Após menos de um ano e meio de governo, suposto reformador liberal se revela o que sempre foi: um radical de direita sem qualquer interesse em práticas corretas no Estado ou no combate à corrupção, opina Alexander Busch.
Em menos de 48 horas, o presidente Jair Bolsonaro deixou cair a máscara que até então mantinha diante do rosto, de reformador liberal do Estado e da economia, e adversário da corrupção. A esses falsos papéis, o populista de direita deve grande parte dos votos da classe média e do empresariado que o elegeram há um ano e meio.
Quem quer que ainda esperasse que – a despeito de todos os sinais em contrário – o gabinete de Bolsonaro fosse tranquilamente continuar se dedicando às reformas e ao combate à corrupção, pode agora desistir de vez. Pois, em apenas dois dias, o presidente cortou as asas, primeiro de seu superministro da Economia, o liberal Paulo Guedes, e depois do agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.
Ele sempre louvara Paulo Guedes como onisciente e onipotente encarregado de economia e finanças em seu gabinete; seu "Posto Ipiranga", que não se curvava diante de ninguém; que tinha sob seu controle as pastas das finanças, economia e planejamento, assim como as instituições financeiras estatais, do Banco do Brasil e BNDES ao Banco Central.
Porém, agora Bolsonaro fez seu ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, anunciar o Pró-Brasil, seu "plano Marshall brasileiro". Através dele, 30 bilhões de reais deverão fluir para projetos estatais de infraestrutura, sob controle e fiscalização dos militares. Desse modo, fica neutralizada a abordagem liberal de Guedes, que pretendia entregar o financiamento dos projetos de infraestrutura ao maior número possível de investidores privados.
Com isso, o Brasil se encontra exatamente onde estava 50 anos atrás, sob a ditadura militar, quando planejadores estatais militares estipulavam e executavam obras de infraestrutura – da Transamazônica e a usina nuclear de Angra dos Reis até a represa de Itaipu. Como naquela época, o Estado brasileiro não dispõe do capital necessário e terá que se endividar, até as verbas se esgotarem e a falência estatal bater à porta.
A supervisão militar não evitará que, também desta vez, ocorra corrupção em grande estilo. Naquela época, ganharam porte conglomerados de construções como Odebrecht e Andrade Gutierrez, que dominaram por décadas o Estado, a economia e a política do Brasil, como verdadeiras máquinas de corrupção.
Bolsonaro já se encarregou de debilitar os mecanismos de controle de corrupção. Ao exonerar o diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo, ele degradou a tal ponto seu ministro da Justiça, o ex-juiz Moro, que este acabou por renunciar.
Por um lado, em suas investigações, a Polícia Federal vinha chegando cada vez mais perto da família Bolsonaro. Por outro, Moro devia estar irritado por o presidente pretender compactuar com políticos sabidamente corruptos, a fim de ganhar pelo menos um pouco de respaldo no Congresso.
Se permanecesse no cargo, Moro se tornaria totalmente desqualificado como garantidor de governança íntegra. Mas com a sua renúncia, não haverá mais controle sobre a panela formada por Bolsonaro, os militares e os serviços de segurança nacional.
Ou seja: caiu definitivamente a máscara do governo. Menos de um ano e meio após tomar posse, o suposto reformador neoliberal e combatente da corrupção se revela o que sempre foi: um político ultradireitista de baixa categoria, sem o menor interesse em reformas estatais nem em práticas limpas no Estado e na economia.
Bolsonaro não está sequer interessado num governo que funcione, como provam a demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e a pressão crescente sobre a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Bolsonaro vai governar nos próximos dois anos e meio para si e seu clã familiar, assim como para seus apoiadores mais próximos. Estes são sobretudo os evangélicos, que o abençoam com preces todas as manhãs, diante do Palácio da Alvorada, enquanto ele distribui tiradas de ódio. Além disso, há os saudosistas da ditadura – e claro, os empresários oportunistas, ávidos de se locupletar com as verbas públicas.
As Forças Armadas apoiarão Bolsonaro na execução de seus planos. Desde já, o governo pouco se distingue de um regime militar clássico – embora a divisão de poderes ainda funcione na democracia brasileira. Entretanto, todas as posições-chave já estão ocupadas por militares – assim como o segundo e o terceiro escalões da burocracia.
Já se pode prever o que o clã Bolsonaro tentará: neutralizar o Congresso, a Justiça e a mídia, pois atrapalham o governo. As Forças Armadas vão cooperar – como agora, ao não criticar o apoio do presidente a manifestantes pró-ditadura.
Os militares detestam desordem, transparência e separação de poderes. Eles adoram hierarquias e obediência a comandos, assim como seu poder recém-conquistado em Brasília, o livre acesso a orçamentos e privilégios. Além disso, se consideram mais bem organizados do que o resto da sociedade.
O caos decorrente da crise do coronavírus vem a calhar para Bolsonaro. Seria a ocasião perfeita para ele eliminar de vez a divisão de poderes no país."
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