrojildo Pereira, retratando a história do próprio movimento operário. Uma passagem do discurso do jornalista Astrojildo Pereira em Julho de 1947, sintetiza o que representou o periódico para o movimento de trabalhadores:

"Sua história é conhecida por todos vós, e, mais do que conhecida, vivida por mais de um camarada presente a este ato. Por ela, em anos duros de luta contra a reação, deram a vida alguns heroicos companheiros cujos nomes permanecerão para sempre gravados na história das lutas populares em nossa terra. Perseguida, batida, suprimida cem vezes, cento e uma vezes ressuscitou A Classe Operaria e não se extinguirá jamais, porque é imortal como a própria classe que ela encarna e representa na imprensa deste país."[4]

De fato, o surgimento de uma imprensa revolucionária no Brasil está diretamente ligado ao pensamento político de Marx, Engels e Lênin. O próprio Marx, em A liberdade de Imprensa, relata um proletário pouco desenvolvido intelectualmente que apenas consegue sentir uma oposição de sua classe para com a burguesia. Porém, continua tendo uma falsa impressão de pertencimento ao meio burguês que na verdade é o seu maior adversário.

O proletariado, tão pouco desenvolvido quanto a burguesia, educado numa completa submissão espiritual, não organizado, inclusive incapaz ainda de formar uma organização independente, somente pressentia, de modo vago, o profundo antagonismo de interesses que o separava da burguesia. Continuava sendo, portanto, seu apêndice político, apesar de, na realidade, ser adversário ameaçador.[5]

A importância do papel da imprensa na formação e construção da consciência de classe por parte do trabalhador e a ausência dela é de notória visibilidade nas palavras de Marx. A respeito de uma imprensa revolucionária que surge no Brasil, Astrojildo destaca alguns periódicos que desempenharam funções importantes em diversos períodos e regiões. A exemplo de O Socialista da Província do Rio de Janeiro publicado em Niterói a partir de 1º de Agosto de 1845. 

Longe dali, no Recife, poderá encontrar O Progresso, um periódico tendencioso ao socialismo que possuía uma publicação mensal em forma de revista e que saiu por volta do mês de Julho de 1846. Porém, salienta Pereira, que nem ‘O Socialista’ de Niterói e nem o ‘O Progresso’ de Recife foram jornais de classe. 
                                                                 
Para Astrojildo Pereira o primeiro jornal realmente operário que se publicou no Brasil foi o Jornal dos Tipógrafos. O periódico que surge a partir de uma greve dos tipógrafos por aumento de salário não concedido pelos seus patrões. Astrojildo define que “a greve, ação de classe, produziu o momento necessário à manifestação prática da consciência”.[6] É o ponto que nos interessa nesta pesquisa: compreender a imprensa como manifestação prática da tomada de consciência de classe por parte do movimento operariado.

Entre outros periódicos importantes, Astrojildo cita um que teve maior destaque para a causa da classe, O Artista, o jornal dos alfaiates publicado em 1885 no Rio de Janeiro. Este periódico traz um artigo em suas páginas à respeito da “imprensa sadia”:

"A imprensa, potência poderosa e útil, muitas das vezes, porém, hoje quase toda a serviço do poder e da riqueza, não deixa um só dia de dizer em linguagem mais ou menos lastimosa, que as convulsões, agitando todos os países da Europa, onde uma má forma de governo e um péssimo sistema econômico têm acumulado causas e organizado elementos, são obras de petroleiros, comunistas, internacionalistas, niilistas, da mão negra, etc.; que esses ferozes partidários querem destruir todas as conquistas do trabalho, da ciência, o trono, o altar e a riqueza. Adula os poderosos, falta à verdade, nega a luz da história essa imprensa que assim se prostituiu."[7]

Já naquela época observamos uma imprensa corrompida pelos interesses do capital. Não diferente da atualidade, em que também conseguimos enxergar a necessidade de uma mídia alternativa e de fato comprometida com a classe trabalhadora. Tal mídia, no geral, colabora com a alienação do proletário fazendo-o se revirar contra sua própria classe. Um impresso que oriente o trabalhador, que o alimente de informações verdadeiras e que forme seu pensamento teórico de classe é o maior temor da burguesia.

