Entrevista com Pablo Catacumbo
Maria Jimena Duzan (*)
Nesta entrevista com Pablo Catacumbo, membro do Estado-Maior Central das FARC-EP explica como e por que razão as FARC-EP estão negociando com o governo de Juan Manuel Santos: «Sentimos que havia a possibilidade de alcançar uma solução política, que nunca esteve ausente da nossa abordagem estratégica».
Maria Jimena Duzan (MJD): Há quanto tempo não saía das montanhas?
Pablo Catatumbo (PC): À civilização não venho desde as negociações de Tlaxcala. Ou seja, há quase 25 anos. E há 12 que não via Iván Marquez.
MJD: Você foi o primeiro membro do Secretariado, a dar o passo que iniciou o processo de paz. O que o levou a isso?
PC: Certo. As explorações começaram com o governo de Uribe, quando nos enviou uma carta, assinada pelo então comissário Frank Pearl. Naquela época, no entanto, consideramos que não era viável entrar num processo de paz quando o seu mandato estava terminando.
MJD: E por que decidiram iniciar conversações exploratórias com o governo de Santos?
PC: Porque as cartas que nos enviou e as mensagens que nos fez chegar tinham outros conteúdos. Além disso, iniciava-se um novo governo e desde o dia de sua posse o presidente disse que não tinha fechadas as portas da paz e que as chaves as tinha ele. Com Alfonso Cano e o secretariado analisámos o discurso e pareceu-nos que havia nele uma mensagem. Sentimos que havia a possibilidade de alcançar uma solução política, que nunca esteve ausente da nossa abordagem estratégica. O resto eu não posso dizer porque temos acordos de confidencialidade com o presidente, que ambos estamos a respeitar.
MJD: Qual o impacto que pode ter a possível reeleição do presidente Santos sobre o processo de paz?
PC: Eu acho positivo. Se o presidente for reeleito, dá-se continuidade ao processo. Por outro lado, dá-lhe a oportunidade de defendê-lo, algo que ele não fez até agora, com força e convicção suficientes.
MJD: Por que diz isso?
PC: Tem tido sempre uma mensagem dupla. Por um lado está á mesa em Havana, mas, por outro, vive falando-nos de prazos. Primeiro deu-nos um e, em seguida, alargou-o até Novembro. E várias vezes deu a entender que, se isso não funcionar, não se perde nada porque voltaremos á guerra de sempre.
MJD: O documento escrito pelo comissário para a paz, Sergio Jaramillo, defende o processo e coloca a importância do fim do conflito. Você não o entende assim?
PC: O que fez Sergio Jaramillo? Expor de maneira clara e coerente o pensamento que tem o governo do que deveriam ser as negociações de paz. Sob esse ponto de vista, parece interessante, porque antes não o tinham feito. Mas esclareço, essa é a opinião do governo, não a nossa.
MJD: E o que não compartilham no documento do alto comissário?
PC: Para começar, diferimos nos tempos. Não queremos um processo expresso. Num confronto que tem causado tanta tragédia no país e que já dura há quase 50 anos é muito difícil colocar prazos.
MJD: Isso quer dizer que este ano não haverá fumo branco?
PC: Eu não gostaria de cair nesses cenários. Preferimos lembrar ao governo, que há questões muito importantes em que ainda não há acordo, como acontece com a propriedade da terra na Colômbia. O latifúndio é o que historicamente nos levou para a guerra. Se recordar, este conflito começou quando Lopez Pumarejo disse que os camponeses tinham direito às suas terras, e imediatamente o poder latifundiário lhe caiu em cima. Assim começou a guerra.
MJD: Você pede ao governo para defender o processo, mas demoraram seis meses a discutir o primeiro ponto. A esse ritmo não vão acabar nunca.
PC: Eu concordo que o processo precisa de avançar. Mas para isso terá que haver vontade de ambos os lados. O governo disse que tem linhas vermelhas e sabe até onde ir. Isso, se não for bem explicado, presta-se a conjecturas. É parecido com o que Uribe chamava os inamovíveis.
MJD: No Congresso está-se discutindo uma proposta para suspender o processo de paz durante a realização das eleições. Parece-lhe viável?
