Neste 27 de maio de 2017, aos 91 anos, Miguel Urbano Rodrigues entrou para a história do movimento comunista, provavelmente como o melhor exemplo de intelectual militante que fez do exercício do internacionalismo proletário um compromisso de vida.
A extraordinária obra deixada por este eterno jornalista e escritor, valorizada por sua vasta cultura e a clareza da sua escrita, será sempre uma inesgotável fonte de pesquisa para aqueles que procuram entender o mundo pelas lentes da luta de classes.
Diz-se que Miguel Urbano era português. Tanto assim que nasceu no Alentejo, em 1925. Mas o olhar comunista de Miguel não tinha fronteiras. Em cada um de seus escritos se identifica, em cada momento histórico, aonde e de que lado estavam os atores e os interesses que se batiam em cada capítulo da luta inconciliável entre o capital e o trabalho.
Por sofrer as dores e as alegrias de todos os povos, além de português, Miguel era russo, cubano, grego, vietnamita, palestino, argelino, francês, haitiano, iugoslavo, colombiano e venezuelano, angolano e moçambicano. Mas ser brasileiro marcou muito nosso querido Miguel.
Viveu entre nós quase vinte anos, durante o exílio que lhe impôs a ditadura fascista de Salazar. No Brasil, exerceu o jornalismo e militou no PCB. Logo após a Revolução dos Cravos (que se deu em 25 de abril de 1974), voltou a Portugal para se reincorporar ao Partido Comunista Português e militar à frente de sua imprensa partidária.
Miguel nunca deixou de acompanhar os acontecimentos no Brasil, mas manteve distância política do PCB durante a década de 1980, apesar de preservar relações amistosas com alguns comunistas brasileiros que tiveram a honra de compor sua legião de amigos por toda parte. Foi nos anos 1990, em meio aos impactos que a contrarrevolução na União Soviética provocou no movimento comunista internacional, que Miguel Urbano, sondando o terreno, voltou aos poucos a se aproximar do PCB, solidário com a luta daqueles que insistiam em defender a manutenção do partido, resistindo aos liquidacionistas.
Desde então, a relação de Miguel Urbano Rodrigues com o PCB veio se intensificando, fazendo dele o amigo, colaborador e simpatizante mais identificado internacionalmente com o partido. Para se ter ideia da importância da contribuição teórica de Miguel Urbano para a formação da nossa militância e dos nossos amigos e simpatizantes, ele é o autor mais publicado no portal do PCB, com mais de 150 textos que continuarão à disposição dos leitores.
Miguel esteve em atividades do partido em várias ocasiões, a mais importante num Seminário Internacional nas comemorações dos 90 Anos do PCB, em março de 2012. Na ocasião, ao chegar a Portugal, publicou em odiario.info, que criou e dirigiu, seu artigo “Sobre os 90 Anos do PCB”, que abaixo transcrevemos na íntegra. Nada melhor do que as palavras do camarada Miguel para conhecer sua relação com o PCB.
A ausência física de Miguel Urbano Rodrigues nos priva de uma fonte privilegiada para subsidiar nossa compreensão de fatos marcantes que surgirão desta complexa conjuntura internacional. Mas seu fértil legado intelectual e seu exemplo de vida serão fontes eternas de inspiração para os verdadeiros revolucionários.
Camarada Miguel Urbano, presente, hoje e sempre!
Comitê Central do PCB (Partido Comunista Brasileiro)
Sobre os 90 anos do Partido Comunista Brasileiro
Miguel Urbano Rodrigues
Raras vezes um partido comunista se recuperou após uma crise profunda que, no desenvolvimento de uma estratégia e uma tática incompatíveis com princípios e valores do marxismo-leninismo, implique na prática a renuncia ao objetivo principal: a tomada do poder rumo à construção do socialismo.
A desagregação da URSS e a restauração do capitalismo na Rússia contribuíram decisivamente para a social democratização de muitos partidos comunistas e em alguns casos para o seu desaparecimento ou transformação em partidos da burguesia neoliberal.
Nesse panorama sombrio, o Partido Comunista Brasileiro emerge como exceção que reconforta.
À beira do abismo, após mais de uma década de vida letárgica, renasceu em 1992, reconstruiu-se como organização marxista-leninista e retomou a sua vocação de partido revolucionário e internacionalista.
A HISTÓRIA ESQUECIDA
Foi com emoção que acompanhei esses debates e intervim no Seminário Internacional que se seguiu ao dedicado aos temas nacionais.
Vivi em São Paulo, exilado, de 1957 até à Revolução portuguesa e, como militante do PCB, tive a oportunidade de participar modestamente das lutas do povo brasileiro.
Por decisão do Ministro da Justiça um livro meu foi apreendido. Detiveram-me algumas vezes e fui submetido a prolongado interrogatório por um inspetor da famigerada Operação Bandeirantes, a criminosa organização militar-terrorista da ditadura.
A crise que se instalou no campo socialista no final dos anos 80 e culminou com a reimplantação do capitalismo na Rússia aprofundou a tendência capituladora e liquidacionista de influentes membros do Comité Central.
A maioria desse Comité Central, impondo uma linha reformista, levou o PCB à beira da extinção.
A exigência da reconstrução revolucionária principiou quando a maioria do CC aboliu o centralismo democrático, e mudou o nome do Partido, criando uma organização socialdemocrata, o Partido Popular Socialista, que hoje tem um perfil de centro-direita. Mas não conseguiu acabar com o PCB, que não deixou de existir um dia sequer, ao contrário do que na Europa foi afirmado inclusive por intelectuais marxistas.
A LENTA RECONSTRUÇÃO
O renascimento do PCB foi lento, difícil. É ainda um pequeno partido num país de 200 milhões de habitantes. Não tem deputados no Congresso e nas Assembleias dos Estados, poucos representantes municipais. São transparentes as suas insuficiências. Mas a atual linha revolucionária, traçada por uma direção marxista-leninista e sustentada por quadros de grande qualidade, proporcionou-lhe em poucos anos um grande prestígio.
Enquanto pelo mundo outros partidos comunistas se social-democratizaram, ele volta a desempenhar um papel de crescente importância nas lutas do povo brasileiro e no cenário internacional em todas as frentes onde o combate ao imperialismo estadunidense se tornou exigência revolucionária.
(publicado em 23/04/2012)
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