As IFES no combate à pandemia
Fábio Martins Bezerra(*)
Há cerca de um ano, no final de abril de 2019, Abraham Weintraub, então recém-empossado ministro da Educação no Governo Bolsonaro, após dois grandes atos cívicos nas ruas do Brasil (15 e 30 de Março) contra o anúncio dos cortes de 30% para custeio das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), resolvia contra-atacar a resistência heroica em defesa da Educação e passou a adotar a tática da chantagem financeira para com as Instituições de Ensino.
Calúnias e impropérios contra as Instituições Federais de Ensino passaram a ser editados semanalmente, chegando-se ao absurdo de tentar desmoralizar instituições que há décadas promovem ensino, pesquisa e extensão de qualidade.
As IFES passaram a ser acusadas de promoverem “balbúrdia” e de não cumprirem com seus preceitos institucionais, justificando assim futuras restrições orçamentárias do MEC. Para tanto, vídeos apócrifos e matérias de jornais antigas e descontextualizadas foram utilizadas como peças de uma grotesca montagem caricatural, falsa, deletéria e hipócrita.
À época três renomadas universidades foram alçadas ao crivo das acusações (UFBA, UNB e UFF), justamente instituições que se destacaram na resistência contra os cortes de custeio. Docentes, Departamentos de Ciências Humanas, entidades estudantis (CA’s e DCE’s) e sindicais foram arrolados como promotores dessa “balbúrdia” com recursos públicos e dessa forma as universidades mereceriam as restrições exemplares.
Naquele período o MEC já gestava o malfadado projeto de privatização das IFES que foi batizado com o nome “Future-se” e que simplesmente colocava no colo da iniciativa privada todo o potencial de pesquisa, ensino e extensão que as IFES possuem.
Desde Julho de 2019 as tensões e investidas do MEC contra as IFES têm ditado o ritmo da vida acadêmica, sem que isso tenha, por sua vez, alterado ou estagnado o compromisso dos servidores públicos em manter o bom funcionamento de nossas instituições de ensino, apesar das reduções de recursos, a suspensão de concursos públicos e o desrespeito à escolha democrática de dirigentes que ocorreram em diversas instituições.
Mas por que relembrar as calúnias e os ataques vis que tentaram sedimentar de preconceitos a opinião pública? Porque justamente são essas instituições, que há décadas vêm sendo atacadas por políticas neoliberais e difamadas moralmente pelos asseclas da privatização do ensino, são essas que, em conjunto com o Sistema Único de Saúde, têm tomado a vanguarda no combate à pandemia do Covid-19 no Brasil e na pesquisa de substâncias e mecanismos que possam auxiliar no tratamento da doença.
As “bruxas de Salém” de Weintraub (UFBA, UnB e UFF), que foram expiadas publicamente sob o pecado da “balbúrdia” há um ano, hoje promovem relevante assistência às Secretarias de Saúde de seus Estados colocando todo o potencial de seus servidores, laboratórios e conhecimento a serviço do combate a pandemia.
A UnB, por exemplo, foi uma das três universidades públicas que conseguiram sequenciar o código genético do novo coronavírus possibilitando dessa forma monitorar as variações genéticas, as proteínas fundamentais ao vírus e dessa forma testar drogas que possam enfraquecê-lo. A UFBA produziu tecnologia para testes rápidos que identificam o vírus em pouquíssimo tempo! E a UFF vem se destacando com a produção em série de máscaras de proteção, além de respiradores mecânicos, álcool 70% e fórmulas de desinfecção pública.
Faço aqui apenas uma breve apresentação de muitos projetos de extensão e pesquisas que essas três instituições, atacadas com a alcunha da “balbúrdia”, estão promovendo nesse momento de crise e que se somam a centenas de projetos em curso desempenhados pelas IFES e também por muitas universidades estaduais e municipais.
Na realidade, as Instituições Federais de Ensino (Universidades, Institutos Federais e Cefet’s) possuem juntas um potencial que reúne mais de 800 unidades espalhadas em todo o Brasil e que concentram cerca de 95% da pesquisa em todas as áreas de conhecimento, além de promoverem relevantes projetos de extensão junto as comunidades e movimentos sociais.
Imaginem que, mesmo com todos esses ataques orçamentários do Governo neoliberal de Bolsonaro, Guedes e consortes, com todos os ataques ideológicos promovidos pelos herdeiros da TFP (Tradição Família e Propriedade), as IFES têm conseguido fazer muito, têm resistido em sua maioria a investidas como o “Future-se” e, se tivessem orçamento adequado, respeito à carreira e financiamento em infraestrutura, poderiam fazer muito mais.
E é exatamente nesse contexto de múltiplas contradições e desafios, que se acentuam com a crise social aguda devido ao avanço da pandemia do Covid-19, é que as “janelas de oportunidades” se abrem possibilitando avanços em nossa linha de resistência.
