"Viemos aqui falar para vocês da outra tragédia que iremos lutar para evitar: a perda do nosso território e da nossa vida. Nós não viemos negociar com vocês, porque não se negocia nem território nem vida"
Nilton Tubino (dir.), Representante do governo, acordou termos da reunião – Foto: Leticia Leite/ISA
Depois de ocupar por 9 dias a Usina Hidrelétrica Belo Monte, um grupo de cerca de 150 indígenas chega a Brasília nesta terça-feira, 4, para reunião com representantes do governo federal. O diálogo acontecerá no Palácio do Planalto, com os ministros José Eduardo Cardozo, da Justiça, Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, e Edison Lobão, de Minas e Energia e representantes de outras pastas do governo federal. A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, também deve participar da conversa.
O principal canteiro de obras da barragem esteve ocupado duas vezes, por 17 dias, durante o mês de maio. Os indígenas reivindicam a suspensão de obras e estudos de barragens em terras indígenas e a garantia do direito da consulta prévia com poder de veto.
“Nós não estamos indo a Brasília para negociar nada com o governo”, explica o porta-voz do cacique geral, Jairo Saw. “Nós não fizemos nenhum acordo e também não vamos fazer nenhum acordo. Nós vamos apresentar nossa posição sobre construir hidrelétricas em nossos territórios, e exigir que o governo respeite a Constituição e os tratados internacionais que ele assinou, que garante nosso direito de ser consultado. Nós queremos poder dizer não”.
Os indígenas afirmam que não irão assinar nenhum tipo de lista de presença ou documento na reunião. “Aqui no Xingu, eles usam até lista de presença de maquete da usina para dizer que fomos consultados”, relata Socorro Arara. “Sabemos que em Belo Monte eles manipularam muitas reuniões nas aldeias e na cidade para fingir que fizeram consulta prévia”.
Para o presidente da Associação Pusuru, Cândido Waro, a reunião representa mais uma vez a vontade dos povos indígenas em dialogar com o governo federal. Mas ele expressa preocupação: “Sabemos que essa reunião pode ser uma armadilha, como das outras vezes em que eles tentaram nos obrigar a assinar documentos a favor de hidrelétricas”, disse.
Se o governo não concordar com as demandas apresentadas na reunião, sustentam os indígenas, é provável que novas movimentações aconteçam. “Nós não vamos deixar acontecer [nos rios Teles Pires e Tapajós] o que está acontecendo em Belo Monte. Dependendo do que ele responder, vamos atrapalhar mais a vida do governo”, conclui Cândido.
Carta número 9: tragédias e barragens (a luta não acaba nem lá nem aqui)
"Nós saímos da ocupação da usina Belo Monte e viemos dialogar com o governo.
Nós não fizemos um acordo com vocês. Nós aceitamos a reunião em Brasília porque, quanto mais nós dizíamos que não sairíamos de lá, mais policiais vocês mandavam para o canteiro de obras. E no mesmo dia em que seríamos tirados à força pela sua polícia, vocês mataram um parente Terena no Mato Grosso do Sul. Então nós decidimos que não queríamos outro morto. Nós evitamos uma tragédia, vocês não. Vocês não evitam tragédias, vocês executam.
Viemos aqui falar para vocês da outra tragédia que iremos lutar para evitar: a perda do nosso território e da nossa vida. Nós não viemos negociar com vocês, porque não se negocia nem território nem vida. Nós somos contra a construção de barragens que matam a terra indígena, porque elas matam a cultura quando matam o peixe e afogam a terra. E isso mata a gente sem precisar de arma. Vocês continuam matando muito. Vocês simplesmente matam muito. Vocês já mataram demais, faz 513 anos.
Não viemos conversar só sobre uma barragem no Tapajós, como vocês estão falando na imprensa. Nós viemos a Brasília exigir a suspensão dos estudos e das obras de barragem nos rios Xingu, rio Tapajós e rio Teles Pires. Vocês não estão falando apenas com o povo Munduruku. Vocês estão falando com os Xipaya, Kayapó, Arara, Tupinambá e com todos os povos que estão juntos nessa luta, porque essa é uma luta grande e de todos.
