Um jovem morreu após cair de um viaduto. Um dia antes, a coordenação do ato havia pedido que o local fosse gradeado, mas o governador não atendeu à reivindicação
Joana Tavares,
de Belo Horizonte (MG)
Dia de semi-final da Copa das Confederações, Brasil e Uruguai. Mesmo com um jogo tão importante desses – ou talvez por causa disso – mais de 90 mil pessoas saíram novamente às ruas em Belo Horizonte (MG), nessa quarta-feira (26), no 5º ato convocado pelo Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (Copac).
Na noite de terça-feira (25), foi realizada uma reunião com o governo do estado, em que se acordou que a Polícia Militar atuaria de modo a garantir a segurança dos manifestantes. No 4º ato, realizado no sábado (22), foram usadas bombas de gás e balas de borracha, e quatro pessoas chegaram a cair de um viaduto.
Bruno Cardoso, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CONEDH), foi designado pelo Conselho para participar da Comissão de Prevenção à Violência em Manifestações Populares. De acordo com ele, o comandante da PM garantiu a segurança para o ato desta quarta de modo leviano, pois acabou acontecendo o que se previa que poderia acontecer.
Bruno relata que duas pessoas caíram de um viaduto durante a dispersão provocada pela PM. Na madrugada de quinta-feira (27), o metalúrgico Douglas Henrique de Oliveira de Souza, de 21 anos, morreu após várias cirurgias. Douglas caiu de uma altura de 6m, devido a um vão no viaduto José Alencar. Durante a reunião, foi solicitado que o local fosse gradeado, mas o governador não atendeu à reivindicação.
Além disso, uma pessoa levou um tiro de bala de borracha no olho, e está com o globo ocular estourado. Outra pessoa foi ferida por estilhaços de bala.
“Falei com o governador ontem à noite por telefone, pedindo o cancelamento do jogo, mas ele alegou que 70 mil ingressos já haviam sido vendidos. A violência era algo que estava pra acontecer, e infelizmente aconteceu”, relata. Bruno afirma que a polícia cumpriu parte do acordo, pois não havia destacamento ofensivo nas ruas, mas que, perto do final do protesto, próximo ao cruzamento com a avenida Abrahão Caram – que leva ao estádio do Mineirão – foram utilizadas bombas para dispersão dos manifestantes. No entanto, Bruno alega que alguns manifestantes furaram o bloqueio acordado, e a polícia respondeu com violência.
“Hoje é sem conflito”
Amanda Couto, integrante do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (Copac), concorda que houve manutenção do acordo em partes, pois a polícia só fez barreira no perímetro combinado. Ela relata que chegou a ser feito um cordão humano pelos próprios manifestantes, tentando barrar a entrada na avenida que levava ao Mineirão.
Aos gritos de “hoje é sem conflito”, dezenas de pessoas deram os braços e tentaram impedir a subida, incentivando que os manifestantes seguissem na avenida Antônio Carlos. Grande parte deles seguiu a marcha, mas uma parte furou o bloqueio. “Aí a ação da polícia voltou a ser desmedida, pois mesmo depois, quando não havia mais confusão, continuaram soltando bombas de gás e balas de borracha”, diz. A confusão seguiu na Antônio Carlos e há relatos de que seguiram até o centro da cidade, adentrando até a noite.
Enquanto algumas pessoas partiram para ações de enfrentamento – vidros de concessionárias de carros foram quebrados e foi ateado fogo em parte da rua e em alguns comércios – grande parte da marcha seguiu o rumo pacífico, chegou até a lagoa da Pampulha e retornou à Antônio Carlos, mais à frente. “Novamente o Estado colocou seu efetivo para proteger o território da Fifa, em detrimento da população”, denuncia Amanda.
Assembleias populares
Uma característica das mobilizações de Belo Horizonte tem sido a realização de assembleias populares horizontais, onde se discutem os atos e as pautas de reivindicação. A última foi realizada no domingo (23), embaixo do viaduto Santa Tereza, e decidiu por 10 eixos de pautas – transporte, Fifa e grandes eventos, saúde, educação, moradia, polícia, reforma política e direitos humanos, democratização da mídia e meio ambiente.
Esses temas serão discutidos em grupos de trabalho e novamente debatidos na próxima assembleia popular, que será realizada na quinta-feira (27), às 19h, novamente embaixo do viaduto.
Amanda relata que um dos maiores ganhos políticos da reunião realizada com o governo Anastasia na noite de terça-feira (25) foi a abertura de uma mesa permanente de negociação para recebimento das pautas levantadas. Na semana que vem, nova reunião deve acontecer, e as pautas organizadas na quinta-feira serão levadas. “Uma negociação foi aberta. Esperamos o mesmo com o governo municipal e também do federal”, destaca Amanda.
MST, MAB e grevistas se somam ao movimento
Desde as 11 horas de quarta-feira, a Praça Sete, no centro da capital mineira, foi tomada por cartazes e protestos. Desta vez, a marcha foi engrossada também com a presença de cerca de 700 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Centenas de trabalhadores em greve – professores, funcionários da saúde e eletricitários – e sindicalistas da CUT/MG, da CTB e da Conlutas também estiveram presentes.
“Acho que a manifestação de hoje mostra que nós, a esquerda organizada, não temos monopólio da manifestação social. Mas mostra também que podemos ser protagonistas. Nossas palavras de ordem, nossas bandeiras, não são coisas antigas, mas muito inovadoras, pois colocam a necessidade de transformação da sociedade. Para isso, precisamos de mudanças estruturais mesmo”, avalia Enio Bohnenberg, da direção estadual do MST.
Cerca de 500 pessoas do MST continuam esta semana acampadas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cobrando a suspensão de 19 ordens de despejo programadas contra famílias acampadas. “Vamos ficar aqui até resolver o problema e negociar isso”, destaca Enio.
Ao contrário de outras mobilizações, os movimentos sociais e partidos políticos de esquerda presentes no ato não foram hostilizados, apesar de que, aqui e ali, se podia ouvir alguns gritos de “sem partido”.
Mas eram muito mais altos os gritos por investimentos em saúde e educação, pela redução do preço da passagem e pelo passe livre, contra o conservadorismo de Marco Feliciano e o retrocesso nos direitos humanos, críticas aos governos estadual e municipal e contra o monopólio da mídia.
“É excelente que os movimentos e sindicatos que historicamente fizeram essa luta estejam aqui. São grupos com história, que estão na rua há muitos anos”, destaca Amanda Couto, do Copac. “Para esses grupos, isso não é nada novo. Pelo acúmulo que têm, eles podem ajudar muito no sentido organizativo, além de pautarem suas demandas”, completa.
Bruno Abreu Gomes, médico e diretor do Sindicato dos Servidores Públicos de Belo Horizonte (Sindibel), avalia que a presença organizada de diversos setores da classe trabalhadora foi um ganho da mobilização desta quarta. “Foi uma manifestação massiva, bonita, em que o grande tom foi a luta pelas bandeiras democráticas e populares, por direitos. Infelizmente, devido à postura da Polícia e apesar da solicitação feita, alguns confrontos aconteceram. Mas a avaliação geral é positiva, e o povo quer ir pra ruas negociar seus direitos”, acredita.
Renan Santos, do Levante Popular da Juventude, concorda que, apesar de algumas confusões, o ato de hoje foi um ato de esquerda. “Estava um pouco mais vazio – a mídia e a PM contribuíram para isso – mas mesmo assim a esquerda estava mais organizada e tentamos, inclusive, evitar o confronto”, avalia.
(Com o Brasil de Fato)
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