sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Dia 7 de outubro de 1963. Trabalhadores se revoltam contra as mas condições de trabalho e baixos salários. Aí acontece o Massacre de Ipatinga


                                              
                                                                  
                              José Carlos Alexandre                             

O dia 7 de outubro é uma data marcante para o movimento operário brasileiro. Não não se confundir com 7 de novembro de 1917, quando trabalhadores unidos a camponeses e a soldados depois Exército Vermelho derrubaram a monarquia russa e estabeleceram um governo próprio na Rússia, depois transformada na União Soviética.

Falo do Massacre de Ipatinga. Ninguém sabe ao certo quando trabalhadores da Usiminas morreram. Seriam 33? Seriam 80?. Mesmo o número de feridos, estimado em três mil é incerto.Com toda certeza e este é um fato importante, foi a revolta dos trabalhadores contra o tratamento discriminatório que recebiam por parte dos patrões.

Eles eram antipaticamente revistados à saída do trabalho.  Mas este foi apenas um dos episódios da revolta.Havia também a questão do excesso de trabalho, mas condições de higiene e segurança, salários não compatíveis com o alto custo de vida etc.

Na noite de seis de Outubro de 1963, durante a saída do turno das 22h, depois de uma confusão na portaria, um dos metalúrgicos foi preso por um policial militar, conta o boletim Assembleia Informa.

A notícia da prisão teria causado tumulto em um dos alojamentos onde dormiam os trabalhadores, o que resultou na prisão de outras 300 pessoas durante a madrugada.

No dia seguinte, trabalhadores se aglomeraram em frente ao portão de entrada da Usiminas e se recusaram a trabalhar.

"Há relatos de que uma pedra teria sido lançada contra os policiais, que teriam começado a atirar contra os trabalhadores", relata o Assembleia Informa. De acordo com a lista oficial divulgada na época, oito pessoas morreram no confronto entre  a Polícia Militar e trabalhadores.

Segundo o jornalista Marcelo Freitas, autor do livro Não por acaso, "vários moradores da cidade acreditam que o número de vítimas tenha sido maior."

"O autor localizou em Belo Horizonte e Itapetinga, no interior da Bahia, parentes de pessoas que desapareceram naquele dia e de quem até hoje procura informações sobre o que teria ocorrido com elas", relata o jornal O Popular, de Viçosa.

A investigação foi conduzida em quatro etapas. A primeira foi em 1988, quando Marcelo Freitas era repórter do Hoje em Dia. A segunda, quando era repórter do Estado de Minas.

A matéria de O Popular diz que "em 2004 e 2005, Marcelo Freitas trabalhou o tema no mestrado em Ciências Sociais da PUC Minas".

Em 2006 e 2007 concentrou sua atenção na busca de informações sobre a polêmica em torno do número de mortos.
Para isso entrevistou médicos e enfermeiros de hospital da região do Vale do Aço que estavam em atividade em 1963.
O livro traz o relato de um motorista da Usiminas que, no dia 8 de Outubro de 1963, buscou, na funerária da Santa Casa, em Belo Horizonte, 32 caixões que foram deixados no almoxarifado da empresa.
Dois vereadores do Vale do Aço, Marcos da Luz, de Coronel Fabriciano, e Agnaldo Bicalho, de Ipatinga, enviaram carta à Usiminas pedindo que os arquivos da época sejam liberados aos pesquisadores.

Na época eu trabalhava no jornal Novos Rumos, sucursal de Minas Gerais. Lembro-me que o então estudante Gilgal Gonçalves Vermelho foi designado para cobrir o massacre. Ele produziu uma página sobre assunto. A repercussão do massacre foi muito grande em todo o país e outro repórter, hoje colunista de renome nacional, foi enviado da sede do jornal para dar uma suite...

Em 1964 veio a ditadura cívico-militar e o episódio foi abafado por 20 anos. Muita gente foi perseguida, inclusive o autor da primeira matéria de Novos Rumos: Gilgal Gonçalves Vermelho. Ele foi ao cartório e retirou o nome Vermelho, que, em russo, significa bonito/bonita... 


