Hiran Roedel (*)
Vivemos em um mundo cada vez mais complexo, é verdade. O mundo da opulência de ofertas de produtos para serem consumidos, de um lado, e mais da metade da população mundial vivendo na linha da pobreza, ou seja, com menos de US$ 2,00 por dia, de outro.
A metade – os que têm poder aquisitivo –, em sua grande maioria, vive hoje na defesa de um modelo de sociedade pautado pela liberdade de consumo. De consumir o que é produzido por uma pequena quantidade de conglomerados econômicos que, despudoradamente, oferecem um cem número de marcas do mesmo produto para escamotear a não-liberdade de escolha. Essa é a democracia alardeada pelos grandes grupos midiáticos.
Mas será esse regime democrático? Será que este se sustenta pela igualdade, fraternidade e liberdade? Afinal, esse não foi o lema, criado pelos iluministas, que norteou a fundação da democracia burguesa?
Será que podemos afirmar que os termos democracia e burguesia, que caminharam juntos por três séculos feito siameses, são as duas faces da mesma moeda? Se são, o que dizer da metade da população mundial que vive na linha da pobreza?
Mas esse regime insiste em se intitular de democrático. Seus defensores o definem como sinônimo da igualdade, da fraternidade e da liberdade. Porém, se o que afirmam os 2% da população que concentram a metade da riqueza mundial e seus funcionários é verdade, como explicar a miséria e todas as suas consequências? E a existência dos 50% mais pobres que detêm apenas 1% dessa mesma riqueza, como justificá-los?
Contudo, temos a liberdade de ir e vir, de livre escolha etc., mas uma liberdade definida por apenas 2% da população. Todavia, deve-se insistir nos 50% sem as condições mínimas de sobrevivência. Esses não escolhem porque não têm como escolher. Mas não devemos nos desesperar, pois vivemos em uma democracia, sim: na democracia burguesa!
Nessa democracia em que os 2% da população olham por nós, ou seria melhor, nos controlam?
Atentos, sempre, em manter tudo funcionando para o bem de todos, eles nos indicam o caminho. E qual é esse caminho que devemos seguir, perguntariam os 50% da linha da pobreza?
Diria sem hesitar a burguesia mundial: devemos ampliar a presença do setor privado na economia, submeter o Estado à lógica empresarial reduzindo ao mínimo os investimentos nas áreas sociais. E não podemos deixar de aplicar os recursos públicos para socorrer e garantir os nossos lucros. E mais, é fundamental que não haja questionamento para não desistabilizar o regime e colocarmos tudo a perder.
E isso seria o suficiente? Indagariam os 50% mais pobres.
Não, responderia a burguesia. É necessário que vocês se apeguem, cada vez mais, às crenças religiosas, pois, dessa forma, terão o conforto espiritual para aguardarem a solução de suas mazelas.
Seguindo esse receituário, aprofundaremos a democracia burguesa e aí, quem sabe, diminua de 2 para 1 o percentual da população que controla os 50% da riqueza mundial. Se isso ocorrer, é bem capaz de ouvirmos os defensores da democracia burguesa alardearem que estamos avançando na democracia, porque diminuiu o número de bilionários no mundo!
(*) Hiran Roedel é professor.
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