quarta-feira, 12 de junho de 2013

Brasil exporta gás lacrimogêneo para repressão na Turquia

                                                                  
Bruno Fonseca y Natalia Viana

Agencia Pública

"Menos de um mês antes do início dos protestos na Turquia, o governo brasileiro apoiou um encontro de empresas de armamentos brasileiros com compradores estrangeiros em Istambul".

Em 2012, quando a inscrição Made in Brazil estampava projéteis de gás lacrimogêneo utilizados contra manifestantes pró-democracia em Bahrein e ativistas denunciavam, inclusive, a morte de um bebê, supostamente vítima do gás brasileiro, o Ministério das Relações Exteriores (do Brasil) anunciou que investigaria a existência ou não de alguma irregularidade na exportação. No entanto, um ano depois, o Itamaraty (a sede do Ministério de Exteriores) informa que apenas observa o caso, sem conduzir investigação alguma ou tomar medidas. Em uma resposta indignada, um ativista norte-americano-saudita escreveu: “o Itamaraty deve acreditar que somos ingênuos”.

Por conta da falta de restrições à exportação de armas não letais, o gás, fabricado pela empresa Condor S.A., do Rio de Janeiro, é empregado agora pela Polícia da Turquia na repressão aos crescentes protestos contra o governo de Recep Tayyip Erdogan, que se estenderam por mais de 60 localidades de todo o país, deixando centenas de feridos e uns 2.000 detidos.

A Anistia Internacional confirmou o uso do gás lacrimogêneo brasileiro durante as manifestações, que se iniciaram depois de um protesto pacífico contra o corte de 600 árvores na Praça Taksim, em Istambul. A professora norte-americana Suzette Grillot, que está em Ancara, fotografou um dos projéteis brasileiros utilizados pela polícia: “Um membro de nosso grupo encontrou a cápsula na noite de ontem (3 de junho), em Ancara”, relatou a Agência Pública.

O gás lacrimogêneo brasileiro vem sendo utilizado desde o começo dos protestos, em 31 de maio, em Istambul. “Aquele dia tinha apenas um pequeno grupo de ambientalistas. A polícia invadiu o parque às cinco da manhã, quando o grupo dormia nas tendas. Os policiais queimaram as tendas e atacaram os manifestantes com gás lacrimogêneo”, conta um participante do movimento Occupy Gezi, que preferiu não identificar-se por medo de represálias. “Os policiais tinham que apontar os projéteis de gás para cima, mas os apontavam para nós. Alguns perderam a vista ao serem atingidos diretamente (pelos projéteis). Outros receberam os disparos nos braços e nas pernas. Existem centenas de vídeos mostrando os efeitos do gás: lágrimas, náusea, vômito, dificuldades para respirar”.

O escritório de Direitos Humanos da ONU pediu à Turquia que conduzisse uma investigação independente sobre a conduta de suas forças de segurança em relação aos protestos. “Estamos preocupados com os relatos de uso excessivo de força pelos agentes da lei contra os manifestantes”, disse um porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Cecile Pouilly.

A cápsula fotografada pela norte-americana Suzette Grillot é o resto de um projétil lacrimogêneo de longo alcance (GL 202), produzido pela Condor, líder na produção deste tipo de arma na América Latina. O projétil alcança uma distância média de 120 metros e tem a capacidade de passar por cima de obstáculos como muros e barricadas “para desalojar pessoas e dissolver grupos de infratores da lei”, segundo a descrição do próprio fabricante. Somente a má utilização dos projéteis, explica a Condor em seu site, pode causar danos sérios à saúde e, inclusive, a morte.

Outra foto tirada por manifestantes mostra uma granada lacrimogênea de movimentos aleatórios (GL 310), também conhecida como “bailarina”. Ao tocar o solo, a bomba salta e se move em diversas direções, espalhando o gás por uma área grande, evitando que o “alvo” a atire de volta às forças policiais. O site da empresa explica que a granada pode gerar chamas de fogo em contato com materiais inflamáveis.

Além dos projéteis de longo alcance e da granada “bailarina”, a Condor produz sprays de gás lacrimogêneo e de pimenta, bombas de fumaça, balas de borracha e pistolas elétricas incapacitantes, conhecidas como “taser”. A Condor é a única empresa brasileira que vende estes equipamentos ao governo da Turquia, segundo divulgou sua assessoria de imprensa. Em 2011, a empresa já tinha confirmado a venda de armamento aos países árabes, ainda que tenha negado a venda diretamente ao Bahrein. Entre seus clientes estava o governo dos Emirados Árabes Unidos, que enviou tropas de apoio ao governo de Bahrein.

Em abril deste ano, a Condor assinou outro contrato com o governo dos Emirados pelo valor de US$ 12 milhões em troca de prover 600 mil unidades de munições não letais. O acordo foi anunciado durante a LAAD, a maior feira de defesa e segurança da América Latina, realizada no Riocentro (Rio de Janeiro), em abril.

