domingo, 2 de outubro de 2016

Sobre os aviões Kafir na cerimônia do dia 26

                                                       
Timoleón Jiménez (*)

Como a morte de nosso Comandante Alfonso Cano, em meio às primeiras transformações que conduziram ao final exitoso deste processo, trata-se de mais uma das tantas provocações que tivemos que enfrentar, com a maior serenidade e bom senso, ao longo destes anos e até o último momento.

Já se difundiu e comentou de maneira ampla a desafortunada presença dos aviões Kafir no dia da assinatura do Acordo Final de Havana. São muitos os que se perguntam a quê obedeceu a presença ameaçadora dos aviões de guerra no cenário em que estava terminando seu discurso o comandante das FARC-EP.

Em geral, poderíamos concluir que se apresentou um consenso em torno do repúdio ao fato. Inoportuno, impertinente e, inclusive, altamente perigoso. Estavam presentes, entre outras personalidades, o Secretário Geral da ONU, o Secretário de Estado dos Estados Unidos da América do Norte, quinze Presidentes em exercício e ex-presidentes também.

Comentam-se, inclusive, as possíveis reclamações diplomáticas contra o governo da Colômbia. Eventos dessa natureza são supremamente sérios, solenes de tal altura, que uma piada de tão péssimo gosto não admite nem sequer ser pensada. Existem jornalistas estrangeiros que chegaram a exclamar atônitos que seria um golpe de Estado. E por muitas mentes cruzou a ideia de uma suja traição.

Por que o Presidente Santos deu o aval a tão semelhante absurdo, em meio ao ato oficial que selava, após cinquenta e dois anos de guerra, o fim do conflito armado? A poucos minutos do coro de crianças e adultos iniciar a portentosa interpretação do Hino da Alegria e de ele mesmo clamar por não mais guerra na Colômbia?

Não esperamos uma explicação pública a esse respeito, talvez nem privada. Como a morte de nosso Comandante Alfonso Cano, em meio às primeiras transformações que conduziram ao final exitoso deste processo, trata-se de mais uma das tantas provocações que tivemos que enfrentar, com a maior serenidade e bom senso, ao longo destes anos e até o último momento.

No entanto, queremos nos referir ao tratamento que alguns comentaristas da imprensa conferiram ao fato. Em particular à nota publicada a respeito no diário EL TIEMPO e no seu portal pela web. As duas coincidem que se tratou de uma demonstração de força de último momento, com a qual o Estado quis nos mostrar sua vitória final.

Não há tempo suficiente para ler todas as colunas da grande imprensa, porém basta conhecer o conteúdo das resenhas para imaginar quantas mais se terão elaborado e publicado no mesmo sentido. De fato, a decisão editorial unânime dos grandes meios foi a de apresentar em primeiro plano o rosto surpreso de Timochenko, para falar de seu medo.

De seu medo ao poder aéreo do Exército da Colômbia, de seu medo ao ruído dos motores e das bombas, do pânico a uma morte inesperada e instantânea. Para certamente abrir as portas à especulação consequente, que as FARC teriam sido levadas vencidas à mesa de negociações, derrotadas à ponta de bombas. Existe mostra mais palpável que a fotografia exibida?

Não parece fácil encontrar um adjetivo mais apropriado que diabólico, para qualificar o modo como o assunto é abordado pelos meios mencionados. Estamos completamente seguros de que nenhum dos que escreveram tais notas nunca escutou um combate, a não que tenha sido em um filme, um documentário ou um vídeo elaborado a prudente distância.

Quem conhece o clássico vídeo que os jornalistas franceses elaboraram sobre os tempos de Marquetalia e Riochiquito, sabe que desde então a aviação foi usada para bombardear e metralhar acampamentos, unidades guerrilheiras e até população civil. Se esse tivesse sido o procedimento adequado para nos derrotar, a guerra não teria se prolongado por meio século.

Algo desprende odor fétido nesse tipo de nota. Enquanto EL TIEMPO ressalta que graças às bombas pereceram Raúl Reyes, Jorge Briseño e Alfonso Cano, a nota que publicam na web apresenta as FARC acovardadas e temerosas, assinando o Acordo Final imposto pelo governo nacional por intimidação. A mesma matriz dos longos anos da guerra.

Não cabe responder aos autores de tais despropósitos. Ao fim e ao cabo, trata-se de simples escreventes que expressam o ressentimento de certos círculos de poder absolutamente ofendidos com o obtido pelas FARC. Sentimos que as grandes maiorias do país nos acompanham nesta vitória do povo colombiano. Ganhamos a paz e isso dói a alguns.

Deveriam recordar o barão von Clausewitz, e seu fundamental texto sobre política e guerra. Esta não é outra coisa que a continuidade da primeira por outros meios. E mais que a aniquilação do opositor, a vitória consiste em impor a própria vontade ao contrário. Se algo está perfeitamente claro nos Acordos de Havana, é que não existem vencedores nem vencidos.

Nós das FARC vamos continuar fazendo política, de maneira aberta e legal, sem armas, levando nossa mensagem de renovação e mudança por todo o país. Com garantias plenas por parte do Estado. Nosso sentimento é de que estamos saindo da guerra pela porta da frente, com reconhecimento oficial da ONU, da União Europeia, dos Estados Unidos e praticamente de todos os países do mundo.

Isso não pode ser negado nem sequer por nossos mais acirrados detratores, os mais indignados e chorosos com as manifestações de felicitação e os augúrios de êxito que nos brindam em bloco a comunidade internacional, o governo da Colômbia e, sobretudo, o mar de personalidades e organizações sociais, políticas, artísticas e culturais que aplaudem o Acordo Final.

Alguma alteração mental grave devem padecer os inspiradores dos articulistas em menção. Isso que aplaudem, o suposto susto que os Kafir deram em Timochenko e os seus no dia 26 em Cartagena, revela o quão fora de contexto se encontram hoje em dia, na Colômbia e no continente, as manifestações militares da força bruta e do terror.

Poderíamos escrever um tratado acerca do caráter desproporcional e imoral da guerra aérea contra as guerrilhas. Algo que todos os presentes no ato do dia 26 perceberam de imediato. Porém, não vale a pena causar alvoroço com isso agora. Assinamos o fim do conflito e vamos pela reconciliação, pelo perdão, por uma Colômbia sem ódios, em paz e com justiça social. Assim seja.

Havana, 30 de setembro de 2016.

(*) Timoleón Jiménez  é chefe do Estado Maior Central das FARC-EP

Fonte: http://www.farc-ep.co/desbrozando-ideas/acerca-de-los-aviones-kafir-en-la-ceremonia-del-26.html

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Nenhum comentário:

Postar um comentário