A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" ouviram, no último dia 15 de julho, na Assembléia Legislativa de São Paulo, os irmãos Olderico Barreto e Olival Barreto e a filha de Olderico, a jornalista Thaís Barreto. Eles são familiares de José Campos Barreto, o Zequinha Barreto, e Otoniel Barreto, assassinados em 1971.
Zequinha foi uma liderança operária durante a Ditadura Militar, tendo sido preso e torturado no Deops de São Paulo por estar à frente da greve da Cobrasma, em Osasco, no ano de 1968. Após a edição do AI-5, quando Zequinha entrou para a clandestinidade, ele aproximou-se de Carlos Lamarca, capitão do Exército que se recusou a servir à Ditadura e, ao aderir à luta armada, tornou-se um dos líderes oposicionistas mais procurados.
A família Barreto abrigou os foragidos Zequinha e Lamarca durante dois meses, entre junho e agosto de 1971. Em 28 de agosto daquele mesmo ano, militares e policiais à paisana cercaram a pequena casa no povoado de Buriti Cristalino (Bahia), fazendo todos reféns. A ação fez parte da chamada Operação Pajussara, liderada pelo então major Nilton Cerqueira e pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, que tinha como objetivo capturar e assassinar Carlos Lamarca.
Zequinha e Lamarca estavam em um acampamento, a cerca de 1,5 km da casa da família Barreto. Na ação dos agentes da repressão, Otoniel Barreto, bem como Luiz Antônio Santa Bárbara, foram executados e seus corpos foram expostos à população e sepultados no povoado. Horas depois, foram desenterrados e levados em um helicóptero para Salvador.
Em Salvador, também foi enterrado Zequinha Barreto, a revelia da família. O pai de Zequinha e Otoniel, José de Araújo Barreto, foi levado até Salvador para reconhecer os corpos, que foram enterrados no cemitério do Campo Santo. Até hoje, apesar de inúmeros pedidos, a família não obteve a exata localização dos restos mortais de seus entes.
DEPOIMENTO - Os irmãos Olderico e Olival Barreto, que prestaram depoimento à Comissão, tinham então 22 e 11 anos, respectivamente, e presenciaram toda a operação. No momento do tiroteio, Olival conta que se escondeu debaixo da cama, o que lhe permitiu ver apenas a parte inferior do corpo de Luiz Antônio Santa Bárbara, que estava junto dele, no quarto.
Quando os militares entraram atirando, Santa Bárbara tombou do seu lado, sujando-o de sangue. Olderico foi torturado no meio da rua, levou tiros e carrega até hoje as cicatrizes no seu corpo. O pai deles, José de Araújo Barreto, então com 64 anos, também foi preso e torturado.
"Então eles ficaram com meu pai, fazendo buscas, tentando descobrir onde estava o Lamarca. Eles ficaram ali do sábado até a sexta-feira seguinte. Eu fiquei na casa de uns tios, o único lugar que deu algum apoio, porque todas as pessoas do lugar sentiram muito medo. Eu mesmo cheguei a ir a casas de pessoas que bateram a porta na minha cara. Aí eu fiquei imaginando que se eu recebi uma porta na cara, imaginei quantas portas na cara o Zequinha e o Lamarca não receberam naquele período que eles ficaram naquela serra, procurando uma comida, alguma coisa", lembrou Olival, que na época tinha 11 anos.
Poucos dias depois, em 17 de setembro, exaustos e doentes, Lamarca e Zequinha foram encontrados e executados no povoado de Pintada, município de Ipupiara, no sertão da Bahia.
MEMÓRIA - Em Pintada, foi construído recentemente um memorial no local onde foram assassinados Zequinha Barreto e Carlos Lamarca. Há 14 anos, por iniciativa do Bispo Dom Luiz Cappio, ocorre no dia 17 de setembro uma homenagem, a Celebração dos Mártires. Desde 2009, esta data é feriado em Brotas de Macaúbas.
Durante a sessão, foi entregue documento, assinado pelos familiares de Zequinha e Otoniel Barreto, pedindo apoio da Comissão Nacional da Verdade para a localização dos túmulos no cemitério do Campo Santo, em Salvador, onde os irmãos teriam sido enterrados, para que a família possa fazer o translado dos restos mortais para o "Memorial dos Mártires". O documento está disponível aqui. Caso as famílias de Lamarca e Santa Bárbara concordem, é desejo da família Barreto que seus restos também sejam levados para lá.
Estavam presentes na audiência Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, e André Vilaron, assessor da CNV. A Comissão da Verdade reiterou que dará todo apoio à família Barreto na sua solicitação.
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