sábado, 20 de maio de 2017

ComeyGate os dois lados do mesmo portão (*)

                                                                              

 António Santos    

A eleição de Trump lançou a tão elogiada “democracia norte-americana” em forte convulsão interna. Ainda o homem não tinha tomado posse e já corriam manobras para o pôr a andar. A mais recente tem a ver com o despedimento do director do FBI, James Comey, e o eixo comum desta fortíssima campanha político-mediática é o histérico agitar do velho fantasma russófobo.

Mas afinal quem é que Trump despediu? Terá sido o maquiavélico director do FBI, James Comey, atrás do portão número um, cuja investigação aos emails de Hillary Clinton não passou de uma maquinação russa para dar a vitória a Trump? 

Ou foi o James Comey, herói da democracia, patriota americano e guardião do Estado de Direito, atrás do portão número dois, cuja investigação à maquinação russa para dar a vitória a Trump lhe valeu o afastamento? 

O Partido Democrata (PD) escolheu o portão número um, passou para o outro lado, depois arrependeu-se e, ao voltar para trás pelo mesmo caminho, atravessou o portão número dois.

Uma semana depois, em vésperas de ser conhecido o novo chefe do Federal Bureau of Investigation (FBI), o PD permanece empenhado na reedição de Watergate, o escândalo de corrupção que, em 1974, levou à demissão do então presidente Richard Nixon. 

A estratégia dos democratas, que já declararam uma «crise constitucional», consiste em canalizar o descontentamento popular que anima o movimento de massas contra a administração Trump para o velho fantasma russófobo. Um espectro enfunado, não por qualquer prova, mas pela ameaça de divulgação de conversas comprometedoras entre o presidente e o ex-chefe do FBI.

Nixon 2.0

À semelhança do que aconteceu com Watergate e as políticas de Nixon, não são as políticas de Trump que estão em causa, mas questões de ordem moral e legal. Se Trump fosse afastado a meio do mandato por força de um escândalo de contornos análogos, a presidência seria entregue ao vice de Trump, Mike Pence, ou ao presidente da câmara dos representantes, Paul Ryan. 

Um e outro competem pelo zénite da ultra-direita mais reaccionária, um e outro distinguem-se apenas do actual morador da Casa Branca pela experiência superior. Por outro lado, como aconteceu em 1974, esse cenário traria o esvaziamento da luta de massas com poucas ou nenhumas alterações à política da actual administração.

É preciso entender que da aparente inabilidade política ao imprudente aventureirismo de que faz alarde, ao estilo imbecil, risível, quase trágico, todas as características de Trump são elementos úteis, mas não indispensáveis, à classe que representa. 

A agudização da crise capitalista volatilizou a este ponto a luta entre facções do grande capital, favorecendo a ascendência de sectores minoritários menos beneficiados pela anterior gestão do Estado. 

Diferencia-os, para além do tipo de negócios de que são proprietários, a defesa de uma táctica mais agressiva e audaz na luta contra a classe trabalhadora. Batedor de territórios inexplorados e tropa de choque da nova táctica, Trump é adequado, mas não é insubstituível. A sua baixa, por si só, não assustaria os generais nem mudaria o curso da guerra.

A política de classe por detrás de Trump não depende do seu nome. E independentemente do que se vier a descobrir sobre o caso Comey, a política de Trump não pode ser vencida nos tribunais nem no Congresso. A luta dos trabalhadores estado-unidenses é a única alternativa ao portão número um e ao portão número dois.

(*) Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2268, 18.05.2017

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