Após a República ser proclamada houve um aumento considerável de periódicos operários por todo o Brasil. Em Manaus – O Operário de 1892; Em Belém do Pará – Confederação Artística: “órgão das classes operárias” datado entre 1888 a 1889, O Trabalho entre 1901 a 1907, O Socialista, “órgão democrático da confraternização operária” de 1906 a 1907; No Maranhão – Jornal dos Artistas, “órgão dos interesses operários” de 1908; em Maceió – O Século XIX, em que tinha em 1870 uma Associação Tipógrafa Alagoana de Socorros Mútuos onde o periódico era órgão; em Aracaju – O Operário, órgão da União Operária Sergipana datado duas vezes em 1891 e 1896; na Bahia - A voz do Operário, órgão do Centro Operário da Bahia em 1894; e em Pernambuco, um estado onde demonstra uma maior receptividade, segundo Astrojildo, de jornais operários, são eles: A Locomotiva, órgão da Associação Beneficente de Empregados da Companhia de Trilhos Urbanos do Recife a Olinda e Beberibe, de 1872, também o Gazeta dos Operários de 1890, O Socialista que era órgão do Centro Social do Estado de Pernambuco de número único em 1898, e o Clarim Social de 1900.[8] Entre outros jornais que se fizeram necessários para a formação marxista dos movimentos dos proletários.
                                                                      

A Classe Operaria é o periódico considerado, nos dias de hoje, o paradigma da imprensa revolucionária do Brasil[9], o qual é base deste trabalho. “A publicação de A Classe Operaria, em 1925, resultou de um plano maduramente pensado e traçado pela direção do Partido. Tratava-se de lançar um jornal de massas – um jornal de trabalhadores, feito para trabalhadores”.[10]

Percebe-se que todos os outros jornais supracitados, ou pelo menos a maioria, foram jornais órgãos de alguma organização beneficente ou sindical. Isso nos revela que no ato da elaboração de um jornal para organizar-se já demonstra aí uma manifestação de consciência de classe no proletariado. Ou seja, construir um jornal que organize os seus camaradas já é uma prova de uma necessidade prática de formação política, uma construção da consciência de classe.

O surgimento de tantos jornais nos revela uma história da Primeira República que “permanece como um momento de extraordinária mobilização coletiva e de forte organização de classe”.[11] Os jornais refletem, no real, em uma necessidade prévia de mobilização que resulta em dezenas de jornais de cunho operário para fins de organização da classe. 

É preciso identificar neste trabalho as condições em que viviam os trabalhadores da Primeira República. Segundo Batalha, “a maioria dos trabalhadores estava submetida a longas jornadas de trabalho”, entre 14 à 16 horas por dia “com poucas possibilidades de descanso e lazer”.[12] Além das condições de trabalho serem febris, as habitações eram “precárias como os cortiços; nas periferias dos centros urbanos, padecendo problemas de transporte e de infra-estrutura [...]”.[13] A respeito da visão que tinham os trabalhadores sobre a chegada de uma nova ordem social, a República, o historiador Claudio Batalha relata:

A República trouxe inicialmente esperança, que logo deu lugar à decepção, àqueles que buscavam obter a regulamentação do trabalho e a garantia de direitos políticos e sociais através da organização dos trabalhadores. Mesmo a parca legislação aprovada visando à melhoria das condições de trabalho - [...] – ficou só no papel, pela falta de vontade política e de uma estrutura de fiscalização de seu cumprimento.[14]