O livro Direito à Verdade e à Memória, publicado pelo Ministério da Justiça, registra o seguinte sobre

"Cinco casos do Massacre de Ipatinga"

"Na manhã de 7 de outubro de 1963, rajadas de metralhadoras foram disparadas contra mais de cinco mil operários que protestavam contra as condições indignas a que estavam submetidos na siderúrgica Usiminas, inaugurada um ano antes, em Ipatinga, Minas Gerais.

Por volta das das 10 horas, uma pedra foi lançada em direção à coluna de policiais militares chamados para sufocar a greve, ferindo um dos soldados. A PM abriu fogo contra a multidão de trabalhadores, metalúrgicos da empresa e operários da construção civil. Na versão oficial, o saldo foi de 78 feridos e oito mortos, entre eles um bebê. Durante o tumulto, os tiros eram desferidos a esmo e atingiram a menina Eliane Martins, de apenas três meses, levada pela mãe para ser vacinada no ambulatório da empresa.
Antes de ter início a construção da Usiminas, no final dos anos 50, Ipatinga era um minúsculo distrito do município de Coronel Fabriciano, com 60 casas e 300 habitantes. Por isso, a construção da siderúrgica foi saudada como sendo a chegada de um verdadeiro Eldorado. A população pulou para 10 mil pessoas, mas o vilarejo não tinha infra-estrutura para suportar essa sobrecarga e a empresa
não realizou os necessários investimentos sociais para suprir as carências dos operários. O quadro de penúria era agravado pelas condições salariais oferecidas.
Matéria publicada no jornal Binômio, tablóide independente criado em Belo Horizonte em 1952, conta que os funcionários de baixa hierarquia da Usiminas moravam em alojamentos apertados, revezando-se com os colegas para poder dormir, já que as camas eram compartilhadas. Transporte e alimentação não eram melhores. Viajavam em caminhões sempre lotados e, na comida, tocos de cigarros e baratas eram encontrados com freqüência. Também eram comuns os abusos de autoridade, existindo registro de violências físicas contra os trabalhadores. O protesto ocorreu como manifestação espontânea em resposta às agressões praticadas por vigilantes e policiais contra alguns colegas na noite anterior. Sem o arrimo de uma organização partidária ou sindical, os operários agiram movidos pela indignação e foram metralhados.

Para apreciação na CEMDP, foram encaminhados cinco processos em 2004. Segundo os relatores, a Lei n° 10.875/04 introduziu duas novas possibilidades de indenização, propostas pela própria Comissão Especial, necessárias para complementar os efeitos de pacificação pretendidos pela lei. Uma delas se refere às passeatas e manifestações reprimidas pela polícia durante o período fixado em lei. Para os relatores, não seria possível distinguir vítima de repressão à manifestação que estivesse dela participado ou vítima casual. Os relatores entenderam que não importava saber quem determinou ou como se originou o comportamento da tropa policial militar convocada para manter a ordem e a segurança das pessoas: “a ação ou reação policial de disparar contra uma multidão desarmada não poderia ter outra consequência senão as várias mortes e inúmeros feridos”.

Os cinco processos foram deferidos por unanimidade, conforme relatado a seguir, não sendo apresentados requerimentos relativos à criança de três meses, Eliane Martins, nem aos dois outros mortos relacionados pela direção da empresa: Aides Dias Carvalho, filho de João Dias de
Carvalho e Maria Motta, e Gilson Miranda, da empresa EBSE.