E uma dessas janelas, talvez a mais imediata nesse contexto, tem sido as ações extensionistas que poderão ser desenvolvidas no sentido de auxiliar comunidades na prevenção e no combate ao contágio do Covid-19, mas também e sobretudo, nas medidas sociais que possam reduzir os impactos da pandemia junto à população mais carente. Os desdobramentos dessa pandemia irão aumentar ainda mais o fosso da desigualdade social (o Brasil é o 7º no ranking da ONU de 2019) e até mesmo a concentração de renda.
A extensão acadêmica entre a pesquisa e o ensino é o meio mais imediato de atuação nesse contexto e, dependendo do projeto e dos recursos empenhados, com alguns dias de execução, os resultados do compartilhamento de conhecimentos científicos e tecnológicos com as comunidades já começa a dar resultados imediatos.
Mesmo sob a égide do ideário neoliberal que permeia muitos governos estaduais e os ditames dos cortes de recursos para as Fundações de Amparo à Ciência e a Tecnologia, o avanço da Covid-19 fez ampliar os editais de pesquisa e sobretudo os de extensão voltados a ações emergenciais que possam somar forças no combate a pandemia.
Nós, que sempre defendemos o caráter público das IFES e fundamentalmente o empenho do conhecimento acadêmico a serviço da classe trabalhadora, não podemos nos furtar de ocupar esse espaço e através da extensão aproximar e ampliar as redes de contato com as comunidades e movimentos sociais sob uma perspectiva crítica e que possa fortalecer enlaces que sobrevivam e frutifiquem após o inverno passar.
Ou seja, além de defender e enunciar aos quatro cantos a importância estratégica que os serviços públicos de saúde e educação possuem nos momentos mais decisivos da nação – o que por si já se torna uma contraofensiva ideológica aos futuros ataques que virão -, é fundamental que as políticas públicas de extensão em curso, nesse contexto, possam construir pontes firmes de acesso dos movimentos sociais e comunidades populares aos espaços do saber presentes nas IFES, de modo a forjar um amálgama de consciência e identidade entre as IFES e a classe trabalhadora.
São muitos os desafios e, da mesma forma que as crises abrem “janelas de oportunidades” para se ocupar os espaços nos cenários possíveis, os defensores da pedagogia produtivista, da lógica mercadológica, do empreendedorismo ou do ensino à distância também se movimentam nesse terreno acidentado e se anunciam como porta-vozes da esperança, fortuitos na perspectiva de que a “mão invisível” será a ordenadora de um novo tempo, no afã da disputa de corações e mentes para se enraizarem mais ainda nas lacunas dos ataques que as IFES vêm sofrendo.
Enfim, pode até parecer que moralmente a batalha contra as falácias do cavaleiro do apocalipse está sendo vitoriosa, pois é inegável a importância e a presença das IFES em diversas áreas de atuação nesse contexto de crise e que a única balbúrdia existente é aquela promovida pelo MEC contra o direito a uma educação pública, democrática e de qualidade.
Cabe compreender que a defesa e a disputa por uma educação popular ou de uma universidade popular passam fundamentalmente, nesse momento, pela ampliação e a efetiva ação extensionista junto às comunidades populares e aos movimentos sociais nesse contexto da pandemia.
Os dados presentes na página do Fórum de Pró Reitorias de Extensão (FORPROEX) nos apresentam uma lista de instituições federais de ensino (Universidades, IFs e Cefets) e as respectivas iniciativas extensionistas e editais abertos nesse instante e um leque de possibilidades que podem ser efetivadas na perspectiva de uma Educação Popular.
Como diria Florestan Fernandes, são muitos os espaços onde se evidencia a disputa de projetos de sociedade e, no campo do conhecimento, essa disputa se evidencia sobretudo pela forma como esse conhecimento é apreendido e direcionado e quais os objetivos que norteiam sua aplicação. Em uma sociedade de classes, tudo está em disputa e as crises abrem “janelas de oportunidades” que se tornam, por sua vez, espaços que devem ser ocupados, ou seja, não basta apenas a oportunidade, tem que haver também a ação.
Por fim, as IFES mandam lembranças das trincheiras da resistência ao Consórcio do Pandemônio, formado por aqueles que conspiram contra a educação pública, aqueles que sonegam informações, mentem ao povo, perseguem servidores, estudantes e não respeitam as eleições democráticas para escolhas de dirigentes. Manda lembranças aos governos neoliberais que agora recorrem às Universidades, IFs e CEFETs para auxiliar no combate à pandemia do Covid-19 e faz questão de lembrar que estão de pé, vivas e presentes nesse momento decisivo da História do Brasil!
(*) Professor de Filosofia da Tecnologia, membro da Rede Tecnológica de Extensão Popular (RETEP) e membro do Comitê Central do PCB.
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