Jacques Gruman
Lilia e Zé Maurício ainda comemoravam a chegada do primogênito quando os blocos foram para as ruas. O carnaval de 1951 foi no início de março e naquele ano, para variar, marchinhas caminhavam para a eternidade.Tomara que chova e Sapato de pobre mantinham acesa a rivalidade Emilinha/Marlene, blockbusters da rádio Nacional. Dalva de Oliveira não estava para brincadeira e vinha de Zum zum (oi zum zum zum zum zum, tá faltando um ...). Correndo por fora, trote de pangaré, vinha a surpreendente Retrato do velho, de Haroldo Lobo (um campeão, compositor de pérolas como Ala-la-ô, Índio quer apito e Emília) e Marino Pinto (parceiro, entre outros, de Ataulfo Alves, Herivelto Martins e Tom Jobim; como ninguém é perfeito, trabalhou como censor do Departamento Federal de Segurança Pública). Era uma exaltação à volta de Getúlio Vargas à presidência. O ditador filofascista do Estado Novo retornava legitimado pelas eleições do ano anterior. A letra, inspiração para puxa-sacos de baixos e altos coturnos, dizia: Bota o retrato do velho outra vez/Bota no mesmo lugar/O retrato do velhinho faz a gente trabalhar. As crônicas da época dizem que a musiquinha se saiu muito bem, turbinada pelo vozeirão do Chico Viola.
Não faz muito, outro Velho, com v maiúsculo mesmo, voltou a ser notícia. Parte da família de Luiz Carlos Prestes, carinhosamente chamado de Velho por seus camaradas do Partidão, doou ao Arquivo Nacional cartas, fotos e documentos do acervo do líder comunista. A divulgação de algumas fotos mais íntimas, que mostram Prestes celebrando aniversário de uma neta, cavalgando na União Soviética ou descansando numa praia nordestina, despertou controvérsia. A viúva Maria alegou ser importante mostrar o lado “humano” do Cavaleiro da Esperança. A filha Anita, que a imprensa burguesa teima em pintar como um boneco de gelo, condenou a banalização da imagem do homem a quem mesmo seus inimigos consideram um dos mais importantes políticos brasileiros do século passado. Entendo a preocupação de Anita, imperturbável na preservação do espírito revolucionário de seu pai. Esse espírito inclui, certamente, a separação entre as vidas pública e privada. Qual é a importância, em qualquer sentido, de saber se Prestes usava sunga na praia ? Bisbilhotar, voyeurizar e mexericar: eis a Santíssima Trindade da sociedade do espetáculo, onde as imagens escravizam a Razão, dissolvem o raciocínio e mediocrizam a vida. Se as fotos de um comunista servissem para discutir o que um jornalista d’o Globo chamou de “legado prestista”, que viessem em cascata ! Claro que não foi essa a intenção. Tratou-se apenas de um momento paparazzo, um gostinho de supresa(?) para vender mais jornais e revistas. Mais conveniente manter o Velho congelado nas Rolleiflex empoeiradas ...
Mal a “polêmica” sobre as fotos do Prestes saiu do forno e o business visual já manipulava novas excitações. Inaugurada a temporada 2012 do indigente Big Brother (alguém perguntou se um livro, um mísero exemplar sobre qualquer assunto, já foi flagrado no cárcere de luxo do Projac) e um suposto estupro ... alavancou a audiência. Consultei minhas bases para entender como funciona a coisa. É um assombro. Junta-se um grupo disposto a se expor publicamente por algumas semanas. De um modo geral jovens, que topam tudo, tudo mesmo, para ganhar uma grana. Acrescenta-se doses industriais de álcool, festinhas de embalo e, desconfio, estímulos para se gerar cenas “picantes” (e bater recordes de acesso pela internet). Resultado ? Um Coliseu hormonal, com milhões de basbaques grudados nas telinhas, ciceroneados por um débil mental estridente, que, sem piscar, assegura que “o amor é lindo”, confundindo descaradamente um ato sexual pré-fabricado com a relação complexo-poética de dois indivíduos. Esgoto puro, vendido como “show da realidade”. Dou a palavra à psicanalista Maria Rita Kehl: “Parece que o público que prefere o Big Brother não quer ser iludido com a vida água com açúcar das novelas. Engano. O que o público está pedindo é para se iludir melhor. Os reality shows são a forma mais eficiente de ilusão que a cultura de massas já produziu: vendem aos espectadores o espelho fiel de sua vida amesquinhada sob a égide severa das “leis de mercado”. Vendem a imagem da selva em que a concorrência transforma as relações humanas. Só que elevados ao estatuto de espetáculo”.
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