Casos anteriores a abril de 1964
|  51  |DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE
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ALVINO FERREIRA FELIPE (1921-1963)
Número do processo: 130/04
Filiação: Maria do Patrocínio Silva e Antônio Felipe
Data e local de nascimento: 27/12/1921, Ferros (MG)
Organização política ou atividade: não definida
Data e local da morte: 07/10/1963, Ipatinga (MG)
Relator: Belisário dos Santos Jr.
Deferido em: 26/10/2004 por unanimidade
Data da publicação no DOU: 29/10/2004
Alvino morreu em decorrência de ferimentos causados por disparos de arma de fogo. Segundo relato da filha Maria da Conceição Gomes Felipe, Alvino fazia um tratamento de saúde devido a um acidente em que foi atingido pela roda do caminhão que transportava operários para o trabalho. Naquele dia de 1963, ele se dirigia à sede do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), em Acesita, para se submeter a uma perícia médica. Ao passar nas imediações do conflito, foi atingido por uma bala que perfurou seu crânio na região occipital. Morreu antes de ser socorrido. O corpo foi levado para o escritório central da Usiminas e depois encaminhado à família.Funcionário da empreiteira A.D. Cavalcanti, Alvino foi tido pelas autoridades como indigente, por causa das roupas que usava, um paletó muito simples, diferente do uniforme dos colegas. Porém, um funcionário da usina reconheceu o corpo na sala da empresa e avisou a família. Maria da Conceição soube que o pai, a caminho do IAPI, chegou a ser avisado da greve na portaria da Usiminas. Segundo ela, ele não
acreditou no que estava acontecendo e continuou a caminhar em direção ao escritório central, onde foi atingido pelo tiro. O legista Hercílio Costa Lage assinou o óbito, atestando “hemorragia interna devido a ferimento penetrante no crânio, por projétil de armas de fogo”.

ANTÔNIO JOSÉ DOS REIS (1925-1963)
Número do processo: 120/04
Filiação: Almerinda Antônio dos Reis e Manoel Celestino dos Reis
Data e local de nascimento: 15/12/1925, Mantena (MG)
Organização política ou atividade: não definida
Data e local da morte: 07/10/1963, Ipatinga (MG)
Relator: Belisário dos Santos Júnior
Deferido em: 26/10/2004 por unanimidade
Data da publicação no DOU: 29/10/2004

No laudo da necropsia de Antônio José dos Reis, assinado pelo legista Hercílio da Costa Lage, está escrito: “fratura na base do crânio devido a projétil de arma de fogo”. Ele trabalhava na Convap, empresa de construção civil, há dois meses. Naquele dia, havia saído de casa no horário de costume, quatro da manhã, para pegar a condução. A esposa, Tereza Gomes, acordou com o chamado do sogro, que a avisou dos graves acontecimentos na portaria da Usiminas. No primeiro momento ninguém se preocupou, pois Antônio José certamente já estaria dentro da empresa. Ao final do dia, Tereza percebeu que ele demorava demais para chegar em casa. Ficou então sabendo da morte do marido por meio de um colega de serviço, Irineu, presente no local na hora dos tiros. COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS
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GERALDO DA ROCHA GUALBERTO (1935-1963)
Nº do processo: 121/04
Filiação: Maria Tereza da Rocha e Romeu Gualberto
Data e local de nascimento: 01/03/1935, Braúnas (MG)
Organização política ou atividade: não definida
Data e local da morte: 07/10/1963, Ipatinga (MG)
Relator: Maria Eliane Menezes de Farias, com vistas de Belisário dos Santos Júnior
Deferido em: 07/10/2004 por unanimidade
Data da publicação no DOU: 11/10/2004
O alfaiate Geraldo da Rocha Gualberto saiu de casa na manhã do dia 07/10/1963 para comprar material de trabalho em uma loja de Ipatinga (MG). No caminho, deparou-se com a manifestação de funcionários da Usiminas e parou para conversar com um primo, quando ambos tentaram se proteger das balas disparadas em todas as direções. A Polícia utilizava até mesmo uma metralhadora com tripé, instalada na carroceria de um caminhão. Uma das centenas ou milhares de balas atingiu o alfaiate mineiro, que morreu na hora.Documentos anexados ao processo na CEMDP relatam que Geraldo foi enterrado em sua terra natal sem exame de necropsia, o que ensejou a necessidade de exumá-lo algumas semanas depois, para corrigir tal ilegalidade.