PC: Pode ser bem intencionada, mas falta sustentá-la mais e pode tornar o processo inviável. Repito: tem havido progressos, mas não os suficientes. O governo propôs-se devolver as terras a quem as tiraram, mas isso não é nenhuma reforma agrária, muito menos uma revolução. Apenas um acto de justiça elementar e mesmo assim incompleto, uma vez que a expropriação foi de 8 milhões de hectares e apenas propõem devolver 2 milhões. Para que haja uma revolução no campo, ao menos teríamos que mudar a injusta concentração da propriedade da terra. Assim, quando dizem que a propriedade privada não irá ser afectada, pensamos que estas são as linhas vermelhas de que o presidente Santos fala.
MJD: Ninguém duvida que há concentração de terras. Mas também há direito á propriedade privada e o governo tem sido muito claro em que não se vai tocar nesse assunto à mesa. Será que vocês também têm linhas vermelhas que não os estão deixando avançar?
PC: Eu esclareço. Nós não estamos falando em expropriar todos os latifúndios. Apenas que se apliquem os instrumentos administrativos e as leis que existem para pôr limites a essa concentração. Propomos, portanto, que, se há 40 milhões de hectares de pecuária extensiva, pelo menos metade seja afecta à produção de alimentos. Também sobre o tema das Zonas de Reserva Rurais, pedimos para legalizar os 9 milhões e meio de hectares de terra que estão em processo de constituição, mas o governo recusa, argumentando que são apenas 3 milhões e meio.
Quando entrei na guerrilha, San Vicente de Caguán não existia, a zona do La Uribe e El Pato eram mata. O General Rojas havia implementado uma reforma agrária para dar terra aos camponeses, mas na floresta, e eles vieram com seus machados para derrubar a montanha. Estes são os agricultores que hoje estão reclamando que lhes legalizem as suas terras. Isso aconteceu até nos Estados Unidos, quando se povoou o Oeste, mas a Colômbia é o único país onde se tem que fazer uma guerra para registar uma terra que já é deles de facto.
MJD: Se o processo de paz se concretizar, você quereria chegar ao Congresso?
PC: María Jimena … Se o meu objectivo fosse chegar ao Congresso não teria necessidade de passar 40 anos a monte. Se eu lutei tantos anos não foi para se tornar apenas um parlamentar. Para isso, eu teria entrado para um partido tradicional e me teria tornado mais um cliente. Temos um enorme desejo de paz, mas seria injusto para o país que uma guerra que já custou tanto, termine sem uma mudança mínima nas condições sociais do povo. E seria um acto irresponsável por parte dos guerrilheiros colombianos buscarem só benefícios pessoais.
MJD: E entre esses benefícios pessoais o de não ir para a cadeia depois de todos os crimes que cometeram é um dos que lhes interessa?
PC: O que nós pensamos é que a proposta de Santos não é generosa a esse respeito. O M-19 obteve amnistia, constituição, circunscrição eleitoral especial, ministérios e até mesmo notícias. Tudo isso lhes foi dado acabando com a tomada do Palácio da Justiça. Para as FARC-EP, que é uma guerrilha muito mais importante, oferecem-nos um quadro jurídico em que nós temos que ir para a cadeia. Quantos anos? Pergunta um. Poucos, aí uns quatro a oito, dizem eles. Isso não é lógico.
MJD: Nem tem lógica pedir esses benefícios judiciais sem terem esclarecido como vão resolver o problema das vítimas.
PC: Isso não é verdade. Nós já dissemos que vamos dar a cara ás vítimas. O que acontece é que quando dizemos que também somos vítimas, muitos o interpretam como uma maneira cínica de dizer que não temos nenhuma responsabilidade. Não é verdade. O que acontece, ainda que muitos o não queiram aceitar, é que nós também somos vítimas. Cada um dos representantes da FARC-EP em Havana, para além dos andam no mato, tem uma tragédia para contar.
MJD: No seu caso, eu julgo que sua irmã foi sequestrada por Carlos Castaño em 1998.
PC: Minha irmã nem sequer era de esquerda, era uma jovem normal. Esta é a história que ela me escreveu antes de desaparecer: Castaño tinha concebido uma estratégia para humilhar os comandantes e retaliar contra nós e decidiu sequestrar alguns dos nossos familiares.
