Terceirizados ganham salários mais baixos e têm
maiores índices de acidentes e carga horária
Em pauta esta semana na Câmara Federal, o Projeto de Lei (PL) 4302, que libera a terceirização nas empresas de forma ilimitada, aponta para a total precarização das relações de trabalho. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, para os quais o projeto promove a desidratação de conquistas históricas da classe trabalhadora.
Para o diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Colussi, a medida fragiliza ainda mais o trabalhador terceirizado e amplia as desigualdades entre esse segmento e o dos demais trabalhadores.
“Comprovadamente, há um pagamento de salário inferior aos terceirizados, o número de acidentes de trabalho e doenças profissionais também é maior e eles não têm a proteção ampla do mundo sindical. Tudo isso junto envolve uma precarização. (…) Vamos trazer um prejuízo para a dignidade do trabalhador”, analisa Colussi.
A avaliação do magistrado encontra justificativa nos números: a remuneração média dos terceirizados é cerca de 25% menor; eles trabalham 7,5% a mais, o que equivale a três horas de diferença; e estão sujeitos a um mercado mais rotativo, com média de apenas 2,7 anos no emprego, enquanto os trabalhadores contratados diretamente registram média de 5,8 anos.
Além disso, os terceirizados respondem por quatro de cada cinco casos de doença profissional e oito de cada dez casos de acidentes de trabalho registrados no país. Os dados provêm de levantamentos feitos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
A precarização das relações trabalhistas no caso dos terceirizados também está estampada nos números do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), segundo o qual 25% dos maiores devedores da Justiça do Trabalho são empresas que prestam serviços terceirizados.
Pessoalidade
A advogada trabalhista Camila Gomes alerta que o fenômeno da terceirização subverte as normativas que norteiam as relações trabalhistas. “A ideia em si é uma subversão, um desrespeito a princípios muito basilares da proteção do direito do trabalhador porque ela quebra alguns eixos sobre os quais estão articulados vários direitos”, afirma.
Ela destaca, por exemplo, que essa modalidade quebra a pessoalidade existente entre funcionário e empregado. “Isso ocorre porque o local onde as pessoas trabalham não é o mesmo do empregador. Elas podem estar um dia numa empresa, depois em outro lugar, etc.”, explica Gomes, acrescentando que há um enfraquecimento do vínculo entre as duas partes.
Além disso, a advogada aponta que a terceirização tem ressonância negativa em diversos aspectos da vida do funcionário. “Se você é uma trabalhadora e vai procurar creche para seu filho, você busca uma que seja perto do trabalho, mas aí fica complicado se um dia você está em uma empresa e logo depois já pode estar em outra. As pessoas não pensam dos desdobramentos que isso pode ter na vida de um trabalhador”, afirma.
Direitos sociais
Em sintonia com o que centrais sindicais e movimentos populares têm defendido, o juiz Luiz Colussi considera que o PL 4302, primeira proposta da reforma trabalhista a ser apreciada pelo Legislativo, pode ser considerado uma contrarreforma, uma vez que, ao invés de estender direitos, promove um arrocho nas garantias trabalhistas. Mais que isso, o magistrado avalia que a ampliação da terceirização fere a Carta Magna de 1988, que constitucionalizou os direitos sociais.
“[O PL] Está dentro de um movimento de destruição do Estado democrático de direito. (…) A Constituição diz que o cidadão brasileiro tem direito a um mínimo de direitos, e eles devem ser resguardados”, defende Colussi.
Legislação
No Brasil, não há uma legislação específica que verse sobre a terceirização, mas impera o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de que as organizações só devem contratar funcionários nessa modalidade quando se tratar de atividades-meio, como serviços de limpeza e segurança, que são funções de apoio às atividades-fim. A norma foi fixada pelo Tribunal na década de 1990, através da Súmula 331, e vem sendo aprimorada ao longo do tempo, tendo tido a última atualização em 2011.
Para o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), que é advogado trabalhista e membro titular da comissão legislativa que avalia a reforma trabalhista na Câmara Federal, o país precisa resguardar as garantias já conquistadas e barrar o fenômeno da terceirização.
“Ela é a própria fraude ao contrato de trabalho. O emprego como conhecemos hoje no Brasil, que é protegido com garantias legais e jurídicas, vai acabar”, projeta o deputado, um dos críticos da legalização da terceirização ilimitada.
Segundo dados oficiais, o Brasil tem cerca de 12 milhões de trabalhadores terceirizados. Para Damous, a prática desse tipo de contratação contribui para comprometer a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O dispositivo, segundo ele, projetou o país internacionalmente.
“Quando outorgada, em 1943, a CLT virou uma referência no universo do trabalho em termos mundiais. Ela era considerada a legislação social mais avançada do ponto de vista do reconhecimento de direitos”, explica.
Ele acrescenta que a deterioração de direitos tende a retornar para o empresariado como um problema de ordem social. “A CLT garantiu um pacto entre capital e trabalho e ajudou a evitar uma revolução social no Brasil, por isso também os empresários que querem acabar com ela estão sendo burros”, avalia o parlamentar, citando o ex-presidente da República Getúlio Vargas, que promulgou a referida legislação.
(Com o Brasil de Fato/Opera Mundi)
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