Utilizando, para corroborar com o relato de Claudio Batalha, a expressão que é título do livro do historiador José Murilo de Carvalho, “Os Bestializados”.[15] Uma República proclamada às margens das reais necessidades de uma esquecida população desfavorecida que assistiu a proclamação de uma nova ordem social que não os incluía. Batalha em seu livro O Movimento Operário na Primeira República, disponibiliza uma cronologia que aqui é necessário dispor, pelo menos em parte:

1917 – julho, São Paulo: greve geral com pauta comum de reivindicações; Rio de Janeiro: greves envolvendo várias categorias; também há greves em outros estados como Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais;
1918 – novembro, Rio de Janeiro: tentativa de levante anarquista com greves nos setores têxtil, metalúrgico e da construção civil;
1919 – Greves em vários estados (Distrito Federal, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul) pela jornada de 8 horas e melhores salários;
1920 – março, Rio de Janeiro: greve de Leopoldina Railway; São Paulo: greve têxtil: Campinas: greve da Companhia Mogiana; abril, Rio de Janeiro: realização do 3ª Congresso Operário Brasileiro;
1922 – março, Rio de Janeiro: fundação do PCB;
1923 – fevereiro, Rio de Janeiro: greve dos marítimos e portuários; fevereiro-março, São Paulo: greve vitoriosa de 42 dias do gráficos;
1926 – agosto, Rio de Janeiro: reuniões na Biblioteca Nacional para discutir a lei de férias; dezembro, Rio de Janeiro: criação do Bloco Operário (BO);
1927 – abril, Rio de Janeiro: Congresso Sindical Regional cria a Federação Sindical Regional do Rio de Janeiro; novembro, Rio de Janeiro: constituição do Bloco Operário e Camponês (BOC);
1928 – outubro, Rio de Janeiro: Minervino de Oliveira e Otávio Brandão são eleitos intendentes pelo BOC;
1929 – março-junho, São Paulo: greve de 72 dias dos gráficos; 26 de abril-1ª de maio, Rio de Janeiro: Congresso Operário Nacional, que decide pela criação da Confederação Geral do Trabalho do Brasil.[16]


A Revolução Mundial que Eric Hobsbawm referiu-se em sua magnífica obra a Era dos Extremos,[17] de fato repercutiu em proporções globais. Chegando às Américas em forma de alento e exemplo, influenciando uma classe trabalhadora que há muito tempo penava. Segundo Hobsbawm “a humanidade estava à espera de uma alternativa”.[18] A Revolução Russa pretendeu dar ao mundo uma espécie de sinal a uma possível saída.
                                                             
Mas até a Revolução, o que fazer? Quais são as tarefas do proletariado? Como se organizar em massa? A Revolução Russa de 1917 teve a imprensa como grande aliada. 

O próprio Lenin “via a imprensa como um importante veículo de organização e propaganda” comenta Zizek em Às Portas da Revolução.[19] “Uma arma poderosa com que o Partido bolchevique contava para fortalecer suas organizações e conquistar influência entre as massas foi o diário bolchevique "Pravda" ("A Verdade"), que se editava em Petersburgo”.[20] Um jornal que tinha sido fundado por influência de Stalin, Olminski e Poletaiev, que se concretiza após as eleições da IV Duma Estatal, em 1912, onde “os deputados bolcheviques criaram [...] um jornal de circulação diária”.[21] Era uma produção decididamente operária e de massas, que nasceu como um alento ao movimento revolucionário Russo. Mas do que falava o Pravda?

No artigo intitulado "A grande propriedade dos latifundiários e a pequena propriedade camponesa na Rússia", publicado na "Pravda", Lenin fazia ver de um modo tangível aos operários e camponeses quão fabulosa era a riqueza de terras em poder dos parasitas latifundiários. Cerca de 30 mil latifundiários dos mais fortes açambarcavam aproximadamente 70 milhões de hectares de terra. Enquanto os camponeses tinham que se contentar com uma extensão equivalente, repartida entre 10 milhões de famílias.[22]

O que nos mostra da sua efetiva atuação na construção da consciência de classe de um operariado que desconhecia de seus direitos e de suas riquezas. O Pravda, como também o Iskra – um jornal clandestino que muito contribuiu para a organização de massa e teve Trotsky como um dos seus maiores colaboradores[23] –, ocupam um lugar central em prol da causa do Partido Bolchevique. Por isso, considerado aqui como uma ferramenta de formação e organização da classe trabalhadora indispensável.

