Júlio C. Gambina (*)
Uma reflexão sobre a situação dos trabalhadores, da sua organização e dos seus objectivos de luta que, estando particularmente centrada sobre a América Latina e sobre a Argentina em especial, coloca questões que são de carácter mais geral. Não tanto no que diz respeito aos trabalhadores, cujo movimento e organização apresenta traços muito diferenciados, mas no que diz respeito ao capitalismo, que em todo o lado e do mesmo modo explora, empobrece, e desorganiza os trabalhadores e polui e devasta o ambiente e a natureza.
Passou o dia Internacional dos trabalhadores e convém repensar algumas questões, de carácter quantitativo para reconhecer a extensão do que se qualifica como trabalhadores segundo as estatísticas oficiais, locais e globais, mas também outras considerações conceptuais ou relativas à situação, à vida quotidiana e à organização e seus limites e dificuldades no quadro da sociedade contemporânea.
No âmbito mundial, a OIT (1) informa que a economia mundial teve um nível baixo de crescimento, de 3,1% para 2016 e apenas imagina uns 3,4% para 2017, longe dos algarismos necessários para conter no emprego o crescimento vegetativo da população. Por isso, esperam 3,4 milhões de novos desempregados em 2017 e um aumento de desemprego de 5,7% a 5,8% entre 2016 e 2017. Os desempregados do mundo totalizam assim 201 milhões de trabalhadores.
O prognóstico para 2018 somaria 2,7 milhões de novos desempregados. Na América Latina e no Caribe o desemprego sobe de 8,1% em 2016 para 8,4% em 2017 e o Brasil é um dos países de maior incidência no desemprego, afectando a situação em toda a região, especialmente na América do Sul.
É interessante considerar a greve geral convocada por todas as centrais sindicais do Brasil para 28/4/17, antecipando os protestos na comemoração do 1.o de Maio contra os projectos regressivos de reforma laboral e da segurança social. É uma luta emblemática a que junta o protesto chileno contra as Administradoras de Fundos de Pensão (AFP) no país que iniciaram a sequência de privatizações das reformas. A América Latina e o Caribe assistem a uma nova onda regressiva na distribuição dos rendimentos e da riqueza como forma de solucionar uma saída pró lucros da crise mundial capitalista.
A vulnerabilidade do emprego mundial é um dado relevante e a OIT confirma que 42% da força de trabalho se encontra nessa situação. Trata-se de nada menos que 1.400 milhões de trabalhadores. O problema agudiza-se a cada ano e espera-se que em 2017 surjam mais outros 11 milhões de trabalhadoras que adquirem o carácter de vulneráveis ou carentes de segurança social.
Não deve surpreender nesse plano a identidade entre trabalhadores empobrecidos e pobres com um rendimento menor que 3,10 dólares diários, que nos países em desenvolvimento alcança uma média de 30%. O empobrecimento dos trabalhadores e a sua vulnerabilidade é uma constante no capitalismo contemporâneo.
Todas as estatísticas da OIT mostram resultados mais negativos para mulheres e jovens, criando um clima de mal-estar social que entre outros problemas explica o fenómeno recorrente das migrações, com especial impacto na região latino-americana e caribenha, agudizado pelas políticas anti-imigrantes que Donald Trump impulsionou nos Estados Unidos e que os governos de países receptores de migração podem copiar nos nossos territórios.
Em relação às expectativas da economia mundial, a OIT indica que desde 2012 existe um fenómeno de desaceleração, especialmente nos países que explicavam o crescimento da economia mundial após a grande crise recessiva de 2008. A China baixou as taxas de crescimento de 9/10% para 6/6,5%, privilegiando mais o seu mercado interno do que a expansão do seu comércio mundial.
Segundo a OIT existe uma participação menor do salário sobre a renda gerada socialmente, o que expressa a ofensiva agravada do capital sobre o trabalho nesta etapa de desenvolvimento capitalista.
Argentina
Os dados do Ministério de Trabalho em Fevereiro de 2017 (2) assinalam a existência de 12.105.500 trabalhadores, entre os quais:
a) 8.624.800 pertencem ao sector privado (6.224.300 assalariados + 461.900 assalariados de casas particulares + 406.100 independentes autónomos + 1.532.600 independentes monotributistas).
b) 3.100.000 pertencem como assalariados ao sector publico e
c) 380.700 são independentes monotributistas sociais.
Uma realidade é o crescimento da conflitualidade derivada do mal-estar que a situação económica gera entre os trabalhadores.
Os dados da conflitualidade oficial do Ministério de Trabalho só chegam ao terceiro trimestre de 2016 e destacam o aumento dos protestos, das greves e a quantidade de pessoas envolvidas. É uma situação agudizada recentemente, entre Março e Abril, especialmente com a greve geral com adesão das três centrais sindicais, a CGT e as duas CTA.
O Primeiro de Maio, dia internacional da luta dos trabalhadores foi um momento de expressão do descontentamento por várias razões.
Por um lado registam-se salários afectados na capacidade de compra devido à inflação e perda de poder de compra por actualizações salariais abaixo da evolução dos preços. É algo que acompanha o conjunto do rendimento popular, especialmente para os milhões de reformados e pensionistas e receptores de planos sociais. Situação extensiva ao sector de pequenos empresários que vendem a sua produção ou comercializam bens e serviços pedidos por receptores de rendimentos fixos.
Pelo desemprego e subemprego que não regista maior aumento devido ao desalento na procura de trabalho (segundo informa o próprio estudo do INDEC).
Pela precaridade, manifestada em 13% de trabalho irregular e portanto sem segurança social.
