quinta-feira, 2 de junho de 2011

CEM ANOS DE LUTAS OPERÁRIAS EM NOVA FRIBURGO




   Ricardo da Gama Rosa Costa (Rico) 1

 
Neste ano em que se comemora o centenário da indústria de Nova Friburgo, um personagem fundamental nesta história não pode ser esquecido: o trabalhador fabril, responsável maior pela produção da riqueza do município ao longo de todo o século XX. Ainda hoje, na verdade, apesar da crise vivida pela grande indústria têxtil a partir dos anos 1990, a produção industrial responde por uma parte significativa do PIB de Nova Friburgo. Como sói acontecer na sociedade capitalista, a história dos trabalhadores friburguenses está associada à ausência de reconhecimento por seu decisivo papel na construção da cidade, à desvalorização dos seus saberes, à exploração da mão de obra e às lutas por dignas condições de vida e trabalho.
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O movimento operário em Nova Friburgo foi atuante desde a instalação das primeiras fábricas. Na segunda metade da década de 1910 e durante os anos vinte, já haviam ocorrido várias manifestações dos operários, de pequenas paralisações a greves maiores, em protesto contra os baixos salários, as desumanas condições de trabalho, a disciplina “prussiana” no interior das fábricas e as regalias reservadas aos funcionários de origem alemã, cujos salários eram superiores aos dos brasileiros, porque aqueles ocupavam, via de regra, os principais quadros de direção dentro das fábricas, como gerentes, mestres e contramestres, além de formarem a mão de obra especializada, a dos técnicos fabris.
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O movimento operário viveu importante ascensão nos primeiros anos da década de 1930, com a criação dos primeiros sindicatos, impulsionada pelo Ministério do Trabalho, após o decreto de Getúlio Vargas regulamentando a sindicalização das classes patronais e operárias, em 1931. Neste ano, foram criadas a Aliança dos Trabalhadores das Fábricas de Tecidos de Nova Friburgo e a União Friburguense dos Trabalhadores em Construção Civil2. Os operários das indústrias têxteis formalizaram, no dia 1º de novembro daquele ano, a fundação do sindicato, batizado então de União dos Trabalhadores das Fábricas de Tecidos de Nova Friburgo. Um ano mais tarde seria criada a União dos Empregados em Padarias em Nova Friburgo, na sede da Sociedade Humanitária.
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As direções dos sindicatos eram, então, controladas pelos trabalhadores getulistas, mas, paralelamente à estrutura sindical oficial, o Partido Comunista, estruturado em Friburgo desde 1929, organizava a Fração Sindical, a orientar a atuação dos seus militantes dentro dos sindicatos. Os comunistas, pressionando as diretorias dos sindicatos a uma ação mais firme contra os patrões, que burlavam os direitos recentemente conquistados, como as leis de férias, lançaram então uma Carta de Reivindicações, com a intenção de mobilizar os trabalhadores a partir de propostas consideradas avançadas para a época, segundo o militante José Pereira da Costa Filho (o “Costinha”), tais como a igualdade de salários para homens e mulheres, licença-maternidade e creches nos locais de trabalho. A mobilização operária levou à eclosão de uma greve, iniciada em janeiro de 1933, que, partindo da Fábrica de Rendas Arp (onde era grande a revolta dos operários e, principalmente, das operárias, com o tratamento desumano dado pela gerência aos trabalhadores3), logo propagou-se para as outras indústrias têxteis. A repressão policial desencadeada sobre as manifestações dos operários em greve pelas ruas de Friburgo redundou na morte do jovem Licínio Teixeira4. Conforme depoimento do militante comunista Francisco de Assis Bravo, ele e outros companheiros encarregaram-se de pintar uma faixa convocando a população para um ato de protesto contra a morte de Licínio. Escreveram na faixa, com tinta vermelha: “O SANGUE DE LICÍNIO CLAMA POR VINGANÇA”. Muitos acreditaram que os dizeres haviam sido pintados com o próprio sangue do jovem trabalhador.
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Com a perseguição desencadeada nacionalmente sobre os comunistas e as organizações de esquerda após a frustrada revolta armada conduzida pelo PCB em novembro de 1935, fato reforçado pela instalação da ditadura do Estado Novo em 1937, o movimento operário sofreu violento baque e somente voltou a se reerguer com a retomada das liberdades democráticas em 1945. Nos anos de 1945 a 1948, seriam constantes as lutas travadas contra os patrões por melhores salários e condições mais favoráveis de trabalho nas indústrias de Nova Friburgo. No final do ano de 1945, irrompia um movimento dos trabalhadores da Fábrica Filó, insatisfeitos com as condições de trabalho. A luta avançou pelo início de 1946, forjando um movimento unificado de industriários e bancários. A greve envolveu, principalmente, os operários das três maiores fábricas têxteis (Arp, Ypu e Filó), e O Nova Friburgo estampou a seguinte manchete: “6000 BRAÇOS CRUZADOS NUM DUELO EMPOLGANTE COM OS MAGNATAS DA INDÚSTRIA FRIBURGUENSE!”5. Uma das principais exigências dos operários era a extensão do abono de Natal, concedido pelas fábricas apenas a um grupo seleto de seus empregados (mestres e contramestres, centralmente). O movimento sindical lutava por transformá-lo em abono de Natal permanente, o que somente seria conquistado mais tarde, quando, por ocasião da onda de greves e mobilizações promovidas pelos sindicatos no início da década de 1960, foi assinada, em 1963, a lei instituindo o 13º salário pelo presidente João Goulart.
