quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Saudoul, um oficial francês que aderiu à Revolução de Outubro


                                                                            

Miguel Urbano Rodrigues 

Em Outubro do ano passado, a Editora Turner lançou em Madrid um livro a que a crítica dedicou extensas recensões contraditórias: Cartas desde la Revolucion Bolchevique, de Jacques Sadoul* (1881-1956).

É uma tradução do original francês, Notes sur la Revolution Bolchevique, publicado em Paris em 1919.
O atraso de quase um século da versão espanhola explica-se pelo caracter polémico da obra e pelas perseguições de que autor foi alvo. Hoje o seu nome está quase esquecido. A imagem de Sadoul no Exercito Francês é má.

O livro, como o título indica, é uma colectânea de cartas, enviadas de Petrogrado e Moscovo entre Outubro de 1917 e Janeiro de 1919. A grande maioria dirigidas ao seu amigo Albert Thomas, que foi dirigente do Partido Socialista Francês e ministro dos Armamentos no início da Guerra de 14/18. 

Duas dessas cartas têm porém como destinatário Romain Rolland, Premio Nobel de Literatura, e a Introdução, elogiosa, é de Henri Barbusse, outro escritor famoso.

Sadoul era um capitão do exército quando foi colocado na Rússia como membro da Missão Militar Francesa.

A sua tarefa consistia em recolher e enviar informações sobre a Rússia onde o Partido Bolchevique acabava de tomar o poder.

O jovem oficial, mergulhado no caldeirão revolucionário, demonstrou quase imediatamente uma grande perspicácia e isenção na interpretação de uma realidade extremamente complexa. A sua tarefa foi muito difícil porque quase todos os representantes da França na ex-capital, a principiar pelo embaixador Noulens, eram ostensivamente anticomunistas e estavam persuadidos de que o governo soviético não tinha condições para durar muitos dias.

Logo nas primeiras cartas, Sadoul transmite uma opinião oposta à do pessoal diplomático e dos militares da Missão.

Discorda do apoio francês às forças e partidos contra-revolucionários, e denuncia a sabotagem dos industriais, dos financeiros e técnicos que se esforçam por inviabilizar as medidas tomadas pelo governo dos comissários do povo.

O capitão francês lembra repetidamente que não é comunista e chama a atenção para a desordem imperante no gigantesco país e para a carência de quadros comunistas competentes.

Sadoul é um socialista de esquerda com vagas leituras marxistas. A insuficiência da sua formação política transparece aliás da convicção de que a revolução bolchevique tinha uma direcção bicéfala. Ao referir o governo dos comissários do povo cita sempre Lenin-Trotsky. Para esse grave erro contribuiu o facto de ter mantido desde a sua chegada contactos preferenciais com Trotsky.

Sadoul desejava, no cumprimento da sua missão, que a Rússia bolchevique prosseguisse a guerra contra a Alemanha e a Áustria e manteve durante muitos meses a ilusão de que era possível a colaboração militar entre os Aliados - França, Inglaterra e Estados Unidos - com a república soviética.

Não escondeu o seu desejo de que fracassassem as negociações para uma paz separada com a Alemanha. A sua simpatia por Trotsky impediu-o inclusive de se aperceber de que no final das jornadas de Brest Litowsk ele recusou assinar o Tratado de Paz, assumindo uma posição incompatível com a de Lenin, o que lhe valeu aliás a renuncia ao cargo de comissário para as Relações Exteriores.

A ADESÃO AO COMUNISMO

Foi gradual mas lenta a evolução do pensamento político de Jacques Sadoul.

No início, o seu idealismo filosófico para ele, o americano Wilson foi um grande presidente com vocação socialista - dificultou a compreensão da estratégia de Lenin. Ingénuo, admitiu que os primeiros desembarques dos ingleses em Murmansk, no Árctico, tinham por objectivo criar uma nova frente de combate contra os alemães. 

Foi o bombardeamento britânico de Arkangelsk que lhe abriu os olhos para a evidência. Reconheceu então que a intervenção militar das potências da Entente na Rússia fora concebida no âmbito de uma política de hostilidade à revolução soviética.

Em Janeiro de 1918, apos a dissolução da Assembleia Constituinte, dominada pelos partidos da burguesia, Sadoul, que na praxis da Revolução, trocara o idealismo pelo materialismo histórico, escreveu numa das suas cartas: o sistema soviético parece infinitamente superior ao sistema parlamentar que conhecemos». E acrescentou: «O sistema soviético é mais verdadeiro, mais profundamente popular, mais apto para satisfazer as aspirações das massas, mais vivo e mais flexível».

Em Janeiro de 1919, gravemente doente em Moscovo, numa carta a Longuet, director do Populaire, desabafou: este ódio implacável contra a revolução russa é uma vergonha para a França supostamente republicana e democrática que renega assim todo o seu passado».

Pretendia regressar a França se a Justiça anulasse um processo instaurado contra ele pelos antigos colegas da Missão Militar. Mas o julgamento foi adiante. O Tribunal condenou-o à morte por «traição».

Forçado pelas circunstâncias a permanecer na União Soviética, colaborou intimamente com o PCUS. Desempenhou funções de inspector no Exercito Soviético e trabalhou durante três anos no executivo da III Internacional. O governo soviético condecorou-o com a Ordem da Bandeira Vermelha.

Quando o julgamento que o condenara foi anulado, regressou a França e inscreveu-se no PCF. Foi correspondente do Izvestia, de Moscovo, e colaborador de LHumanité.

Ao falecer aos 77 anos, no Var, Provença, não participava há muito de qualquer actividade política.

*Jacques Sadoul, Cartas desde la Revolución Bolchevique, 500 páginas, Turner Publicaciones, Madrid, octubre de2016

Vila Nova de Gaia, 16 Maio de 2017

(Com ODiario.info/Prestes a Ressurgir)

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