quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"Grandes avenidas ainda se abrirão por onde passará o homem livre!"




 Salvador Allende

Camaradas que estão me ouvindo: a situação é crítica, estamos diante de um golpe de Estado do qual participa a maioria das Forças Armadas. (...)

Não tenho vocação para mártir, sou um combatente da causa social que cumpre a tarefa que o povo lhe confiou. Porém, aqueles que desejam voltar para trás na história e negam a vontade da maioria dos chilenos, me escutem: ainda que eu não seja um mártir, não recuarei.

 Que eles saibam, ouçam e gravem isso em suas mentes: deixarei o palácio La Moneda quando terminar o mandato que o povo me confiou, defenderei a revolução chilena e defenderei o governo porque é por isso que o povo me elegeu. Não tenho outra escolha. Somente as balas poderiam impedir-me de cumprir a missão que o povo me incumbiu.

Diante desses acontecimentos, declaro aos trabalhadores que não renunciarei! Face a essa virada histórica, pagarei com a vida minha lealdade ao povo. Tenho certeza de que a semente que foi plantada na consciência de milhares de chilenos não poderá ser arrancada. Eles têm a força, eles poderão nos subjugar, mas os movimentos sociais não se controlam nem pelo crime, nem pela força. A história pertence a nós, são os povos que a fazem. (...)

Dirijo-me a vocês e, em particular, à mulher simples do nosso país, à camponesa que acreditou em nós, à operária que trabalhou mais, à mãe que compreendeu nossas preocupações em relação a seus filhos.

Dirijo-me a todos os profissionais, aos patriotas que nunca deixaram de lutar contra a rebelião encorajada pelas corporações profissionais, corporações de classe que também defendiam os privilégios da sociedade capitalista.

Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e manifestaram sua alegria e seu espírito combativo. Dirijo-me ao homem chileno, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque o fascismo já está presente em nosso país: através de atentados terroristas, explodindo pontes, cortando ferrovias, destruindo oleodutos e gasodutos, diante do silêncio dos que tinham o dever de reagir. Eles são responsáveis. A história os julgará.

Eles certamente calarão a Rádio Magallanes, e o metal tranquilo da minha voz não chegará mais até vocês. Pouco importa. Vocês ainda a ouvirão. Sempre estarei junto a vocês. A lembrança que terão de mim será pelo menos a de um homem digno, de um homem que foi leal à sua pátria. (...)

Trabalhadores da minha pátria, tenho fé no Chile e em seu destino. Outros homens superarão esse momento cinzento e amargo em que a traição pretende se impor. Nunca se esqueçam que grandes avenidas ainda se abrirão por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor.

Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores!

Estas são as minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão, tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição.

(Mensagem de Salvador Allende transmitida pelo rádio no dia 11 de setembro de 1973.Extraído deContre la tyrannie. Paris: Seuil, 2010.)

Maurice Lemoine

é jornalista ee autor de "Cinq Cubains à Miami ( Cinco cubanos em Miami)", Dom Quichotte, Paris , 2010.


Ilustração: Corbis/ Latinstock

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