JOSÉ ISABEL DO NASCIMENTO (1931-1963)
Nº do processo: 151/04
Filiação: Maria Claudina de Jesus e Joaquim Isabel do Nascimento
Data e local de nascimento: 08/07/1931, Timóteo (MG)
Organização política ou atividade: não definida
Data e local da morte: 17/10/1963, Coronel Fabriciano (MG)
Relator: Belisário dos Santos Júnior
Deferido em: 26/10/2004 por unanimidade
Data da publicação no DOU: 29/10/2004
José Isabel do Nascimento, fotógrafo amador e funcionário da empresa Fichet, empreiteira da Usiminas, era casado com Geralda Aguiar do Nascimento, com quem teve cinco filhos. Segundo a família, José Isabel saiu de casa, no centro de Coronel Fabriciano, para mais um dia de trabalho na área de montagem e construção. Ficou junto aos operários grevistas no piquete organizado em frente à portaria principal de acesso à usina.
Como trazia a máquina fotográfica, José passou a registrar a movimentação em frente à fábrica. Fotografou um soldado com uma metralhadora de tripé, momentos antes do inicio do tiroteio. Na verdade, José teve tempo de bater um filme inteiro, tirá-lo da máquina e colocar outro. Quando ia
bater a primeira foto do novo filme, foi atingido por disparo de fuzil e caiu. José Isabel foi submetido a duas cirurgias, mas morreu dez dias depois, no Hospital Santa Terezinha, em Coronel Fabriciano. O legista José Ávila diagnosticou “abscesso subepático devido a projétil de arma de fogo”. DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE
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SEBASTIÃO TOMÉ DA SILVA (1943-1963)
Nº do processo: 161/04
Filiação: Geralda Cristina da Silva e José Tomé de Araújo
Data e local de nascimento: 20/08/1943, Guanhães (MG)
Organização política ou atividade: não definida
Data e local da morte: 07/10/1963, Ipatinga (MG)
Relator: Belisário dos Santos Júnior
Deferido em: 26/10/2004 por unanimidade
Data da publicação no DOU: 29/10/2004
Morto aos 20 anos, Sebastião mudou-se para Ipatinga em busca de melhores condições de vida, pois era arrimo de família. Assim que conseguiu um emprego na Usiminas como ajudante, buscou a mãe, viúva, e seus seis irmãos menores. Como fazia todos os dias, chegou para trabalhar e foi impedido de entrar nas dependências da empresa. Resolveu, então, ficar nas imediações da usina até que a chefia resolvesse, por meio de negociações, a volta ao trabalho. Enquanto esperava, foi atingido por uma bala no crânio, morrendo no local. O legista Hercílio Costa Lage definiu como causa mortis “lesões encefálicas, dando ferimento penetrante no crânio por projétil de arma de fogo”.

Como se pode notar, a publicação do Ministério da Justiça não acrescenta muita coisa sobre o que foi o Massacre de Ipatinga. A tarefa certamente ficará para a Comissão Nacional da Verdade e para os defensores dos Direitos Humanos em Minas Gerais. Dentre eles é correto acrescentar que o PCB de Ipatinga está com alguns dados inéditos sobre o assunto  que será levado aos trabalhadores do Vale do Aço. Espera-se que a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa também entre firme no tema, com a ajuda do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos que está preparando uma revista para contar a história de sua existência de 25 anos. Outras fontes que poderão contribuir serão os arquivos do ex-deputado estadual Sinval Bambirra, em poder de sua família, liderada por sua viúva,   jornalista Maria Auxiliadora Bambirra, os registros do secretário-político do PCB em Minas Gerais, José Francisco Neres, o "Pinheiro", além de gravações feitas pela UFMG com antigos militantes do movimento operário como Evaristo Garcia, Anélio Marques Guimarães, o próximo Sinval Bambirra, Clodsmith Riani etc.

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