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Figura de grande expressão na luta operária e sindical desta época foi o também comunista Arquimedes de Brito, que, mesmo ocupando o cargo de encarregado de seção na Fábrica Filó, não compactuava com os patrões, muito pelo contrário, era o principal quadro dos movimentos reivindicatórios e paredistas citados acima. Certa vez, sua prisão pela polícia, que o foi buscar na fábrica, provocou a paralisação imediata dos operários, os quais exigiram sua soltura. Naquela noite mesmo, Arquimedes voltava ao trabalho abraçado pelos companheiros.
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O novo ascenso do sindicalismo friburguense estava relacionado também ao próprio crescimento socioeconômico do município, que chegara aos 70.145 habitantes em 1960, aprofundando-se a tendência anterior do êxodo rural: quase 80% da população passou a viver na área urbana. Instalaram-se novas fábricas, principalmente no setor metalúrgico, dando condições a que fosse criado o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos6. A força do movimento dos trabalhadores em Nova Friburgo refletiu-se claramente no resultado das eleições de 1962. Numa Câmara de Vereadores composta por 17 legisladores, era inolvidável a presença de sete edis situando-se no campo do trabalhismo e do socialismo, sendo três deles representantes da classe operária (além do comunista Francisco Bravo, os operários João Luiz Caetano, da Filó, e Newton D’Ângelo, da Ypu), aos quais se juntavam, na “frente de esquerda”, Sebastião Pacheco (funcionário do almoxarifado do Sanatório Naval) e o funcionário público Celcyo Folly.
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Mas a burguesia brasileira, assustada com o crescimento do movimento popular e de esquerda em todo o Brasil, articulou-se para a derrubada, por meio de um golpe militar, do então presidente João Goulart. Em Nova Friburgo, as articulações golpistas foram capitaneadas pelo grupo do vice-prefeito Heródoto Bento de Mello, que tudo fez para que o Sanatório Naval pressionasse pela queda do prefeito Vanor Tassara Moreira, obrigado a renunciar em abril de 1964, por seus posicionamentos favoráveis a várias reivindicações dos trabalhadores, à tentativa de encampação da Companhia de Eletricidade, às brigas contra o monopólio da FAOL (Friburgo Auto Ônibus Ltda.) e à resistência ao golpe militar na cidade. O expurgo direitista completou-se com a cassação do vereador comunista Francisco Bravo, que, no Legislativo, destacara-se por ter aberto diversas frentes de luta, como a fiscalização aos preços dos alimentos e à qualidade do leite, além da tentativa de organizar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, no bairro de Conselheiro Paulino.
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Somente na década de 1980, após duas décadas de ditadura, o movimento operário e sindical voltou a se reorganizar no Brasil e em Friburgo. Foi a época da eleição de diretorias mais combativas nos sindicatos dos trabalhadores têxteis, professores e metalúrgicos, deixando para trás o tempo das direções pelegas. Foi um período de novas greves, como a que paralisou a Fábrica de Rendas Arp em 1986, conquistando grande solidariedade das demais categorias e reunindo os partidos de esquerda da cidade, como o PT, o PDT e o PCB. Outra grande mobilização do período foi a resistência ao fechamento da Fábrica Ypu, encabeçada pelo Sindicato dos Têxteis. Na década seguinte, foi a vez de os metalúrgicos assumirem a vanguarda das lutas, nas greves de ocupação da Haga : da Eletromecânica, contando de igual maneira com a solidariedade ativa dos sindicatos de trabalhadores e dos partidos de esquerda, dentre os quais há que se destacar a presença aguerrida do PSTU.
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Em pleno século XXI, infelizmente não há muito o que comemorar por parte dos trabalhadores, que veem inúmeras conquistas sociais e trabalhistas, resultantes das lutas e greves do século XX, serem desrespeitadas pela sanha dos lucros capitalistas. Mas o exemplo de dedicação às causas operárias de homens como Chico Bravo, Costinha e Arquimedes de Brito, dentre outros lutadores quase anônimos de nossa cidade, ficará para sempre na memória daqueles que reconhecem o papel indispensável da classe trabalhadora na construção da nossa sociedade e da nossa história.
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1 Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenador do Curso de História da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia e coautor do livro Teia Serrana: formação histórica de Nova Friburgo.
2 Jornal O Friburguense, edição de 26/04/31.
3 Conferir extensa reportagem sobre a greve no jornal O Nova Friburgo, edição de 12 de janeiro de 1933.
4 Hoje nome do CIEP de Olaria.
5 Jornal O Nova Friburgo, edição de 03/02/46.
6 Fundado em 02 de dezembro de 1955.
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