sexta-feira, 7 de outubro de 2016

As eleições municipais, a onda conservadora e a esquerda socialista

                                              

Marcelo Badaró Mattos

Há um certo consenso entre a esquerda socialista em torno da avaliação de que o caminho das transformações sociais que nos interessam – aquelas a que se poderia chamar revolucionárias – não passa pelas eleições. Ou, explicando melhor, de que o regime democrático-burguês é uma forma adquirida pelo Estado em seu papel de dominação de classes, sendo as eleições, portanto, um caminho minado para a luta pelo socialismo. Tudo isso é, em certo sentido, correto. O perigo, porém, mora nos detalhes. 

Se eleger um presidente, governador, prefeito, senador, deputado, ou vereador socialista, no terreno da democracia burguesa, não significa um passo decisivo em direção ao socialismo, vitórias eleitorais podem potencializar lutas sociais mais amplas. Assim como (ops, má notícia!), derrotas profundas tendem a fortalecer as representações mais conservadoras das classes dominantes, que se nutrem ideológica e politicamente da lógica de que a legitimidade é conferida pelo voto para avançarem suas pautas.

É esse o drama atual. Elevado ao executivo federal por meio de manobras golpistas, o atual governo não esperou calarem-se os ecos do júbilo reacionário dos comentaristas da Globonews com os resultados da direita nas urnas para pular 20 casas no tabuleiro do jogo parlamentar e, afirmando-se legitimado pelas urnas, acelerar a aprovação de suas propostas contrarrevolucionárias (preventivas, por certo).

Escrevo quatro dias após um sr. de pulôver no ombro ter sido eleito em primeiro turno prefeito de São Paulo, no embalo de um crescimento nacional da votação do PSDB e outros partidos da direita “tradicional”, repartindo o espólio do fracasso da “nova” direita petista em garantir o contentamento dos de baixo ao mesmo tempo que fazia felizes aos de cima. Nesse curto intervalo de tempo, e numa recapitulação muito rápida, o que aconteceu?

No Congresso Nacional, para citar apenas alguns exemplos: fechou-se o acordo e marcou-se para a próxima segunda (isso mesmo, quórum qualificado em Brasília numa segunda-feira!) a votação da PEC 241, que congelará por 20 anos o orçamento para as políticas públicas (desvinculando os gastos sociais da arrecadação), de forma a garantir as transferências do fundo público para o capital, através do mecanismo da dívida, ou das privatizações (disfarçadas ou não de PPP, OS, ou outra sigla maligna qualquer); aprovou-se a entrega completa do petróleo do pré-sal às multinacionais do setor, depois de todo o investimento da Petrobrás em prospectar os campos e desenvolver a tecnologia para extrair o combustível fóssil em águas profundas; além de instituir-se uma comissão especial, de composição esmagadoramente reacionária, para legitimar e encaminhar o projeto de censura educacional alcunhado de “escola sem partido”.

Já o Judiciário galopa em direção ao arbítrio em várias frentes. No STF, os ministros ganham ações contra jornalistas que denunciam suas arbitrariedades, enquanto o inquérito da Lava-Jato é, como uma pizza, fatiado em quatro, mas nem uma lasquinha toca nas denúncias de falcatruas do PSDB. Já a prática corriqueira da invasão policial das casas de trabalhadores sem mandado judicial, está agora respaldada pelo entendimento de nossa suprema corte. No Rio de Janeiro, o Ministério Público assedia o Colégio Pedro II porque as entidades representativas de seus trabalhadores manifestam-se publicamente pelo “Fora Temer!”. Isso pra não falar de Curitiba…

No Planalto, a nova primeira-dama, vestida como a professora de Chiquititas, anuncia que voltamos aos tempos do assistencialismo de verniz caritativo, prenunciando que para as políticas sociais: “ou é o princípio do fim, ou é o fim”.

E, é claro, se o menor dos Bolsonaro no Rio, ao mesmo tempo que Fernando “Dragon Ball” Holiday em São Paulo e outros luminares do MBL pelo país se elegeram vereadores, porque estranhar que seus admiradores, aprendizes de fascistas, adentrem armados em um campus universitário, como aconteceu na UFAL, ameaçando o “povo de humanas” de todo tipo de violência. O fascismo sai do armário com ainda maior tranquilidade quando se trata de utilizar as plataformas virtuais. Como para comemorar efusivamente o incêndio no prédio da reitoria da UFRJ, afirmando que era tudo resultado da festa regada a maconha que os petralhas da universidade faziam em comemoração à ida ao segundo turno de Marcelo Freixo.

