segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

A Revolução de Fevereiro de 1917

                                                  

"O ano de 1917 ficou definitivamente gravado no calendário da história como o ano em que a classe operária, intervindo de forma independente, demonstrou a sua capacidade como classe criadora de uma nova forma de organização social, o socialismo."

Domingos Abrantes

Por ocasião dos 100 anos da revolução democrática burguesa na Rússia, de Fevereiro de 1917, é oportuno recordar esse extraordinário acontecimento que, no seu desenvolvimento, é inseparável da Revolução Socialista de Outubro, acontecimento maior em todo o século XX e cujo centenário se comemora igualmente este ano.

A importância da Revolução de Fevereiro ressalta do facto de ter sido a primeira revolução popular triunfante e ainda do facto de ter posto fim a mais de 300 anos de reinado da Casa dos Románov, a monarquia mais reaccionária e sanguinária, se ter tornado num acontecimento de importância internacional e o proletariado russo e o Partido Bolchevique se terem guindado de facto à condição de vanguardas do processo revolucionário mundial. 

Acresce ainda que muitas das suas experiências se tornaram património comum ao adquirem carácter de validade universal. Durante os acontecimentos memoráveis do ano de 1917, na actividade do Partido Bolchevique e do proletariado russo manifestaram-se processos que de um ou outro modo deveriam repetir-se, se repetiram e não deixarão de repetir-se no futuro, em outros países. 

Processos comprovados desde então até aos nossos dias e que os comunistas portugueses, participantes na mais recente revolução que teve lugar na Europa, puderam confirmar, nomeadamente quanto ao papel revolucionário da classe operária no aprofundamento das transformações democráticas e na sua defesa; o carácter indissolúvel entre a defesa das liberdades, da democracia e a liquidação do poder económico dos monopolistas e dos latifundiários; a tendência dos sociais-democratas para os compromissos com os derrotados da véspera com o objectivo de sufocarem as conquistas revolucionárias do movimento operário e popular; as ingerências do imperialismo na vida interna dos estados e dos povos.

Ao mostrar o carácter indissolúvel entre a satisfação das reivindicações políticas, económicas e sociais dos trabalhadores e das massas populares e grandes transformações sócio-económicas e quanto é ilusório falar em liberdade e democracia para as massas mantendo intacto o poder económico, político, cultural e militar das classes dominantes, a Revolução de Fevereiro fez avançar significativamente a natureza e o conteúdo do conceito de revolução social.

A Revolução de Fevereiro alterou profundamente o quadro da evolução do mundo. Com o desmoronar da monarquia csarista, polarizaram-se as forças de classe à escala mundial; a luta de massas contra a guerra imperialista e a luta dos trabalhadores pela satisfação de reivindicações políticas, económicas e sociais, ganharam novo impulso; reforçaram-se as posições orgânicas e ideológicas do movimento operário e das correntes socialistas revolucionárias – em oposição às correntes oportunistas da social-democracia da II Internacional, atascadas no pântano do oportunismo e da cumplicidade com a guerra imperialista.


A primeira etapa

A confirmação prática da palavra de ordem dos bolcheviques de que para acabar com a guerra se impunha, aos trabalhadores e aos povos, a imperiosa necessidade de transformar a guerra imperialista em guerra civil contra o domínio da burguesia, ganhou grande adesão, impulsionou a luta contra a guerra e pela paz e tornou-se uma ameaça para o domínio da burguesia.

Esta palavra de ordem bolchevique, cuja elaboração coube a Lénine, tinha um enorme alcance estratégico na medida em que não se limitava a colocar apenas a luta por uma reivindicação imediata –  no caso da Rússia o desencadear de acções com vista ao derrube da monarquia czarista – mas também a necessidade de pelas formas de luta, sistema de alianças, reivindicações políticas, económicas e sociais, ampliar esse resultado na perspectiva do socialismo, de que a revolução democrática burguesa seria a primeira etapa.

 Os bolcheviques não foram apanhados de surpresa com os acontecimentos de Fevereiro, além de que tinham ideias bem precisas, quer quanto à natureza da revolução que acabava de triunfar, quer quanto à questão da sua transformação em revolução socialista, cuja teoria começou a ser elaborada por Lénine no decurso da Revolução de 1905-1907 e de que a sua obra «Duas Tácticas da Social-Democracia na Revolução» continua a ser fonte de pensamento criador na nossa época.~

Obviamente que, naquela altura, Lénine não podia adivinhar que um mês depois a Rússia iria entrar nas dores de parto da revolução. O que sabia é que amadureciam, objectivamente, em praticamente todos os países envolvidos na guerra, as condições para a eclosão de uma crise revolucionária. Foi na Rússia, à época o país em que todas as principais contradições do sistema capitalista se apresentavam de forma aguda e concentrada que a crise rebentou. 