No meu caso, primeiro tentou sequestrar a minha mãe, uma outra irmã e a mãe do meu filho. Quando não conseguiu, avançou contra a minha irmã Yanette. Ela tinha um relacionamento com um homem casado que estava em processo de divórcio. Ele disse-lhe que ia vender um apartamento e ia dar esse dinheiro a ela. Eram 28 milhões de pesos
Os Castaño, que se haviam infiltrado, sabiam desses milhões na conta da minha irmã e assumiram que eram ” dinheiro maldito das FARC”, como escreveu na sua carta. Quando a levaram a Castaño, minha irmã foi acusada de ser uma fachada para o dinheiro de Pablo Catatumbo, quando eu não tenho mais que uma tenda para fazer o meu cambuche.
MJD: É verdade que a sua irmã e Carlos Castaño se apaixonaram?
PC: Como podia ser verdade? Como é que a ia sequestrar e de repente se apaixonar por ela? O que aconteceu depois foi que Castaño nos pressionou para negociarmos. Ele deu-me razões, mas eu disse que não iria falar com ele, que não estava com medo. Foi uma decisão que tomámos todos nós no secretariado, porque não era só a minha irmã, mas a mãe e a irmã de Ivan, o irmão de Alfonso, a irmã de Simon Trinidad.
Algum tempo depois os Castaño decidiram libertá-los a todos, mas ela teve que ir para o exílio na Costa Rica. Aí se estabeleceu, mas sempre com o sonho de voltar para Cali, onde estavam o seu filho e o seu namorado. Um dia, recebeu um telefonema dos Castaño na qual lhe diziam que se quisesse voltar, combinaria com eles. Embora a família lhe dissesse que não viesse ela insistiu, alegando que queria ver seus filhos e que não devia nada. Veio, e quando chegou ao Panamá, saiu do avião e até agora não ouvimos falar mais dela.
MJD: Vocês admitem ter sequestrado e assassinado o pai de Carlos Castaño?
PC: Embora eu não fosse o comandante na época, nem estava nessa zona, sim, é verdade que o pai foi retido pelas FARC, mas não executado. Aparentemente, morreu numa tentativa de resgate, quando se estava a proceder à sua libertação. Mas, sabe, não guardo rancores. Eu entendo que este é um conflito que nos afectou a todos nós. Por isso falamos de vítimas do conflito, incluindo as famílias dos soldados, dos guerrilheiros…
MJD: … as dos deputados do Valle, mortos pelas FARC ou as dos Turbay Cote, que tiveram o mesmo destino.
PC: Sim, os políticos. Na verdade, eu não tive nenhum envolvimento directo em qualquer dessas duas operações, mas entendo que deve ser um drama imenso e terrível, que não podemos negar e que, a seu tempo devemos tratar como organização.
MJD: No caso dramático do assassínio dos 11 deputados do Valle, estão dispostos a assumir a responsabilidade?
PC: Estou-lhe dizendo que aí há uma responsabilidade que devemos tratar enquanto organização.
MJD: A irmã dos Turbay Cote, em entrevista ao El Tiempo, diz perdoar somente se disserem a verdade. O que você responde?
PC: Eu acho um gesto de tolerância e nobreza de sua parte. Mas repito: nesse tema das vítimas há que colocar sobre a mesa todo o problema. Levantemo-lo, mas completo!
MJD: Um casal espanhol acaba de ser sequestrado em La Guajira. Vocês negaram tê-los. Por que é tão difícil de acreditar que não continuam a sequestrar?
PC: Volto a repetir: as FARC deram ordens para todas as nossas frentes para não deter pessoas. E, definitivamente, a retenção desse par de cidadãos espanhóis não foi obra das FARC.
MJD: Hoje está em Havana, mas amanhã você pode voltar para a montanha para lutar numa guerra que estão perdendo. Não teme acabar como Alfonso Cano?
PC: Que nós estejamos perdendo essa guerra é relativo. O certo é que nem o exército foi capaz de nos derrotar, nem nós fomos capazes de vencer a guerra. Continuar este conflito não pode ser bom para o país. Pergunta-me se eu tenho medo da morte e eu respondo: quando alguém assume um compromisso revolucionário deve assumir as consequências. A nós, revolucionários, não nos move o desejo de preservar a vida, senão para defender os nossos ideais. Por isso Che Guevara disse que somos uma espécie rara. E quanto à morte de Alfonso, eu acho que mandá-lo matar foi o pior erro de Santos. Ele era o grande homem da paz.
