António Santos
Onde não há Partido - como sucede nos EUA - são os patrões que decidem a agenda e os termos do debate. Expressões como «exploração», «classe» ou «luta» estão banidas do léxico comum. Palavras como «militância» ou «comunismo» estão indelevelmente associadas ao «mal», ao «terrorismo» e às «ditaduras». Porque na língua universal do capitalismo a semântica é um instrumento de opressão e dominação de classe, onde não há Partido Comunista chama-se «cidadania» às contradições insanáveis entre exploradores e explorados, e «comunidade global interdependente» a um mundo saqueado pelo imperialismo e cada dia mais militarizado.
Às vezes, só pela ausência compreendemos o verdadeiro valor do que temos. É quando falta a luz que nos lembramos de que sem electricidade voltaríamos à idade das trevas; é quando o homem do quiosque adoece que descobrimos o quanto precisamos dele; e é quando um velho amigo morre que nos arrependemos dos dias que não passámos juntos. E reza o lugar-comum dos lugares-comuns que alguns só dão valor à saúde quando a perdem.
Pois eu cá, que vivo nos EUA há mais de três anos, tive incontáveis oportunidades de descobrir em todos os lugares a dolorosa ausência das coisas portuguesas que não se vêem ao perto: os autocarros, que aqui são privilégio das grandes metrópoles; a luz do sol, que nesta região do globo só se faz sentir durante quatro meses; a tradição de ver o telejornal à hora do almoço; o café; ir a pé às compras; e até o pão.
Claro está que também tenho as saudades que todos os emigrantes têm: dos meus amigos a braços com a sobrevivência; do meu sobrinho bebé que não posso ver crescer ou do meu pai já velho (um antigo preso político que hoje continua a lutar com a mesma coragem com que lutou toda a vida). Mas deste mar de saudades, triviais e importantes, previsíveis ou espantosas, a que mais me surpreende e profundamente me assombra é a falta do Partido Comunista.
A natureza depredadora do capitalismo impele-o a avançar na medida da resistência que se lhe opõe: privatiza quando pode privatizar, rouba quando lhe é possível e escraviza quando o deixam. Aqui, a correlação de forças entre trabalho e capital está de tal modo desequilibrada que, na sua sede insaciável pela maximização do lucro, a burguesia só se tem a si própria como obstáculo.
A falta de um partido da classe operária revolucionário, coerente e solidamente organizado sente-se em todos os aspectos da vida: a minha companheira, que é bancária, pode ser despedida a qualquer momento sem justa causa; eu, que sou professor, sou preso se fizer greve; a saúde e a educação foram reduzidas a mercadorias de custos astronómicos e a política está monopolizada pelo partido bicéfalo da alta burguesia.
Onde não há Partido Comunista prevalece o medo. A contradição de interesses, o gérmen da luta de classes, não pode ser extirpada, mas as condições subjectivas que a transformam em acção, essas podem ser manietadas. Como se pode lutar quando se deve 50 mil dólares ao banco pela universidade, mais 15 mil do carro e 100 mil da casa? Entre os trabalhadores norte-americanos impera a resignação e a vertigem da inevitabilidade.
Onde não há Partido, são os patrões que decidem a agenda e os termos do debate. Expressões como «exploração», «classe» ou «luta» estão banidas do léxico comum. Palavras como «militância» ou «comunismo» estão indelevelmente associadas ao «mal», ao «terrorismo» e às «ditaduras».
Porque na língua universal do capitalismo a semântica é um instrumento de opressão e dominação de classe, onde não há Partido Comunista chama-se «cidadania» às contradições insanáveis entre exploradores e explorados, e «comunidade global interdependente» a um mundo saqueado pelo imperialismo e cada dia mais militarizado.
Onde há Partido, os trabalhadores são mais fortes e é mais difícil aos patrões queimar as suas energias em idealismos vácuos e radicalismos inconsequentes. Onde há Partido, há uma Escola de Comunismo, onde milhares de quadros se formam politicamente no calor da luta e que garante que a experiência acumulada de gerações de revolucionários converge para a construção do socialismo.
Em Portugal, o PCP não só marca o passo à agenda política, como o trava aos interesses da grande burguesia. Não haja dúvidas: se os sucessivos governos PS-PSD-CDS não foram mais longe na destruição de Abril, é porque sempre se depararam com a resistência do PCP.
Não consigo imaginar como seria Portugal sem a luta dos comunistas, porque sem ela nem eu mesmo seria quem hoje sou. Seguramente, teríamos menos direitos e outra Constituição. Seguramente seríamos mais pobres. Mas também não consigo imaginar quantos anos nem quanto sangue seriam necessários aos trabalhadores dos EUA para erguerem um partido como o PCP.
Na luta de classes, nada é adquirido: tudo é conquistável e potencialmente perdível. Os EUA são o exemplo acabado desse mesmo perigo, que não só nos deve orgulhar do grande Partido que fomos capazes de construir, como nos incumbe da missão histórica de o reforçar. Porque onde há Partido há futuro, em Portugal o optimismo é revolucionário.
Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2058, 9.05.2013
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