sexta-feira, 4 de julho de 2014

A hipocondria da antipolítica

                                                                      
João Carlos Graça [*]

"A hipocondria da antipolítica – História e atualidade na análise de Hegel", nova obra de Domenico Losurdo, acaba de ser lançada pela editora brasileira Revan (2014, 400 p., ISBN 9788571065086). O presente texto é a introdução do livro.

Hegel atual

Domenico Losurdo é um dos mais importantes pensadores da viragem de século XX/XXI, constituindo a sua obra um dos mais notáveis empreendimentos de renovação e aprofundamento da tradição intelectual que se liga a Karl Marx. A respeito das especificidades do marxismo de Losurdo, e admitindo embora a necessidade de circunstancialmente desconsiderar aspetos todavia importantes (como os que encontram expressão no estudo sobre Heidegger e a "ideologia de guerra" alemã em 1914-18, na sua magistral biografia intelectual de Nietzsche, no livro de discussão da "lenda negra" associada a Stalin, no tratamento do caso do marxismo de Gramsci, etc.), é justo sublinhar aqui a atenção dada ao problema do eurocentrismo da análise, ou, noutros termos, a clara assunção da importância de ultrapassar a noção oitocentista de "povos sem história", sem que todavia essa inclinação desemboque, em Losurdo, num qualquer culto pós-moderno da "diferença", bem pelo contrário, dado que é integrada e balizada pelo fôlego acrescido do seu universalismo e da sua preocupação com o horizonte da "humanidade comum". 

Importantíssimo é igualmente o reconhecimento explícito, por Losurdo, das componentes "não-econômicas" dos dispositivos sociais de submissão, mesmo nas sociedades liberais-capitalistas típicas ou "maduras", isto é, muito para além duma qualquer simples "acumulação primitiva do capital". Na verdade, pode, segundo o filósofo marxista italiano, falar-se de um processo de simultâneas emancipação e "desemancipação" caracterizando a globalidade da história das sociedades liberais-capitalistas, sendo nesse contexto merecedoras de destaque a sua reformulação do conceito de "bonapartismo" e a apresentação da noção de "monopartidarismo competitivo". 

É também digna de relevo a consciência de Losurdo quanto à importância, para o marxismo realmente existente, de ultrapassar a sua carga messiânica, oficialmente apostada no "desaparecimento progressivo do Estado", carga que o tem ao longo dos tempos tornado tendencialmente incapaz de absorver, reprocessando-as criativamente, as lições "liberais" da importância dos contrapesos políticos, do predomínio dos princípios do "Estado de direito" e afins. 

Em paralelo com a alínea anterior, é enfim digna de nota a recuperação losurdiana da figura de Hegel para a tradição marxista, no âmbito de uma clara preocupação de ligar esta aos combates pela emancipação filiando-se conscientemente na revolução francesa. Quanto a isto, de tratamento análogo beneficiam na sua obra, embora em menor grau, os legados de Kant e de Fichte. É, porém, sobretudo à tradição filosófica filiando-se em Hegel que Losurdo apela para destacar, por exemplo, a importância da noção de "contradição objetiva", bem como a consistente denúncia das tendências para a evasão deliberada da vida política, a qual encontra plena expressão nas figuras de "alma bela" e sobretudo de "hipocondria da antipolítica", tal como neste volume  podemos confirmar abundantemente.

[*] Doutorado em Economia e Agregado em Sociologia, Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e investigador do Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações (SOCIUS), ambos da Universidade de Lisboa. 

Sumário de A hipocondria da antipolítica: 
Fontes e agradecimentos 
Introdução – A hipocondria do antipolítico: um diagnóstico 
Primeira parte  – A filosofia de Hegel como tratado epistemológico-político 
Capítulo 1 – As categorias da revolução na filosofia clássica alemã 
Capítulo 2 – Abstrato/concreto. Hegel, Nietzsche, Marx (e a tradição marxista) 
Segunda parte  – O que significa agir politicamente? 
Capítulo 3 – Hegel, a Vida de Hegel e o fascínio pela política 
Capítulo 4 – Racionalidade do real e educação para a política 
Capítulo 5 – O fim do período estético 
Terceira parte  – Lógica, política e questão social 
Capítulo 6 – A dialética entre "direita" e "esquerda 
Capítulo 7 – Salto qualitativo e contradição objetiva: as reservas de Rosenkranz 
Capítulo 8 – Contradição objetiva e análise da sociedade: Kant, Hegel, Marx 
Quarta parte  – História, metafísica e antimetafísica 
Capítulo 9 – A luta pela história 
Capítulo 10 – Religião e ideologia no idealismo alemão 
Capítulo 11 – Kant, Hegel e a metafísica 
Quinta parte  – Crítica à revolução e celebração do impolítico 
Capítulo 12 – Reação empirista e teologia 
Capítulo 13 – De Luís Felipe a Luís Bonaparte – A evolução política do último Schelling 
Capítulo 14 – Arte, metafísica e economia política em Schopenhauer 
Sexta parte  – A Alemanha e a Europa: um olhar de conjunto 
Capítulo 15 – Idealismo alemão, liberalismo alemão e liberalismo europeu 

O original encontra-se em www.domenicolosurdoinfobrasil.blogspot.com.br/... 

Esta introdução encontra-se em http://resistir.info/ .

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