Há ainda quem em sã consciência negue o golpe? Ou usando o nome que quiser usar, se recuse a enxergar o avanço da “onda conservadora”? Há realmente base objetiva para avaliar que a evidente derrota do PT nessas eleições decorreu de uma avanço da consciência da classe trabalhadora em romper com o partido (e com Lula?) e avançar na direção defendida pelos revolucionários? Ou será que antes mesmo de Freixo liberar as drogas, como afirma Malafaia, há quem já esteja curtindo uma viagem lissérgica nas avaliações políticas? Bad trip!

Falando em Freixo, e em Edmílson, claro, a passagem do PSOL ao segundo turno em duas capitais reveste-se de uma importância capital (se me permitem a repetição de palavras). Não há espaço político para reduzir essa importância ao âmbito local. Quem nacionaliza as eleições não é a ideologia dos candidatos da esquerda socialista, mas a iminente aprovação da PEC 241 e do PL 257 (esse proposto por Dilma e também sustentado pelo governo Temer, para instituir uma novo patamar de “responsabilidade fiscal”, comprometendo estados e municípios com cortes nas políticas sociais e nos direitos dos servidores). Sabemos que se o socialismo em um só país é uma falácia, o socialismo em uma só cidade seria uma contradição em termos. 

Porém, com essas propostas aprovadas no Congresso, será extinta qualquer margem para uma atuação republicana, cidadã, democrática, social, ou qualquer outro eufemismo para uma lógica de esquerda moderada, em qualquer prefeitura. Os municípios se converterão em meros arrecadadores de recursos a serem drenados para os dutos de alimentação do sistema da dívida e das privativações.

Por isso, à campanha dos candidatos da esquerda socialista, neste segundo turno, não resta opção: é preciso mobilizar forças contra as políticas destrutivas do governo golpista no plano federal, para alimentar as esperanças de uma gestão municipal voltada para os interesses da maioria trabalhadora da população.

No caso do Rio de Janeiro, mantendo-me circunscrito ao que melhor acompanhei, a campanha de Marcelo Freixo representou até aqui uma enorme vitória. Não apenas por ter derrotado a máfia pemedebista que transformou o Rio na “capital do capital”, mas especialmente por ter tornado realidade uma frente de esquerda entre partidos – PSOL e PCB e outras organizações sem registro eleitoral – e movimentos sociais representativos, como o MTST, o MST e muitos outros, contagiando a militância para além das hoje ainda restritas fileiras militantes dos partidos socialistas. Não é exagero afirmar que o sucesso da campanha decorreu do impulso a ela agregado pelas lutas sociais anteriores na cidade, com destaque para a “Primavera das Mulheres” e as ocupações de escola, combinadas às lutas dos trabalhadores e trabalhadoras da educação.

Por isso mesmo, a vitória se amplificará, independentemente do resultado final das urnas, se o segundo turno servir para provar que, ao contrário do que dizia a estratégia dita “democrático-popular”, formulada pelo PT nos anos 1980 (e que selou seu destino nas décadas seguintes), a disputa eleitoral/institucional não deve ser “apoiada” pelas lutas sociais para produzir reformas progressistas no interior da ordem – às quais, por sinal, o capitalismo em seu estágio atual não quer e não pode comportar. São as lutas sociais dos trabalhadores e trabalhadoras que podem ter suporte nas conquistas eleitorais (mesmo que parciais) da esquerda socialista para fazer avançar conquistas significativas.

Que as candidaturas de Freixo e Edmílson e que todos nós estejamos à altura do desafio de potencializar lutas como as dos estudantes que, ocupando escolas e ruas, se posicionam contra o golpe da reforma do ensino médio. Porque não apenas a “República de Curitiba” há de tremer diante deles. Também a República do capital, com seus Temer, Renan, Maia, Marcela, Bolsonaros e Holiday haverá de sofrer um baque com a vitória nas urnas – e nas ruas – da esquerda socialista. Depende de nós pra ser desse jeito.

(Com Blog Junho/Prestes a Ressurgir)

Nenhum comentário:

Postar um comentário