Em relatório, pastoral aponta que 2015 foi ano de muitos retrocessos, e que só com organização e mobilizações esse cenário irá se reverter.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou nesta terça-feira (5) um balanço da questão agrária no Brasil em 2015.
A crise política e econômica no Congresso resultou, de acordo com a pastoral, em pautas conservadoras e no corte de verbas para políticas sociais no campo.
“O Congresso Nacional, com a mais conservadora formação das últimas décadas, manteve-se a serviço do poder econômico, que financiou as ricas campanhas eleitorais (…) Houve uma preocupante predominância de pautas conservadoras.
São exemplos: os inquietadores projetos para implantar a terceirização, a redução da maioridade penal, a restrição da demarcação das terras indígenas, a mudança na rotulação de produtos transgênicos, o tratamento restritivo do estatuto da família, a mudança do estatuto do desarmamento, a mudança no regime de partilha do pré-sal, dentre outras iniciativas voltadas ao conservadorismo e ao retrocesso nas conquistas sociais”.
Os cortes de 50% no orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra impediram que a meta de assentar 30 mil famílias em 2015 fosse cumprida. “Os movimentos sociais do campo questionam os dados do MDA, que declarou ter assentado cerca de 13 mil famílias de trabalhadores rurais até outubro, quando somente cerca de sete mil novas famílias haviam sido assentadas até então. De todo modo, o número é muito aquém da necessidade das famílias acampadas no Brasil”.
Conflitos
A violência no campo em 2015 foi, de acordo com dados parciais da CPT, o ano com maior número de mortes no campo desde 2004: foram assassinados 49 camponeses, sem terras e assentados da reforma agrária.
“Parte significativa das ocorrências de conflitos neste ano continuou sendo provocada pelo poder privado, com destaque para fazendeiros, grandes latifundiários, grandes empresas, mineradoras, hidrelétricas, portos, dentre outras grandes obras de infraestrutura. O fato demonstra uma disputa, excessivamente desigual, por territórios e bens naturais entre o poder privado e as comunidades camponesas”.
A atuação dos órgãos estatais em relação aos camponeses também foi apontada pela pastoral como alarmante. “A violência praticada pelo próprio Estado brasileiro, através da força policial, dos investimentos aos grandes projetos desenvolvimentistas, das ações do Poder Judiciário e das portarias e decretos que limitam as demarcações e desapropriações, permanece alarmante”.
Ambiente
A crise ambiental também foi aprofundada. Houve aumento em 16% do desmatamento da Amazônia, e tragédias como a de Mariana (MG) configuraram um dos maiores desastres ambientais da história.
“O Estado prossegue na contramão das necessidades globais, atendendo os interesses de empresas criminosas que financiam parlamentares e defendem o crescimento a qualquer custo”.
Do mesmo modo, o Brasil continua como o maior consumidor mundial de agrotóxicos, mantendo a autorização de comercialização e uso de produtos que já foram banidos em vários países.
“Enquanto de um lado, os órgãos reguladores são flexíveis com a liberação desses produtos no país, a estrutura dos órgãos de vigilância e fiscalização foi concebida para não funcionar e impede o acompanhamento das populações expostas, deixando de verificar quais são os riscos do contato com essas substâncias”.
Condições de trabalho
O combate ao trabalho escravo também sofreu retrocessos, com a suspensão da Lista Suja de Trabalho Escravo por decisão liminar do STF a pedido de grandes construtoras e o pedido de revisão do conceito de trabalho escravo por parte de deputados da bancada ruralista, aponta a CPT.
“A alegação é de que o conceito atual, enunciado no artigo 149 do Código Penal – em vigor desde 2003 e parabenizado internacionalmente –, abre a porta a exageros, arbitrariedade e insegurança jurídica. Trata-se de uma alegação falsa, pois o baixo efetivo de auditores fiscais em atividade tem reduzido as autuações, considerando como em condições análogas à escravidão apenas um caso em cada sete estabelecimentos fiscalizados, sob o frágil argumento de que trabalho escravo só se caracterizaria pela soma de violações e não pela verificação de infrações isoladas”.
Mobilizações
Apesar de todas as dificuldades, 2015 foi um ano de muitas lutas para os camponeses. A pastoral destaca a jornada das mulheres da Via Campesina e a marcha das Margaridas, que mobilizaram milhares de camponesas de todo o país, além das ocupações de terras em todo país, que ganharam força em 2015.
Os povos indígenas de todo o Brasil também realizaram grandes mobilizações e fizeram de Brasília um de seus principais campos de luta contra a PEC 215.
“Além dos protestos, as populações indígenas exigiram respeito, denunciaram as violências de que são vítimas em inúmeros fóruns e tribunais nacionais e internacionais e reivindicaram o cumprimento da Constituição para impedir retrocessos ou supressão de direitos”.
A CPT termina seu balanço acreditando que somente com organização a organização dos camponeses e trabalhadores rurais é que o cenário de 2015, que se prolongará em 2016, possa ser revertido.
“Somente com luta é que os trabalhadores rurais e movimentos sociais conseguirão evitar a clara tendência da permanência dos conflitos agrários. As comunidades camponesas impactadas por este modelo de desenvolvimento continuarão desafiadas a assumir para si a responsabilidade da resistência como único caminho para permanecerem existindo. Os desafios são enormes e, aos povos do campo, caberá a firmeza no olhar e a coragem nos passos para avançar em seus direitos, como sempre fizeram”.
(Com o Brasil de Fato)
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