Menos de um mês antes do início dos protestos na Turquia, o governo brasileiro apoiou um encontro de empresas de armamentos brasileiros com compradores estrangeiros em Istambul. Durante a mostra Internacional de Defesa 2013 (IDEF), realizada entre 7 e 10 de maio, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil) e a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde) – cujo vice-presidente, Carlos Frederico Queiroz de Aguiar, é presidente da Condor – montaram um vistoso stand no pavilhão do Brasil.

Na parte correspondente à Condor, uma vitrine exibia variados projéteis metálicos, granadas e latas de sprays coloridas, iguais aos que seriam utilizados poucas semanas depois nas ruas desse mesmo país. Sob o nome da empresa, com uma faixa vermelha, também foram expostas a granada “bailarina” e “diversas soluções para a defesa” – segundo o slogan da indústria –, como os 13 tipos de munição incapacitante de 40 x 46 mm para lançadores.

Interrogada sobre a participação da Condor e outras empresas brasileiras na Turquia, a Apex não respondeu à Agência Pública até o momento desta publicação. De acordo com o periódico turco Sozcu, o Ministro de Comércio, Hayati Yazici, informou que nos últimos 12 anos o país importou 628 toneladas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta, sobretudo do Brasil e dos Estados Unidos. O valor das importações chegou a US$ 21 milhões.

Em fevereiro deste ano, a Abimde já tinha participado de outra feira de armamento, desta vez em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Novamente, a Condor participou do evento como a única empresa brasileira produtora de armas não letais.

O Brasil assinou, em 3 de junho, o Tratado sobre o Comércio de Armas (ATT, em inglês) da ONU. De acordo com o texto, que busca a eliminação do comércio de armas aos genocidas, terroristas e ao crime organizado internacional, “será regulado o comércio de armas convencionais, estabelecendo critérios para a exportação e trazendo mais transparência às transferências”.

Considerado um grande avanço para um país que evita a transparência quando se trata da venda de armas brasileiras – o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior se nega a divulgar números de empresas que exportam armas, por exemplo –, o Tratado não tem definições específicas sobre o comércio de armas não letais.

Os produtos da Condor são vendidos a mais de 40 países. Porém, enquanto a Apex incentiva a exportação a países como Turquia e os Emirados Árabes, o uso dessas mesmas armas não letais é questionado pela justiça brasileira. Em novembro do ano passado, a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos decidiu investigar as consequências para a saúde do uso dessas armas no país. A pedido da organização Tortura Nunca Mais, de São Paulo, foi criado um grupo de trabalho (GT) composto por representantes dos ministérios da Justiça, Defesa e Saúde e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, além das polícias federais, estaduais e das guardas municipais, para acompanhar os projetos de lei sobre o tema. Tudo isso porque não existe uma norma nacional para limitar condutas e garantir o uso adequado de tais armamentos.

O GT também deve realizar um estudo comparativo dos programas de treinamentos policiais e estudos sobre as consequências para a saúde das pessoas atingidas, em especial por armas que utilizam eletrochoques e componentes químicos. “Nossas polícias estão usando este tipo de armas supostamente não letais de maneira ostensiva”, disse Wilson Furtado, do Tortura Nunca Mais, de São Paulo. “A Polícia, em lugar de deter uma pessoa, atira em seguida, atingindo principalmente jovens que estão protestando”.

O grupo pede uma legislação que discipline e regule os armamentos não letais, definindo os tipos de armamentos autorizados e as normas para a compra, o controle, o emprego e o uso, além de mecanismos de informação aos cidadãos.

As armas não letais da Condor são amplamente utilizadas por policiais em todo o país – e pelo governo federal. Os programas federais compram tais armas, por exemplo, para as UPPs, no Rio de Janeiro, e para as forças policiais de 12 Estados envolvidos no programa “Crack, é possível vencer” – incluindo pistolas de choque, como “tasers”, e sprays de pimenta. Só com vistas aos megaeventos – a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014, o Brasil já destinou R$ 49 milhões à Condor.

Em abril de 2012, segundo o Portal da Transparência, o governo federal gastou R$ 1,5 milhões na compra de munições não letais da Condor para o uso do Exército na “garantia da lei e da ordem nos complexos do Alemão e da Penha”. Entre os itens adquiridos existiam 1125 granadas explosivas de luz e som (GL 307), 500 granadas multi-impacto de pimenta (GM 102) e 500 granadas de fumaça, 29,5 mil cartuchos de balas de borracha e 700 granadas lacrimogêneas de movimentos aleatórios (GL 310) – a mesma utilizada contra as manifestações na Turquia.

Em junho, o governo comprou armamentos da Condor para a segurança do Rio + 20, por um total de R$ 1,3 milhões. Entre eles, mais de 900 sprays de pimenta, 1,3 mil granadas lacrimogêneas triplas, 870 granadas explosivas de luz e som e 5 mil cartuchos calibre 12, com projéteis de borracha.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB) (Com o site do PCB)

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