segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Fim do pós-neoliberalismo

                                                                     
                                 Ascensão da direita pura e dura
James Petras (*)

A subida da direita pura e dura ao governo é um corolário das «alianças “sectoriais” e questões da vida quotidiana substituíram a consciência de classe. Os sindicatos perderam a sua capacidade de promover a luta de classes a partir de baixo e até mesmo de influenciar os sectores mais populares. A classe trabalhadora ficou numa posição vulnerável e está enfraquecida para se opor à implacável contra-ofensiva neoliberal anti-reformista».


A luta de classes “vinda de cima” encontrou a sua expressão mais intensa, global e retrógrada na Argentina, com a eleição de Mauricio Macri como presidente em Dezembro de 2015. Durante os dois primeiros meses no cargo, Macri tem revogado, por decreto, uma imensidão de políticas sócio-económicas progressistas aprovadas durante a última década e tenta expulsar das instituições públicas as vozes independentes.

Contando com uma maioria hostil no Congresso, assumiu poderes legislativos e procedeu à nomeação de dois Juízes do Supremo Tribunal, violando a própria Constituição.

O Presidente Macri efectuou uma purga nos ministérios e instituições do Estado para expulsar pessoas nomeadas pelo governo anterior consideradas críticas e substitui-las por leais funcionários neoliberais. Deteve dirigentes de movimentos populares e perseguiu membros do gabinete anterior.

Enquanto promovia a reconfiguração do Estado, o Presidente Macri lançou uma contra-revolução neoliberal que inclui uma desvalorização da moeda de 40% e elevou o preço da cesta básica em 30%; o fim de uma taxa sobre todas as exportações agrícolas e minerais (excepto soja); um limite ao aumento salarial 20% abaixo do aumento do custo de vida; um aumento de 400% no preço da electricidade e 200% do transporte; despedimentos em massa de funcionários públicos e nas empresas privadas; uso de balas de borracha para dispersar manifestações de grevistas; medidas para realizar privatizações em grande escala de sectores económicos estratégicos; um desembolso de 6.500 milhões de dólares aos credores de fundos abutre e especuladores (com um retorno de 1.000%) e contraiu novas dívidas.

A guerra de classes de elevada intensidade do presidente Macri visa inverter o bem-estar social e políticas progressistas implementadas pelos governos dos Kirchner nos últimos doze anos (2003-2015).

O presidente Macri declarou uma nova versão implacável da luta de classes a partir de cima, que sucede a um modelo cíclico neoliberal de longo prazo, no qual temos assistido a:

1- Um governo militar autoritário (1966-1972), acompanhado de uma intensa luta de classes a partir de baixo, seguido de eleições democráticas (1973-1976).

2- Uma ditadura militar acompanhada de uma intensa luta de classes a partir de cima (1976-1982), que resultou no assassinato de 30.000 trabalhadores.

3- Uma transição negociada para a política eleitoral (1983), uma crise inflacionária e o aprofundamento do neoliberalismo (1989-2000).

4- Crise e queda do neoliberalismo e luta de classes insurrecional de baixo para cima (2001-2003).

5- Regimes de centro-esquerda Kirchner-Fernández (2003-2015), em favor de um pacto social entre trabalho, capital e o regime.

6- Regime autoritário neoliberal de Macri (2015) e luta de classes agressiva de cima. O objectivo estratégico de Macri é consolidar um novo bloco de poder formado pela indústria agro-mineira local e a oligarquia banqueira local, banqueiros e investidores estrangeiros e o aparelho político-militar, a fim de aumentar significativamente os lucros embaratecendo a mão de obra.

A origem do aumento da prevalência de bloco neoliberal pode ser encontrada nas práticas e políticas de governos anteriores Kirchner e Fernandez. Estas políticas foram projetadas para superar as crises capitalistas de 2000-2002, canalizando o descontentamento das massas populares através de reformas sociais, incentivos às exportações agro-minerais e aumento do nível de vida mediante tributação progressiva, subsídios de energia elétrica e dos alimentos e aumento das pensões. 

Os programas progressistas de Kirchner foram baseados no boom dos preços das matérias-primas. Quando estes caíram a “coexistência” entre capital e trabalho foi dissolvida e a aliança de empresários, classe média e capital estrangeiro, liderada por Macri, aproveitou a morte do modelo para tomar o poder.

A luta de classes impulsionada a partir de baixo tinha sido severamente enfraquecida pela aliança do mundo do trabalho com o regime de Kirchner, não porque isso o beneficiara financeiramente, mas porque o pacto desmobilizou as organizações de massa ativas em 2001-2003. Ao longo dos 12 anos seguintes, os trabalhadores fizeram parte das negociações sectoriais (paritárias) com a intermediação de um “governo amigo”. 

As alianças “sectoriais” e questões da vida quotidiana substituíram a consciência de classe. Os sindicatos perderam a sua capacidade de promover a luta de classes a partir de baixo e até mesmo de influenciar os sectores mais populares. A classe trabalhadora ficou numa posição vulnerável e está enfraquecida para se opor à implacável contra-ofensiva neoliberal anti-reformista.

No entanto, as medidas extremas tomadas por Macri – a enorme queda no poder de compra, a espiral inflacionária e demissões massivas – têm provocado os primeiros passos de um ressurgimento da luta de classes a partir de baixo.

7 - As greves de professores e funcionários motivados pelos cortes salariais e as demissões dispararam em resposta aos cortes no sector público e aos decretos executivos arbitrários. Os movimentos sociais e de defesa dos direitos humanos convocaram manifestações esporádicas em resposta ao desmantelamento das instituições que perseguiam os oficiais do exército responsáveis pelo assassinato e desaparecimento de 30.000 pessoas durante a “guerra suja” (1976-1983).

Enquanto o regime Macri continua a aprofundar e expandir as suas medidas reacionárias destinadas a reduzir os custos de trabalho e dos impostos das empresas e o nível de vida, a fim de atrair o capital com a promessa de maiores lucros; enquanto a inflação sobe e a economia estagna devido ao declínio do investimento público e do consumo, há probabilidades de que a luta de classes se intensifique. Tudo indica que antes do final do primeiro ano do governo Macri se acentuarão as greves e outras formas de ação direta.

As grandes organizações de classe capazes de mobilizar a luta de classes a partir de baixo, enfraquecida por uma década do “modelo corporativo” da era Kirchner, vão levar tempo para se reconstruir. A grande questão é saber como organizar um movimento político de âmbito nacional que vá além da rejeição de candidatos eleitorais afins de Macri nas próximas eleições legislativas, provinciais e municipais e quando o fazer.


(*) James Petras é professor da Universidade de Nova Iorque, é amigo e colaborador de odiario.info.

Tradução de Guilerme Alves Coelho

Nenhum comentário:

Postar um comentário