terça-feira, 2 de maio de 2017
CULTURA
Olga nos arquivos da Gestapo
Mantidos em segredo pela polícia nazista, mais de dois mil documentos sobre a alemã que foi mulher de Luiz Carlos Prestes são revelados em livro escrito pela filha do casal
Eliane Lobato
INÉDITOS
Obra revela porte dos oito dossiês de Olga Benário na Alemanha sob Hitler (Crédito:Divulgação)
A recente abertura dos arquivos da Gestapo, a Polícia Secreta da Alemanha de Hitler, revelou pertencer a Olga Benário (1908-1942) o mais extenso volume de documentos sobre uma única vítima do nazismo. São oito dossiês com cerca de dois mil itens: cartas, telegramas, anotações e fotografias da militante alemã que foi mulher do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes (1898-1990). Sobre esse vasto material, a historiadora Anita Leocadia Benário Prestes, filha de ambos, se debruçou para escrever o livro “Olga Benario Prestes: Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo” (Boitempo), com lançamento previsto para maio.
A pedido de ISTOÉ, Anita destacou três documentos que considera mais relevantes: “O passaporte concedido pelo consulado alemão no Rio de Janeiro dias antes de sua extradição para a Alemanha; a carta enérgica que ela escreveu ao chefe da Gestapo protestando por terem retirado a filha de sua companhia sem aviso prévio e sem que pudesse ter entregado a criança à avó paterna; e o relatório da Gestapo a Heinrich Himmler, comandante das SS, informando que Olga era uma comunista inteligente, perigosa e obstinada”, diz Anita. Olga se recusou a delatar companheiros nos interrogatórios, nos quais repetia: “Se outros se tornaram traidores, eu jamais o serei.”
Alemã de origem judia, Olga tentou obter a nacionalidade brasileira para escapar dos nazistas, mas nunca conseguiu porque não tinha certidão de casamento. “Meus pais viviam com documentos falsos, sem condições de realizar um casamento legal”, disse Anita. A Gestapo se referia a ela como “comunista e plenamente judia”, motivos pelos quais foi presa, em 1936, e enviada a campos de concentração até ser executada em uma câmara de gás, no campo de Bernburg, em 1942. Antes de chegar a este destino, conseguiu escrever e esconder uma mensagem, encontrada agora: “A última cidade foi Dessau. Mandaram-nos despir. Não maltrataram. Adeus.”
Iracema
A avó paterna, Leocádia Prestes, que resgatou Anita do presídio aos 14 meses de idade após longa batalha judicial, é descrita como “comunista fanática”. Um dos motivos foi ela ter enviado a Olga o livro “Iracema”, de José de Alencar, vetado pelo nazismo por descrever “a vida de luta de um combatente brasileiro pela liberdade” e “difamar em grande medida a forma de governo ordeira.” Aos 81 anos, Anita jamais se casou ou teve filhos.
Entrevista:Anita Leocadia Benário Prestes
“Minha mãe jamais delatou alguém”
Como foi rever os fatos dolorosos impingidos à sua mãe?
Além de ficar indignada e horrorizada com a crueldade indescritível praticada contra milhões de seres humanos pelo regime fascista que vigorou no III Reich, sinto-me orgulhosa com a intrepidez revelada pela minha mãe,
que jamais delatou alguém, apesar de ter pago com
a vida por isso.
O que determinou o assassinato de Olga: o governo brasileiro, ao entregá-la aos nazistas, o fato de ser comunista ou o de ser judia?
Os documentos do Arquivo da Gestapo revelam que seu assassinato decorreu, em primeiro lugar, por ser Olga uma “comunista perigosa” e mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes. A circunstância de ser judia contribuiu apenas para agravar a situação.
Em uma carta, Olga diz que gostaria “…principalmente, que Anita não seja bem-comportada e obediente demais.” A orientação foi cumprida?
Acho que sim, pois tanto minha avó Leocadia quanto minha tia Lygia, que me criaram e educaram, seguiram essas mesmas recomendações.
O que o livro acrescenta à imagem pública de sua mãe?
Principalmente, a intrepidez do seu comportamento que, como dizia meu pai, era proveniente da convicção da justeza da causa comunista pela qual eles lutavam.
http://istoe.com.br/olga-nos-arquivos-da-gestapo/
(Com a revista Istoé, de 27 de abril de 2017)
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