sexta-feira, 14 de outubro de 2016

A guerra (fria) entre Paris e Moscou

                                                                             
As relações diplomáticas entre franceses e russos estão congeladas. Nesse quadro de guerra fria, o presidente Vladimir Putin encarna a figura do vilão.

Leneide Duarte-Plon, de Paris (*)

Um vento polar começou a soprar entre Moscou e Paris. As relações entre as duas capitais nunca estiveram tão frias.

Dia 19 de outubro, o presidente russo deveria estar em Paris para inaugurar o monumental Centro Espiritual e Cultural Ortodoxo Russo, que conta com uma imponente Igreja Ortodoxa no coração de Paris, perto da Torre Eiffel. O projeto milionário custou 170 milhões de euros e, pela lei, o conjunto goza do status de « bem diplomático ».

Mas a vinda de Putin foi cancelada e a inauguração não vai contar com a presença de Hollande.

Assim, as relações diplomáticas entre franceses e russos estão congeladas até segunda ordem. Nesse quadro de guerra fria, o presidente Vladimir Putin encarna a figura do vilão. 

O seu grande pecado é garantir a sobrevida do regime sírio de Bachar Al-Assad através de bombardeios permanentes aos rebeldes que, diga-se de passagem, são armados pelos Estados Unidos e pela própria França. Mas, como em quase todas as guerras, tudo é muito nebuloso e complexo.

Bombas sobre Alepo

Para alguns observadores, colocar em Putin toda a responsabilidade dos efeitos atuais da guerra na Síria (civis morrendo sob as bombas, refugiados fugindo em desespero) e do fracasso das duas tréguas tentadas recentemente não passa de « russofobia » da política externa francesa. 

Para outros, Vladimir Putin é um criminoso de guerra ao prosseguir o bombardeio de Alepo, deixando milhares de civis como reféns do regime de Bachar Al-Assad. Para esses, Putin traça sua política de enfrentamento com o mundo ocidental  seguindo sua própria lógica.

Tanto o presidente francês quanto o Quai d’Orsay enviaram um recado diplomático sobre o que gostariam de tratar com Putin em Paris : a Síria e somente este assunto. Nada de frivolidades, diziam os diplomatas referindo-se ao Centro Cultural e à igreja ortodoxa. O mal estar que se formou levou Moscou a cancelar ontem, dia 12, a visita do presidente, prevista há mais de um ano.

O porta-voz do Kremlin anunciou que Putin virá a Paris « quando o momento for oportuno e o presidente Hollande se sentir à vontade », deixando claro quem provocou a anulação. 

Crimes de guerra : Alepo seria a nova Guernica

Numa escalada diplomática, a França denunciou a Rússia e a Síria por « crimes de guerra » no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

« Nós respondemos a essa acusação no Conselho de Segurança da ONU (8 de outubro) quando a resolução francesa foi bloqueada. Depois eles bloquearam nossa resolução. Tudo foi dito e explicado », respondeu o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, na cúpula sobre a energia, que aconteceu em Istambul, onde Vladimir Putin esteve presente.

Durante um debate extraordinário na Câmara dos Comuns, em Londres, o conservador Andrex Mitchell, ex-ministro britânico do Desenvolvimento Internacional, comparou a posição atual da Rússia na ONU ao que a Itália e a Alemanha fizeram na Sociedade das Nações nos anos 30. 

E foi além : em Alepo, a Rússia faz o que os nazistas fizeram em Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola, em 1937. 

Na França, a política externa de Hollande em relação a Moscou não agrada nem à extrema direita nem à extrema esquerda. Nos dois extremos há quem acuse o presidente de « lacaio dos americanos » ou de « alinhamento total com Washington ». No complexo universo político francês tanto Marine Le Pen, do Front National, de extrema-direita, quanto Jean-Luc Mélenchon, do Parti de Gauche, extrema-esquerda, condenam a diabolização que governo e uma certa imprensa francesa tentam fazer do presidente russo.

Como o novo presidente francês será eleito em maio próximo, o prudente Putin vai, quem sabe, esperar para ver com quem terá que se entender (ou não) nos próximos anos. 

(*) Leneide Duarte-Plon é autora de « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado » (Editora Civilização Brasileira, 2016)

(Com Carta  Maior)

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