sexta-feira, 4 de julho de 2014

Os comunistas


                                        

Pablo Neruda

Passaram-se alguns anos desde que ingressei no Partido
Estou contente
Os comunistas formam uma boa família
Têm a pele curtida e o coração moderado
Por toda parte recebem golpes
Golpes exclusivos para eles
Vivam os espíritas, os monarquistas, os anormais, os criminosos de todas as espécies
Viva a filosofia com muita fumaça e pouco fogo
Viva o cão que ladra mais não morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o
cinismo, viva o camarão, viva todo mundo, menos os comunistas
Vivam os cintos de castidade, vivam os conservadores que não lavam o pé a quinhentos anos
Vivam os piolhos das populações de miseráveis, viva a fossa comum e gratuita, viva o anarcocapitalismo,
viva Rilke, viva André Guide com seu corydonzinho, viva qualquer misticismo
Está tudo bem
Todos são heróicos
Todos os jornais devem sair
Todos devem ser publicados, menos os comunistas
Todos os candidatos devem entrar em São Domingos sem algemas
Todos devem celebrar a morte do sanguinário de Trujillo, menos os que mais duramente o
combateram
Viva o Carnaval, os últimos dias de carnaval
Há disfarces para todos
Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema esquerda, disfarces de damas beneficentes e
de matronas caritativas
Mas cuidado: Não deixem entrar os comunistas
Fechem bem a porta
Não se enganem
Eles não têm direito a nada
Preocupemos-nos com o subjetivo, com a essência do homem, com a essência da essência
Assim estaremos todos contentes
Temos liberdade
Que grande coisa é a liberdade!
Eles não a respeitam,
Não a conhecem
A liberdade para se preocupar com a essência
Com a essência da essência
Assim tem passados os últimos anos
Passou o Jazz,
Chegou o Soul, naufragamos nos postulados da pintura abstrata, a guerra nos abalou e nos matou
Tudo ficava como está
Ou não ficava?
Depois de tantos discursos sobre o espírito e de tantas pauladas na cabeça, alguma coisa ia mal
Muito mal
Os cálculos tinham falhado
Os povos se organizavam
Continuavam as guerrilhas e as greves
Cuba e Chile se tornavam independentes
Muitos homens e mulheres cantavam a Internacional
Que estranho
Que desanimador
Agora cantam-na em chinês, em búlgaro, em espanhol da América
É preciso tomar medidas urgentes
É preciso bani-lo
É preciso falar mais do espírito
Exaltar mais o mundo livre
É preciso dar mais pauladas e o medo de Germán Arciniegas
E agora Cuba
Em nosso próprio hemisfério, na metade de nossa maçã, esses barbudos com a mesma canção
E para que nos serve Cristo?
Para que servem os padres?
Já não se pode confiar em ninguém
Nem mesmo os padres. Não vêem nosso ponto de vista
Não vêem como baixam nossas ações na bolsa
Enquanto isso sobem os homens pelo sistema solar
Deixam pegadas de sapatos na lua
Tudo luta por mudanças, menos os velhos sistemas
A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranhas medievais
No entanto, há gente que acredita numa mudança, que tem posto em prática a mudança, que tem
feito triunfar a mudança, que tem feito florescer a mudança
Caramba!
A primavera é inexorável!

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