Nós não trouxemos listas de pedidos. Nós somos contra as barragens. Exigimos o compromisso do governo federal em consultar e garantir o direito a veto a projetos que destroem a gente.
Mas não. Vocês atropelam tudo e fazem o que querem. E para isso, vocês fazem de tudo para dividir os povos indígenas. Nós viemos aqui dizer para vocês pararem, porque nós vamos resistir juntos e unidos. Estamos reunidos há 35 dias em Altamira, e por 17 dias nós ocupamos a principal hidrelétrica que vocês estão construindo. Junto dessa carta nós estamos mandando todas as cartas das duas ocupações que realizamos. Leiam tudo com atenção para entender nosso movimento. E assim respeitá-lo, o que vocês não fizeram até hoje.
O desrespeito não vem só nas palavras. Vem na ação de vocês.
Na região da Volta Grande do Xingu, tudo está sendo destruído e virado de cabeça para baixo, desde que vocês liberaram a construção da barragem Belo Monte. Todos estão muito tristes e apenas os ricos ficaram bem. Os parentes brigaram muito. Até os trabalhadores da obra sofrem.
No Tapajós e Teles Pires, vocês estão começando agora, mas já nos desrespeitaram muito.
Em agosto de 2012, os seus pesquisadores começaram a invadir nossas terras e pegar nossos animais e plantas e contar hectares e medir a água e furar nossa terra.
Em outubro, a Funai e a Eletrobrás disseram em reunião que as barragens iriam sair de qualquer jeito, com nós querendo ou não querendo. E que colocariam força policial na nossa terra se fosse necessário.
Em novembro, a polícia federal atacou e destruiu a aldeia Teles Pires, onde somos todos contra as barragens. Adenilson Munduruku foi assassinado com três tiros e outros 19 indígenas foram feridos. No final do mês nós fomos a Brasília denunciar a operação da polícia ao Ministério da Justiça, Funai e Secretaria Geral da Presidência da República. Também fomos ao Ministério Público Federal.
Em janeiro de 2013, fizemos uma grande assembleia Munduruku na aldeia Sai Cinza, onde foi entregue ao funcionário da Secretaria Geral da Presidência da República um documento com 33 pontos de reivindicação.
No mês seguinte, nós fomos novamente à Brasília exigir alguma resposta da Secretaria Geral da Presidência sobre os 33 pontos. Conseguimos encontrar o ministro, mas ele ignorou nossas reivindicações e tentou fazer com que nós assinássemos um documento aceitando as hidrelétricas do rio Tapajós.
Para garantir à força os estudos das barragens, em março de 2013 o governo baixa um decreto que autoriza a entrada das tropas policiais em nossas terras. Um dia depois nossas aldeias foram invadidas por pelotões de policiais.
No Teles Pires, foram encontrados ossos de parentes, muito antigos. Vocês estão destruindo um lugar sagrado.
Nós não pudemos aceitar mais isso. Por isso, ocupamos seu canteiro trazendo nossa reivindicação, exigindo do governo o compromisso em respeitar os povos originários desse país, em respeitar nosso direito à terra e à vida. Ou, pelo menos, respeitar a sua própria lei – a Constituição e os tratados internacionais que vocês assinam. Mas vocês querem destruir as leis que protegem nós, povos indígenas, com outras leis e decretos novos. Vocês querem legalizar destruição.
E agora chegamos aqui com vocês. Esperando que afinal vocês nos ouçam, ao invés de ouvir aqueles que pagam suas campanhas. Ainda que vocês não estejam dispostos a aprender a ouvir, nós estamos dispostos a ensinar.
Canteiro de obras de Belo Monte, Vitória do Xingu, 4 de junho de 2013"
Nenhum comentário:
Postar um comentário