sábado, 4 de maio de 2019

Um Machado de Assis desconhecido

                                                                     

Fernanda Giacomassi


Projeto 'Machado de Assis Real' pede que editoras e livrarias deixem de imprimir, publicar e comercializar livros em que o escritor aparece embranquecido 

 O maior nome da história da literatura brasileira. Jornalista, contista, cronista, romancista, poeta, teatrólogo. E o que poucos sabem: negro.” A frase abre o texto de divulgação do movimento “Machado de Assis Real”. 

O projeto organizado pela Faculdade Zumbi dos Palmares (SP) e a agência Grey Brasil recriou uma das fotos mais célebres e reproduzidas de Machado de Assis (1839-1908), adicionando o tom de pele e o fenótipo negro do autor, que antes passavam despercebidos na versão em preto e branco. 

O site da campanha disponibiliza a nova imagem em diversos formatos para que ela seja colada em cima da antiga em livros. A própria faculdade atualizou o acervo da biblioteca sobre o autor com a fotografia recriada. 

A página também disponibiliza um abaixo-assinado online, solicitando que editoras e livrarias deixem de imprimir, publicar e comercializar livros em que o escritor aparece embranquecido. 

Quem foi Machado de Assis 

Filho do pintor Francisco José de Assis e da lavadeira Maria Leopoldina Machado de Assis, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839 no Rio de Janeiro. Neto por parte de pai de ex-escravizados alforriados, o escritor teve uma infância humilde no Morro do Livramento, periferia da capital fluminense, e não frequentou universidade. 

Começou sua carreira na imprensa carioca. Em 1858, era revisor e colaborador no Correio Mercantil e, em 1860, passou a atuar na redação do Diário do Rio de Janeiro. Ganhou notoriedade, porém, com sua literatura em prosa. 

O uso de ironia e humor ácido, além de interrupções narrativas e constantes conversas com o leitor, são algumas das marcas de seu estilo narrativo, que se consagraram em produções como “Dom Casmurro” (1899) e “Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). 

O autor foi fundador e ocupou por mais de dez anos a presidência da Academia Brasileira de Letras. Suas obras exploram criticamente questões da sociedade fluminense durante a transição histórica entre monarquia e a República. O posicionamento do autor em relação à escravidão e questões raciais, no entanto, não é consenso entre pesquisadores. 

Há autores que acusam Machado de Assis de ter se omitido em relação à luta pela emancipação dos negros em suas obras, enquanto outros afirmam encontrar críticas claras ao tratamento desigual e violento da sociedade em relação a população negra. “Em nenhuma página de sua vasta obra encontramos qualquer referência a favor da escravidão ou da pretensa inferioridade de negros ou mestiços. Muito pelo contrário. 

E, mesmo descartando a retórica panfletária, a ironia, o sarcasmo, e a verve carnavalizadora com que trata a classe senhorial dão bem a medida de sua visão de mundo. O lugar de onde fala é o dos subalternos e este é um fator decisivo para incluir ao menos parte de sua obra no âmbito da afro-brasilidade” "Literatura Afro-brasileira: um conceito em construção” Eduardo de Assis Duarte - pesquisador da UFMG e coordenador do literafro 

O embranquecimento 

O atestado de óbito de Machado de Assis descreve o escritor como de cor branca. Pesquisadores afirmam, no entanto, que ação foi resultado de uma tentativa de embranquecimento do escritor, que já era considerado então um dos maiores escritores brasileiros. Canoniza-lo como branco, portanto, seria uma forma de reafirmar a hegemonia da raça na elite intelectual do país. 

O processo de embranquecimento também se refletiu em como o autor foi retratado ao longo da vida. "Sua foto oficial, reproduzida até hoje, muda a cor da sua pele, distorce seus traços e rejeita sua verdadeira origem. Machado de Assis foi embranquecido para ser reconhecido”, afirma a nota do projeto Machado de Assis Real. 

Segundo Rosane Borges, pesquisadora da Escola de Comunicações e Artes da USP, o processo de negar a origem negra de personagens importantes da história se torna comum a partir do fim do séc XIX, quando o país tentava criar uma nova narrativa sobre sua fundação. “Um escritor que se tornou o principal escritor do Brasil não poderia ser negro. Assim como a cor de outras personagens foram negadas, como da compositora Chiquinha Gonzaga. 

O apagamento se tornou algo sistêmico”. Em 2018, uma propaganda da Caixa Econômica Federal utilizou um ator branco para interpretar o escritor. Após ser alvo de críticas na internet e em uma queixa formal divulgada pela Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o banco reeditou a peça incluindo um ator de pele negra. 

O fato foi relembrado pelo repórter Tiago Rogero da coluna Ancelmo.com, do jornal O Globo, após a divulgação da campanha. O jornalista fez uma série de postagens no Twitter sobre a ação: Reafirmar a origem negra de Machado de Assis é, de acordo com os organizadores do projeto, uma errata histórica que impede que o racismo na literatura seja perpetuado. Para Borges, a iniciativa faz uma revisão da história soterrada: “O racismo se sustenta pela invisibilidade das pessoas negras. Colocar o Machado como um homem negro mostra uma imagem que é incontestável. Nós negros estávamos sim nas letras, na cultura, na academia. Uma criança negra que vê a identidade positiva de um escritor negro vai se sentir mais motivada a mostrar sua negritude”.

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/05/02/Esta-universidade-coloriu-uma-foto-de-Machado-de-Assis?utm_source=Colabora&utm_campaign=1eb587898d-EMAIL_CAMPAIGN_2019_05_03_09_24&utm_medium=email&utm_term=0_7b4d6ea50c-1eb587898d-417969369

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(Com # Colabora)

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