Os jornais operários aparecem no Brasil com objetivos parecidos aos jornais revolucionários russos: bem intencionados com a causa operária e atuantes denunciadores dos abusos e opressões sofridas por parte da classe trabalhadora. As suas condições de vida e trabalho, já relatadas nesta pesquisa, que a classe durante a Primeira República vivenciava eram expostas nas páginas do A Classe Operaria. Em um artigo intitulado Na Companhia Souza Cruz é denunciado o dia a dia dos trabalhadores da indústria do fumo:

"A Companhia Souza Cruz, querendo dar uma prova da sua generosidade, concede-nos três regalias: 15 minutos de parada as 14 horas, um café e um março de cigarros. Vamos examinar de perto as três regalias. A parada é uma conversa. Em vez de sairmos ás 17 horas, saímos ás 17.15. Portanto, os 15 minutos são descontados. Quanto ao café e ao março de cigarros, são descontados no salário. Eis o que vale a generosidade da Companhia Souza Cruz."[24]

Neste mesmo artigo, sobre os trabalhadores da Companhia Souza Cruz, é relatado as condições de trabalho de crianças entre 12 e 13 anos que “não ganhando bastante, almoçam laranjas, bananas e doces feitos comummente com ovos estragados. [...]. Pobre mocidade proletária!”.[25] O periódico, apesar de ser um órgão do PCB e que começa a circular na cidade do Rio de Janeiro, não se limitava aos relatos de trabalhadores urbanos, mas contemplando também os trabalhadores rurais. 

Não se limitava, também, apenas aos relatos dos que estavam nos grandes centros, mas aos trabalhadores dos interiores de todas as regiões possíveis. E ainda havia uma colaboração dos proletários de todos os estados, ou a maioria deles, que enviavam cartas à redação do jornal A Classe Operaria denunciando suas condições de vida e de trabalho.

Mas não só de denúncias se fazia o periódico em questão. Existia uma função de porta voz na tarefa de organizar a classe e formar a sua consciência. A mídia burguesa também ganhava destaque e era criticada pelo jornal. Faziam uma espécie de alerta aos proletários a respeito dos perigos que se tinha ao ler jornais burgueses. Dessa forma, Antonio Gramsci escreve em 1916 em Os jornais e os operários:

"Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recorda-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação."[26]

O proletário nunca teria vez em um jornal burguês. E o que Gramsci nos alerta é exatamente o que representou o periódico A Classe Operaria para os trabalhadores da Primeira República, uma saída à hegemonia das mídias corporativas que manipulavam a opinião pública à favor de uma manutenção do sistema em que o trabalhador sangrava para lubrificar as máquinas. De fato, um período que denunciava o que a maior parte dos jornais não relatava. A respeito da consciência que possuía e que pretendia persuadir aos companheiros, o periódico, em um artigo intitulado A´vanguarda e á massa operaria, intimava o proletariado ao uso do jornal como direito e ao dever da sua própria consciência:

"Uma das primeiras conquistas políticas da vanguarda e da massa trabalhadora é exatamente a penetração ampla e livre da A CLASSE OPERARIA no coração das grandes fabricas e officinas. O patrão entra na fabrica com os jornaes burguezes na mão. É um direito que elle tem. Ninguem o censura por isto. É preciso, portanto, que os operarios entrem na fabrica ou na officina com A CLASSE OPERARIA na mão. É um direito que os operarios deverão conquistar, gostem ou não os patrões."[27]

O jornal nas mãos do trabalhador, seja ele de fábrica ou de campo, assustava os patrões, pois estes consideravam um meio de influenciar seus trabalhadores à uma possível revolta ou greve. Nesta pesquisa, conseguimos perceber o periódico como fonte e ao mesmo tempo objeto de investigação histórica. Até porque, temos de um lado a História da imprensa e do outro a História por meio da imprensa. 

