sábado, 15 de fevereiro de 2014

A Lei é o Crime

                                                   

Lincoln Secco (*)

“O criminoso não produz apenas crimes, mas ainda o Direito Penal (...). O criminoso produz ainda a organização da polícia e da Justiça penal, os agentes, juízes, carrascos, jurados (...). Somente a tortura possibilitou as mais engenhosas invenções mecânicas e ocupa uma multidão de honestos trabalhadores na produção desses instrumentos”. (Karl Marx, Teorias da Mais Valia).

No dia 10 de fevereiro ocorreu a lamentável morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade atingido numa manifestação no Rio de Janeiro. Imediatamente vozes da imprensa se ergueram contra os manifestantes que agridem (sic) a polícia e agora até jornalistas! Na tribuna do senado homens “probos” como Renan Calheiros pediram a prisão de manifestantes e o impagável Jorge Vianna (PT-AC) ressuscitou o projeto de lei contra o “terrorismo”. Este é um momento delicado porque a Direita acredita que tem um mártir.

Mentiras

Não é verdade que manifestantes saem às ruas para atacar pessoas. Os ataques são sempre ao patrimônio simbólico de grandes instituições financeiras. Simbólicos sim porque uma vidraça quebrada tem praticamente custo zero para tais empresas. Obviamente que ao serem acuados, agredidos, atropelados (como uma jovem de 18 anos em São Paulo), baleados (como outro jovem na mesma cidade), perseguidos aleatoriamente por pura vingança, os manifestantes reagem. Quebram catracas, ônibus e atiram pedras nos policiais em legítima defesa.

Indignação Seletiva

Quando Douglas Martins Rodrigues, 17 anos, foi morto pela PM no Jaçanã, zona norte de São Paulo, grande parte da imprensa tratou da revolta espontânea da população local como “vandalismo”. E quem se choca com milhares de mortes de pobres nas periferias todos os anos?

Lei Celerada

Nada disso justifica matar um cinegrafista. Mas esta morte também não justifica uma lei criminosa. Em junho de 1927 o presidente Washington Luiz apoiou a chamada “lei celerada” que criminalizava protestos públicos e greves. Houve intervenções nos sindicatos e os anarquistas e comunistas foram presos. 

Aos “tenentes” no exílio ou na clandestinidade lhes foi negada a anistia. E assim tudo correu bem até que a chamada “Revolução de 1930” varreu aquele presidente do poder. Em São Paulo a população invadiu e depredou a chamada “Bastilha do Cambuci” onde os presos políticos eram torturados.

É evidente que depois ingressamos em nova forma de dominação.

Terrorismo?

A lei contra o terrorismo é tão estapafúrdia, causa tanto horror nos meios jurídicos progressistas que precisa buscar exemplos tão frágeis quanto o de inventar uma “organização criminosa bloco negro”. Que ela não existe a polícia já sabe, é óbvio. Qualquer um pode empregar esta tática. Mas como o Estado, a grande imprensa e alguns estudiosos do Direito Penal, a Polícia também vive do crime.

No nosso caso, em que o próprio regime político é criminoso e a democracia é racionada, é necessário periodicamente reinventar os crimes políticos. A fachada democrática atual ainda não permite que sejam tratados enquanto tal. É que na verdade tais crimes sequer existem. Por isso, é preciso inventá-los. Afinal, como se justificariam os batalhões de choque sem os temíveis blocos negros?

(*) Lincoln Secco [e professor de História Contemporânea na USP

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