A Rússia tinha-se tornado, por um conjunto de circunstâncias históricas, no centro do movimento revolucionário mundial. Os efectivos da classe operária tinham crescido significativamente. Em nenhum outro país do mundo eram tão elevados os níveis de concentração da classe operária (60% de todos os operários trabalhavam em empresas com mais de 500 trabalhadores, havendo várias empresas com mais de 10 000 e mesmo mais de 20 000) e em nenhum outro país existia um partido revolucionário tão solidamente implantado nas empresas e com tanta influência na direcção da luta da classe operária. 

A Rússia era praticamente o único país em que a classe operária não tinha sido contaminada pelo «vírus» do chauvinismo da II Internacional. A Rússia foi, por isso, o país no qual se criaram, em primeiro lugar, as condições para que a classe operária passasse à ofensiva.

O ascenso da luta revolucionária da classe operária na Rússia pode avaliar-se pela gigantesca amplitude das lutas das massas operárias, lutas secundadas por grandiosas acções de camponeses e soldados.

A Revolução de Fevereiro resultou pois de um gigantesco e combativo movimento de massas que, compaginando formas de luta legais e ilegais, pacíficas e não pacíficas, fundiu numa torrente única a luta da classe operária, do campesinato, dos soldados e a luta do movimento nacional dos povos subjugados pelo csarismo, sob a direcção do Partido Bolchevique – o único partido que dispunha de uma organização nacional e de um programa fundamentado para a revolução.

A Revolução de Fevereiro criou uma situação verdadeiramente original e única. O governo que ascendeu ao poder devia esse poder às massas que apresentavam reivindicações que o governo, pelos seus interesses de classe, não podia satisfazer, mas também não tinha força real para enfrentar as massas que não estavam dispostas a abdicar das suas reivindicações, nem a protelar o fim do envolvimento da Rússia na guerra.

Situação original e única dado o facto da revolução, pela sua natureza, ser democrática burguesa e já o não ser pela forma, na medida em que a intervenção das massas e o poder dos sovietes tinham impulsionado a revolução muito para além das revoluções democrático-burguesas correntes.


Antestreia da Revolução de Outubro
                                                             
As teses de Lénine só fizeram curso através de uma intensa discussão ideológica, em que muitas vezes se encontrou em franca minoria. A realidade, a revolução no concreto, colocava muitos problemas que a teoria não previra ou previra de forma diferente. Era preciso perceber que «…as palavras de ordem e as ideias bolcheviques, em geral, foram plenamente confirmadas pela história, porém concretamente as coisas resultaram de outro modo do que quem quer que fosse podia esperar, de modo mais original, mais peculiar, mais variado». (Lénine, Obras Escolhidas em seis volumes, Tomo 3, edições «Avante!», pág. 122.)

Assumiram particular relevância as questões relativas ao papel do partido revolucionário, ao Estado, à democracia como parte integrante da luta pelo socialismo e à revolução socialista na fase imperialista, questões a que Lénine dedicou particular atenção desde a Revolução de 1905-1907.

A vitória de Fevereiro traduziu-se em importantes conquistas políticas das massas populares: liberdade de acção livre e aberta a todos os partidos políticos; libertação dos presos políticos e regresso dos emigrados, abolição da censura à imprensa, liberdade de expressão, de reunião e manifestação.

A existência e a actividade dos sovietes, como expressão do poder popular eram uma conquista sem paralelo em qualquer democracia burguesa. A Rússia era à época o país mais livre, mais democrático do mundo.

Foi nestas condições que, como Lénine previra, a conquista da democracia na Rússia não marcou, nem podia marcar, o fim da revolução, mas deveria abrir caminho ao desenvolvimento da revolução, rumo à revolução socialista.

Tendo a Revolução de 1905-1907 sido o ensaio geral das revoluções de 1917, a Revolução de Fevereiro foi a antestreia da Revolução Socialista de Outubro, a revolução que deu aos povos da Rússia «exaustos pela guerra, a paz, o pão e a liberdade». 

O ano de 1917 ficou definitivamente gravado no calendário da história como o ano em que a classe operária, intervindo de forma independente, demonstrou a sua capacidade como classe criadora de uma nova forma de organização social, o socialismo.

(Com o Avante/Diário Liberdade)

Um comentário:

  1. em cuba, tambem, quem otmou o poder primeiro nãi foi fidel. Mas, o novo governo revolucionário quis deter a revolução e fidel tomou o poder, felizmente.

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