A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) iniciou uma série de análises trimestrais sobre as violações à liberdade de imprensa no Brasil em 2020. A primeira aborda a estratégia do presidente Jair Bolsonaro para acusar e minar os jornalistas e veículos que o incomodam.
A RSF lembra que desde janeiro de 2019, quando assumiu o governo, o presidente Bolsonaro tem insultado, denegrido e humilhado jornalistas sempre que publicam algo contrário a ele ou aos seus interesses administrativos. Ele conta, para isso, com a ajuda de seus familiares, de ministros, e de um exército de apoiadores nas mídias sociais.
E apesar de virem de diferentes formas, os ataques sistemáticos à mídia obedecem a uma estratégia clara e eficaz – “encorajar uma desconfiança duradoura em relação aos jornalistas que são alvos, destruir sua credibilidade e gradualmente construir um inimigo comum”, destaca a análise. A RSF também afirma que os ataques têm como objetivo controlar o debate público e evitar ir ao cerne das questões.
Nos primeiros três meses deste ano, foram mais de 32 ataques do presidente à mídia, uma média de um a cada três dias. Destes, 15 foram ataques a jornalistas e à imprensa, sendo que cinco foram direcionados a mulheres jornalistas; além de 14 comentários negativos para minar o trabalho da mídia, e três casos de obstrução à prática jornalística.
Considerando a crise do coronavírus, a análise lembra que em 28 de março, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta criticou a cobertura da pandemia como “sórdida” e “tóxica” e pediu para a população desligar a TV.
“Desliguem um pouco a televisão. Às vezes ela é tóxica demais. Há quantidade de informações e, às vezes, os meios de comunicação são sórdidos porque eles só vendem se a matéria for ruim”, afirmou Mandetta.
Mesmo com a disseminação do coronavírus no Brasil, Bolsonaro continua negando a realidade e pedindo para que o isolamento social seja interrompido. A RSF lembra que, em 29 de março, após violação das normas do Twitter por irresponsabilidade, Bolsonaro teve duas postagens de seu perfil oficial apagadas pela plataforma.
As mensagens continham vídeos de um passeio do presidente pelas ruas do Distrito Federal, contrariando as recomendações de isolamento social das autoridades de saúde e da Organização Mundial de Saúde.
Referente à humilhação pública e ‘linchamento’ online, a análise destaca que desde o início de 2020, os crescentes ataques tiveram uma reviravolta, com atos teatrais pensados para humilhar os jornalistas publicamente.
No início de março, na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente foi questionado por jornalistas sobre o PIB (Produto Interno Bruto). Em vez de falar sobre o fraco resultado do PIB, Bolsonaro chamou um humorista para representá-lo entregando bananas para a imprensa. E em 26 de março, o presidente provocou os jornalistas que o aguardavam, e atacou os repórteres perguntando se eles não temiam o coronavírus: "Não estão com medo do coronavírus? Vão para casa”, disse Bolsonaro.
“Tais ataques são amplamente ecoados nas mídias sociais, onde Bolsonaro é bastante ativo e não hesita em espalhar fake news (sobre os usos da cloroquina, por exemplo)”, afirma a RSF.
A análise cita o relatório anual sobre Violações à Liberdade de Expressão, da ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), que revela que a imprensa sofreu 11 mil ataques diários nas redes sociais em 2019.
Dos ataques, 3,2 milhões foram produzidos por perfis e sites mais conservadores contra a imprensa. E as mulheres são os alvos principais, com destaque para os casos mais recentes envolvendo as jornalistas Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo e Vera Magalhães, da TV Cultura e Estadão.
Em março, Mello ajuizou ação com pedido de indenização por danos morais contra o presidente Jair Bolsonaro. O motivo foi a ofensa de cunho sexual que Bolsonaro fez contra ela, uma semana após o depoimento suspeito de Hans River do Nascimento, ex-funcionário da agência de marketing digital Yacows, à CPMI das Fake News. "Ela queria um furo. Ela queria dar o furo", disse o presidente a um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada, em referência à jornalista da Folha.
Já Magalhães passou a sofrer ataques de apoiadores de Jair Bolsonaro após ter revelado que o presidente havia usado seu celular pessoal para compartilhar um vídeo convocando a população para manifestações contra o Congresso Nacional, no dia 15 de março.
“Os casos de Mello e Magalhães são típicos do machismo bruto que caracteriza o comportamento do presidente e seus apoiadores”, afirma a RSF, e lembra que as jornalistas brasileiras foram alvo de 20 ataques e ofensas misóginas e machistas entre janeiro de 2019 e fevereiro deste ano, segundo levantamento feito pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) a pedido das Nações Unidas. Em 16 dos episódios, os autores foram autoridades públicas, como deputados federais e estaduais, ministros e o próprio presidente Jair Bolsonaro.
A análise destaca o ‘gabinete do ódio’, que está na lista dos Predadores Digitais da Liberdade de Imprensa, publicada pela RSF em 10 de março. Ex-líder do governo na Câmara, a jornalista e deputada federal Joice Hasselman (PSL-SP) se tornou um dos alvos do ‘gabinete do ódio’.
Em depoimento à CPMI das Fake News, ela explicou (com prints e áudios inéditos de conversas via aplicativos de celular, gráficos e imagens) como funciona a estratégia do governo federal de ataques virtuais a pessoas consideradas "traidoras", e afirmou que "praticamente meio milhão de reais de dinheiro público são destinados para perseguir desafetos".
Nenhum comentário:
Postar um comentário