MJD: Essa imagem altruísta dos rebeldes em armas contrasta com o que têm feito durante tantos anos de guerra. São uma guerrilha cada vez mais aliada com o narcotráfico e que sujeita civis a extorsão e sequestro, ao recrutamento de menores e põe minas terrestres.
PC: Olhe, um Exército que lutou, que sofreu uma guerra como a que temos sofrido, se fosse integrado por traficantes de drogas, há muito que teria quebrado. Nós suportámos oito anos de Plano Patriota, além de dois anos de luta com este Exército de Santos. E digo-lhe uma coisa: não é verdade que este governo tenha abrandado o combate. A intensidade do confronto é igual ou maior do que com Uribe. Eu venho da frente dessa guerra.
MJD: Como se sente sentado em frente do general Mora e do general Naranjo?
PC: Cumprimentamo-nos cordialmente. Nós nunca entendemos isto como uma luta pessoal. Vemo-los como adversários, num confronto político em que eles se encontram de um lado e nós do outro. Um destes dias ouvi dizer ao General Naranjo que, quando se respeita o inimigo, é-se respeitado. Eu acho que é uma boa frase.
MJD: Se é verdade que não há sequestros e que nada têm a ver com o narcotráfico, algo difícil de acreditar, como estão então a financiar a guerra?
PC: A questão da retenção para fins económicos está definitivamente cancelada. O que eu lhe quero dizer é que nós não somos traficantes.
MJD: Porque entrou para a guerrilha?
PC: Eu tornei-me guerrilheiro depois de uma conversa com Jaime Bateman, que na época era da rede urbana das FARC. A partir dessa conversa eu fiquei convencido de que o caminho estava na luta armada. Entrei para a guerrilha, verifiquei que o meu irmão já pertencia a ela e, em seguida, com Carlos Pizarro e Álvaro Fayad. Embora estes dois tenham desertado para fundar a M-19, eu não o fiz, porque sempre tenho seguido a política das FARC. No entanto, respeitei muito Pizarro. Outra coisa é Navarro e companhia. Eles abandonaram os ideais de Pizarro e Bateman. Navarro nunca foi um revolucionário e Petro acho que nem sequer guerrilheiro foi.
MJD: Vocês dizem que sempre tiveram um desejo de paz, mas Pastrana ficou esperando com uma cadeira vazia por Marulanda, que nunca veio.
PC: Pastrana comprometeu-se a acabar com os grupos paramilitares. Mas não o fez. E Marulanda, que era desconfiado, duas vezes se levantou da mesa por causa da questão dos massacres paramilitares. Marulanda foi perdendo a confiança. Essa foi a verdade. Marulanda queria a paz. Pois se até mandou fazer uma casa no Caguán com piscina e acho que nem sabia nadar.
MJD: Acha que desta vez vão assinar o fim do conflito?
PC: Há que construir uma forte convicção em ambos os lados de que este processo é possível. Nós vamos empenhar-nos totalmente nesse propósito. Mas desde o início dissemos muito claramente que o nosso não é uma reabilitação, nem é um processo semelhante ao do M-19. Estamos falando de um fim do conflito, mas que nos leve à justiça social. O presidente sabe disso e ficou isso claro desde as primeiras cartas que trocámos. Eu vou-lhe dizer uma coisa: os processos de paz não têm funcionado no país por uma razão muito simples.
MJD: Qual?
PC: A de que nós não nos entendemos. Quando falamos de paz, o sistema compreende desmobilização. E para nós, a paz significa justiça social e algumas reformas e garantias de participação política. Esse desencontro é o que temos que superar. Por isso lhe digo: há progressos e temos que ser optimistas, mas sobretudo há que não nos levantarmos da mesa.
MJD: Mas é que vocês são especialistas em não deixar a mesa. Convém-lhes o estatuto dado pela negociação política.
PC: Podemos ir avançando na questão da participação política sem encerrar o primeiro ponto, o da terra. Pode haver várias questões sobre as quais concordamos, mas há uma em que não estamos de acordo: o governo fala em referendo para referendar o que combinarmos e nós falamos de uma constituinte. Mas é para isso que estamos aqui, não para impor condicionamentos mas para encontrar formas que nos permitam chegar a um acordo.
Este texto foi publicado na revista Semana
(*) Jornalista da revista colombiana Semana
Tradução de Guilherme Coelho (Com odiario.info)
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