"O casino tem de ser encerrado"
Oskar Lafontaine [*]
A política europeia da chanceler Angela Merkel está sob pressão crescente. Não só o presidente da Comissão Europeia, Manuel Barroso, como também Enrico Letta, recentemente escolhido pelo presidente Giorgio Napolitano para formar o novo governo, criticaram suas políticas de austeridade, as quais têm sido dominantes na Europa e estão a conduzi-la ao desastre. Líderes da Europa desde há muito estão perplexos. A situação económica está a piorar de mê para mês e o desemprego atingiu um nível que está cada vez mais a minar estruturas democráticas.
Os alemães ainda não perceberam que os europeus do Sul, incluindo a França, em vista da actual miséria económica mais cedo ou mais tarde serão forçados a defender-se contra a hegemonia alemã. Em particular, contra o dumping salarial alemão, o qual tem estado em infracção aos tratados desde o princípio da união monetária, colocando-o sob pressão. Merkel despertará da sua letargia farisaica quando os países que estão a sofrer o dumping salarial alemão se juntarem para forçar uma comutação política contra a crise à custa das exportações alemãs.
Uma moeda comum poderia ter sido sustentável se os participantes houvessem acordado acerca de uma política salarial orientada pela produtividade. Durante os anos 90, uma vez que considerava que tal coordenação de salários seria possível, concordei com o estabelecimento do Euro. Mas as instituições estabelecidas para aquela coordenação, particularmente o Diálogo Macroeconómico, foram contornadas pelos governos. As esperanças de que o estabelecimento do euro forçaria um comportamento económico racional de todas as partes foram vãs. Hoje, o sistema está desconjuntado.
Como escreveu recentemente Hans-Werner Sinn no Handelsblatt, países como a Grécia, Portugal ou Espanha teriam de tornar-se 20 a 30 por cento mais baratos do que a média da UE a fim de alcançar um nível de competitividade aproximadamente equilibrado e a Alemanha teria de tornar-se 20 por cento mais cara.
Contudo, os últimos anos mostraram que tal política não tem possibilidade de ser implementada. Uma apreciação real através de elevações salariais, que seria necessária no caso da Alemanha, não é possível com as associações corporativas alemãs e o bloco de partidos neoliberais, que é constituído pela CDU/CSU, SPD, FDP e Verdes, o qual a eles obedece. Uma depreciação real através da contracção salarial, a qual provocaria a necessária perda de rendimento de 20 a 30 por cento no Sul da Europa – inclusive em França – levará ao desastre, como já podemos ver na Espanha, Grécia e Portugal.
Se apreciações e depreciações reais não são possíveis por este meio, será necessário abandonar a moeda comum e retornar a um sistema que permita apreciações e depreciações, como era o caso com o antecessor da moeda comum, o Sistema Monetário Europeu (SME). Basicamente, a questão é tornar novamente possível efectuar depreciações e apreciações controladas através de um regime de taxa de câmbio dirigido pela UE. Para este objectivo, controles de capital estritos seriam o primeiro passo inevitável, a fim de regular fluxos de capital. Afinal de contas, a Europa já deu este primeiro passo em Chipre.
Durante um período de transição, será necessário proporcionar ajuda àqueles países que com certeza irão depreciar as suas moedas, a fim de apoiá-los – incluindo ajuda através da intervenção do BCE, para impedir um colapso. Uma pré condição para o funcionamento de um sistema monetário europeu seria uma reforma do sector financeiro e suas regulamentação estrita, de acordo com as linhas das caixas económica públicas (public saving banks). O casino tem de ser encerrado.
A transição para um sistema que permitisse apreciações e depreciações controladas deveria ser gradual. Um arranque poderia ter ocorrido na Grécia e em Chipre. As experiências com a serpente monetária europeia e o SME deveriam ser consideradas.
[*] Lafontaine foi ministro das Finanças da Alemanha de 1998 a 1999 e dirigente do Partido Social-Democrata (SPD), de que saiu em 1999 por divergências políticas com o primeiro-ministro Schröder. Foi um dos fundadores do partido Die Linke, cuja direcção assumiu, afastando-se em 2009 por razões de saúde. Até esta data ele havia defendido a União Monetária, ou seja, o Euro. A presente declaração a favor da dissolução progressiva do Euro constitui uma inversãao total da sua posição a respeito.
O original encontra-se em www.linksfraktion-saaland.de/...
Esta declaração encontra-se em http://resistir.info/ .
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