domingo, 6 de março de 2016

Angola

                                                   

                            55 Anos do início da luta armada

Carlos Lopes Pereira  (*)

«O 4 de Fevereiro de 1961, arranque da luta armada de libertação nacional, não aconteceu por acaso.

No começo dos anos 60, em contexto mundial favorável – a emancipação dos povos da Ásia e da África avançava com o apoio do campo socialista –, a resistência em Angola ampliava-se.

Na clandestinidade, os militantes do MPLA( Movimento Popular pela Libertação de Angola) e outros patriotas «forjavam as armas da insurreição». O aparelho colonial era impiedoso, aumentava a violência policial, espalhava-se entre os opressores o medo do contágio patriota com a independência do vizinho Congo, as cadeias angolanas estavam repletas de simpatizantes da causa da liberdade.»

Foi há 55 anos.


O início da luta armada de libertação nacional em Angola, há 55 anos, marcou o começo do fim do colonialismo português em África.

A 4 de Fevereiro de 1961, em Luanda, patriotas angolanos atacaram prisões para libertar presos políticos, que iam ser levados para o campo do Tarrafal, em Cabo Verde.

Na madrugada de 4 de Fevereiro, patriotas armados de catanas atacam a Casa da Reclusão Militar, a Cadeia Civil de São Paulo, a cadeia da 7.ª esquadra da Companhia Móvel da PSP na estrada de Catete, a Emissora Oficial de Angola e o edifício dos CTT. O resultado não foi o planeado: «A operação não atinge o seu objectivo que era libertar os presos políticos do “Processo dos 50” que se encontravam, na sua maioria, na Casa da Reclusão Militar, mas o mundo fica a conhecer a revolta. Morreram 15 amotinados e muitos ficaram feridos. O outro grupo que deveria atacar o Aeroporto Craveiro Lopes e incendiar os aviões estacionados na placa e nos hangares (…) falhou a missão».

A rebelião armada teve o apoio do cónego Manuel das Neves e foi dirigida por Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, Domingos Manuel Mateus, Imperial Santana e Virgílio Francisco e executada por 220 homens. Os organizadores principais e muitos participantes eram do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que aglutinou e unificou vários núcleos de patriotas surgidos ao longo da década de 50.

Na altura, o MPLA, com dirigentes como Mário de Andrade, Viriato da Cruz e Lúcio Lara, tinha a sede em Conakry, capital da jovem República da Guiné. O médico e poeta Agostinho Neto, já então prestigiado líder do movimento popular que conduziu vitoriosamente a luta independentista de Angola, encontrava-se deportado na ilha cabo-verdiana de Santo Antão.

Depois de várias prisões pela PIDE, ao longo dos anos 50, enquanto estudante em Portugal – acusado de ser um dos dirigentes do MUD Juvenil e de «actividades subversivas, de carácter comunista» – Neto concluiu o curso e os estágios de Medicina e regressou a Angola, em finais de 1959. Meses depois, foi preso em Luanda, transferido para Lisboa e, após meses na prisão, deportado para Cabo Verde, a sua cadeia com grades de água.

Em 1961, face ao grande movimento de solidariedade nacional e internacional, foi libertado da prisão e desterrado para Cabo Verde, onde esteve com residência fixa. Aquele que veio a ser o primeiro presidente da República Popular de Angola, o Dr. Agostinho Neto, saiu clandestinamente de Portugal por mar num pequeno iate, a partir do Algarve para o Norte de África, numa operação organizada pelo PCP.

Um facto que levou à rápida divulgação internacional das acções patrióticas do 4 de Fevereiro foi a presença em Luanda de numerosos jornalistas estrangeiros, atraídos pelos rumores da chegada próxima do paquete Santa Maria, com centenas de passageiros, apresado no mar das Caraíbas por um grupo anti-fascista chefiado por Henrique Galvão, dissidente do salazarismo.

«O povo rasga a noite colonial»

O 4 de Fevereiro de 1961, arranque da luta armada de libertação nacional, não aconteceu por acaso.

No começo dos anos 60, em contexto mundial favorável – a emancipação dos povos da Ásia e da África avançava com o apoio do campo socialista –, a resistência em Angola ampliava-se. Na clandestinidade, os militantes do MPLA e outros patriotas «forjavam as armas da insurreição». O aparelho colonial era impiedoso, aumentava a violência policial, espalhava-se entre os opressores o medo do contágio patriota com a independência do vizinho Congo, as cadeias angolanas estavam repletas de simpatizantes da causa da liberdade.

Um mês antes do ataque às prisões de Luanda, tinha ocorrido na Baixa de Cassange a revolta dos camponeses plantadores de algodão da empresa Cotonang. A repressão, com infantaria e aviação, provocou um massacre, a destruição de aldeias e a debandada de populações para países vizinhos.

De igual modo, a resposta das autoridades coloniais – tropa, polícia e milícias civis – ao 4 de Fevereiro em Luanda fez-se com a maior barbaridade.

Mário de Andrade, presidente do MPLA nesse momento, num texto intitulado «O povo rasga a noite colonial», publicado também pela Fundação Agostinho Neto, fala em «genocídio» e cita uma testemunha dos acontecimentos ocorridos desde o dia do funeral dos sete soldados e polícias portugueses tombados: «Enquanto os civis europeus se arremessam impetuosamente sobre os bairros africanos vizinhos do cemitério, a polícia e o exército atiram sobre todos os africanos visíveis.

De manhã cedo, camiões de lixo passaram pela primeira vez nos bairros africanos, não para levar o lixo mas sim cadáveres empilhados: os corpos são deixados directamente no cemitério e deitados na vala comum. Nos postos da PIDE, a ocasião foi aproveitada para se desembaraçarem de centenas de presos, mortos friamente à baioneta “para economizar balas”. A caça ao homem prosseguiu nas ruas Luanda aos gritos de “matem Lumumba” (…)». Nesses dias, terão sido chacinados três mil angolanos em Luanda.

Estes e outros crimes do colonialismo português em África podiam ter sido evitados.

O MPLA, em Junho de 1960, endereçou ao governo de Lisboa uma declaração com condições para «uma solução pacífica do problema colonial em Angola». Em Novembro desse ano, também o PAIGC, liderado por Amílcar Cabral, enviou um memorando propondo medidas para «a liquidação pacífica da dominação colonial» na Guiné-Bissau e em Cabo Verde.

A ditadura colonial-fascista chefiada por Salazar rejeitou a opção pacífica e preferiu sujeitar o povo português e os povos angolano, guineense e moçambicano a longas e cruéis guerras, a que só a Revolução de Abril, em Portugal, e as independências das colónias africanas, até 11 de Novembro de 1975, puseram fim.

Esta será a maior lição do 4 de Fevereiro: face à opressão pela feroz ditadura fascista e à exploração pelo retrógrado sistema colonial português, só a luta armada podia libertar os povos.

Nota de odiário.info: A foto que ilustra este texto é a reprodução da página do Diário de Lisboa que´, em 4 de Fevereiro de 1961, reproduzia sem comentários a nota do Secretariado Nacional de Informação (SNI), sobre o início da luta armada em Angola.

(*) Jornalista

Este texto foi publicado no Avante nº 2.205 em 3 de Março de 2016

(Com odiario.info)

Nenhum comentário:

Postar um comentário