A historiadora Tania Regina de Luca[28] revela que ainda na década de 1970 o número de trabalhos que se utilizavam dos jornais como fonte era relativamente pequeno. Teríamos que também levar em consideração que neste período existia uma hierarquia entre os documentos que os historiadores deveriam usar. Na última posição, encontrávamos o jornal! Compreender o jornal como fonte e ao mesmo tempo objeto de investigação, repassa entender as mudanças epistemológicas sofridas pela disciplina História.

Tratar aqui o periódico A Classe Operaria como objeto de investigação e não somente como fonte desta pesquisa, é colocá-lo em evidência. Se ao estudarmos a história do A Classe Operaria, ao mesmo tempo, estaríamos evidenciando o movimento operário, significa dizer que estamos aqui tratando de um jornal que se revela tanto como objeto quanto como fonte. 

Ao estudar um periódico operário, Tania Regina de Luca relata que “não se trata mais de lidar com jornais de cunho empresarial”[29], mas sim tratar as folhas sem periodicidade, que são feitos por militantes e nem sempre são profissionais do jornalismo. Tem que se observar que os jornais operários não tinham objetivos lucrativos e muitos eram sustentados pela ajuda de suas beneficiadoras ou de seus movimentos grevistas.

A partir dos jornais, segundo Tania Regina de Luca, pode-se encontrar dados acerca das greves, mobilizações, repressões, condições de vida e de trabalho. Como também, a partir desses periódicos, podemos encontrar dados sobre o lazer do trabalhador, questões sobre sociabilidade, produção literária e teatral.[30] De fato, tanto a imprensa em si quanto a operária, mostram-se como um oásis documental e um imprescindível acervo sobre a História do Brasil. A Classe Operaria revela-se como um paradigma da imprensa revolucionária no Brasil e como fornecedor de informações fundamentais a respeito do movimento operário do seu período.

[1] Professor de História.

[2] O Partido Comunista Brasileiro surge em 1922.

[3] Este texto foi editado originalmente na Revista Estudos — publicação clandestina do PCB, no início da década de 70 — nº 4, de junho de 1972, com introdução e notas de Thomaz Ramos Neto ("nome de guerra” de Fragman Carlos Borges), a partir de manuscritos deixados por Astrojildo Pereira. Estes manuscritos constituem o roteiro preparado por Astrojildo para uma conferência que pronunciou na Associação Brasileira de Imprensa, ABI, no Rio de Janeiro, em julho de 1947, com o objetivo de angariar fundos para a imprensa comunista, promovida pelo Movimento de Auxílio à Tribuna Popular (diário do PCB).

Sua republicação deve-se, em primeiro lugar, ao fato de ter sido editado numa revista de circulação extremamente restrita; em segundo, o fato de fornecer um excelente esboço para compreensão da história da imprensa operária brasileira e, por fim, como homenagem — no centenário de seu nascimento — a este que foi um dos mais importantes dirigentes do movimento operário do país, fundador do PCB e um dos introdutores do marxismo no Brasil”. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/astrojildo/1947/07/imprensa.htm>, acessado em 30 de agosto de 2016.

[4] Idem.

[5] Karl Marx apud Rio de Janeiro (RJ). Secretaria Especial de Comunicação Social. Imprensa revolucionária: o jornal como agente politizador / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, - Rio de Janeiro: Secretaria, 2008.

[6] Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/astrojildo/1947/07/imprensa.htm>, acessado em 30 de agosto de 2016.

[7] Idem.

[8] Idem.

[9] Rio de Janeiro (RJ). Secretaria Especial de Comunicação Social. Imprensa revolucionária: o jornal como agente politizador / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, - Rio de Janeiro: Secretaria, 2008

[10] PEREIRA, Astrojildo. Formação do PCB: 1922/1928. Rio de Janeiro: Vitória, 1962. (pag. 72 a 74).