Pelas tendências crescentes à flexibilização salarial, laboral e à terceirização que as empresas promovem, diminuindo o salário dos contratados terceirizados (uma prática de contratação cada vez maior).
Pela afectação de reformas e pensões, para alem do restrito rendimento previsional e especialmente pelas condições de vida e segurança social do regime previsional para as pessoas maiores de idade.
Não se trata apenas de problemas económicos, mas também políticos e sociais perante a ofensiva do capital sobre o trabalho, a natureza e a sociedade.
É evidente que o rendimento é distribuído a favor dos lucros e contra o custo do salário, um tema agravado com o ajuste em processo e politicas deliberadas para favorecer investimentos e rentabilidade empresarial, com a intenção de modificar convénios colectivos e insistir em reformas laborais e previsões reaccionárias.
Cresce o reconhecimento que a sobreexploração dos recursos naturais afecta as vidas e os territórios onde habitam os trabalhadores, não apenas em actividade específica (soja, minérios ou a energia com o petróleo ou gás). Cresce o conflito em defesa do meio ambiente, os recursos estratégicos: a água, o ar e a terra.
Um dado relevante no quotidiano vem do impulso para um consumo que fortalece o poder da dominação da produção monopolizada, ainda mais estimulada por um sistema de crédito que hipoteca as famílias nas aras do consumismo aumentado pelo marketing e a publicidade.
Tudo isso acontece baseado numa lógica de deslegitimação, nas formas associativas e colectivas em defesa da maioria social trabalhadora, como no caso dos sindicatos, as cooperativas e as mútuas ou outros empreendimentos utilizados pelos trabalhadores perante a impossibilidade de obter os seus rendimentos regulares no mercado laboral tradicional.
Estas formas de organização são assim desestimuladas e são combatidas, por exemplo, pelas dificuldades jurídicas, económicas e políticas para o crescimento e expansão das empresas recuperadas e toda a forma de auto organização social e produtiva. A autogestão não é motivo de política deliberada, excepto no sentido assistencialista para conter o conflito social. A repressão destas formas de organização é crescente e procura o apoio social.
Claro que à estratégia das classes dominantes contra as formas organizativas dos trabalhadores deve-se adicionar a prática burocrática, corrupta e mafiosa de várias organizações sindicais tradicionais, hegemónicas no número de filiações e associadas politica e economicamente na lógica do poder.
O desprestígio sindical na sociedade está presente nas classes dominantes e associado a uma prática sindical de enriquecimento pessoal da cúpula em detrimento dos direitos e interesses dos trabalhadores. Contra esta realidade e este argumento formulou-se a perspectiva de um novo modelo sindical sustentado na liberdade e democracia sindical com articulações diversas do movimento social e territorial no início dos anos 90, com o aparecimento da CTA, e é ainda um tema pendente e um projecto que se desafia nestas horas de unidade de acção provada em 1/5/17, que não supõe reunificação orgânica. O projecto de autonomia da CTA está em aberto.
Mapa sindical e debates estratégicos
Torna-se imprescindível realizar um mapa do sindicalismo e da organização trabalhista da Argentina, a região e o mundo. Não se consegue com a institucionalização de Centrais Mundiais ou nacionais que deixam de fora a maioria dos trabalhadores do mundo, da região e do país.
Fazer o mapa é um assunto pendente, que deve recolher a multiplicidade de formas de auto organização operária, nas tomadas de terra para a produção do abastecimento e a distribuição mercantil do excedente enquanto não se integra numa lógica produtiva alternativa. Vale para a consideração de empreendimentos associativos entre os quais se contam as empresas recuperadas, as cooperativas e mútuas, tentadas a subordinar-se à lógica do mercado ou o seu contrário, integrar-se num circuito de cooperação e na produção de valores de uso e não de troca.
No plano sindical deve superar-se o reconhecimento institucional com tendência a restringir as opções de representação dos trabalhadores, com um Ministério de Trabalho orientado para limitar o avanço do classismo e do sindicalismo comprometido com as suas bases, como no caso dos Juízos de Mendoza, numa atitude ilegal que se antecipa ao processo judicial e ignora a realidade do pronunciamento dos trabalhadores de Mendoza do poder judicial, com uma mulher à cabeça da lista vencedora. A violação dos direitos laborais estende-se às violações recorrentes do quotidiano da exploração e patriarcalismo.
Para lá do mapa do movimento operário, o que está em discussão é a estratégia, numa perspectiva emancipadora e de poder. Na realidade, muito poucas direcções discutem uma estratégia para lá do conflito presente e bom seria reconhecer o que não se consegue com a táctica da luta e que, além disso, é necessário um projecto estratégico, de unidade operária e popular contra o capitalismo, que não oferece soluções para a maior parte da sociedade, portanto para os trabalhadores
Buenos Aires 28 de Abril de 2017-05-24
(1) OIT Perspectivas sociais e do emprego no mundo Tendências 2017-05-24 http://www.ilo.org./global/research/global-reports/weso/2017/lang-es/index.htm (consulta em 28/4/17)fsm
(2) Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social Situação e Evolução do Total de Trabalhadores registados. Sistema integrado previsional argentino SIPA
(3) http://www.trajo.gov.ar/left/estadisticas/noveda trabajadores.asp (consulta em 28/4/17)
(*) Presidente da Fundação de Investigações Sociais e Politicas, FISYP, Montevideo 31, 2.o Piso CP 1019ABA. Cidade de Buenos Aires
Blogue www.juliogambina/blogspot.com
Tradução: Manuela Antunes
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