[11] BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p. 14.

[12] Idem, p. 11.

[13] Idem.

[14] Idem, p. 37-38.

[15] CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

[16] Ver a cronologia completa na obra: BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p. 69 a 72.

[17] HOBSBAWM, Eric John Ernest. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

[18] Idem.

[19] ZIZEK, Slavoj. Às portas da revolução: escritos de Lenin de 1917: tradução dos textos de Slavoj Zizek, Luiz Bernardo Pericás e Fabrizio Rigout; tradução dos textos de Lenin, Daniela Jinkings, - São Paulo: Boitempo, 2005.

[20] Ver: História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS, Edições Centro Cultural Manoel Lisboa, Pernambuco, Brasil, 1999.

[21] SERVICE, Robert. Camaradas: uma história do comunismo mundial. Tradução Milton Chaves de Almeida – 3. Ed. – Rio de Janeiro: DIFEL, 2015.

[22] História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS, Edições Centro Cultural Manoel Lisboa, Pernambuco, Brasil, 1999.

[23] Rio de Janeiro (Cidade). Secretaria de Comunicação Social. Breve história da imprensa sindical no Brasil / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, - A Secretaria, 2005.

[24] Jornal A Classe Operaria. Na Companhia Souza Cruz. Ano I, número 7, p. 01. 13 de junho, 1925.

[25] Idem.

[26] Ver Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. Transcrição de Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive. Disponível em: < https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1916/mes/jornais.htm>. Acessado em: 30 de agosto de 2016.

[27] Jornal A Classe Operaria. A´vanguarda e á massa operaria. Ano I. (sem número), p. 02. 30 de Maio de 1925.

[28] PINSKY, Carla Bassanezi, (organizadora). Fontes históricas. – 2. Ed., 1ª reimpressão, - São Paulo: Contexto, 2008.

[29] Idem.

[30] Idem.



Referências:

BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. O movimento operário na Primeira República . Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. , 2000.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

GRAMSCI, António. “Os jornais e os operários.” Marxists Internet Archive. 1916. https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1916/mes/jornais.htm (acesso em 30 de agosto de 2016).

“História do Partido COmunista (Bolchevique) da URSS.” Pernambuco: Edições Centro Cultural Manoel Lisboa, 1999.

HOBSBAWM, Eric John Ernest. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LUCA, Tania Regina de. “Fontes impressas.” Em Fontes históricas, por Carla Bassanezi PINSKY, 111-154. São Paulo: Contexto, 2008.

PEREIRA, Astrojildo. Formação do PCB: 1922/1928. Rio de Janeiro: Vitória, 1962.

PEREIRA, Astrojildo. “Imprensa Revolucionária.” Marxists Internet Archive. s.d. https://www.marxists.org/portugues/astrojildo/1947/07/imprensa.htm (acesso em 2016).

SERVICE, Robert. Camaradas: uma história do comunismo mundial. 3. ed. . Tradução: Milton Chaves de Almeida. Rio de Janeiro: DIFEL, 2015.

SOCIAL, Rio de Janeiro (Cidade). Secretaria de comunicação. Breve história da imprensa sindical no Brasil. Cidade do Rio de Janiero: A Secretaria, 2005.

SOCIAL, Rio de Janeiro. Secretaria Especial de Comunicação. Imprensa revolucionária: o jornal como agente politizador. Rio de Janeiro: Secretaria, 2008.

ZIZEK, Slavoj. Às portas da revolução: escritos de Lenin de 1917. Tradução: Luiz Bernardo Pericás, Fabrizio Rigout e Daniela Jinkings. São Paulo: Boitempo, 2005.

(Com o Diário Liberdade, assinada simplesmente por Rodrigo. Os grifos são meus, José Carlos Alexandre, ex-diretor do jornal "União Sindical" que circulou nos anos 70)

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