Concepción Castro Zaldarriaga foi a primeira diretora de Anacaona, que passou de hepteto a jazz band e de charanga típica à orquestra que é hoje
Mireya Castañeda
CONCEPCIÓN Castro e suas irmãs sabiam o que fazer quando, em 1932, resolveram criar o primeiro sexteto feminino de Cuba que chamaram Anacaona.
Elas desafiaram a pequena elite de homens que cultuavam o som e quiseram que a lenda dessa rainha Taína (dos aborígines cubanos) fizesse parte delas, que além de dançar e compor verbalmente para suas festas, tiveram que resistir, no século 16, aos conquistadores espanhóis em sua ilha (Porto Rico) rebatizada como A Espanhola.
As fundadoras foram seis das onze irmãs Castro Zaldarriaga. Este agrupamento depois se tornou uma jazz band e, posteriormente, uma charanga típica. Mais tarde, todas as irmãs entraram na orquestra, que foi regida por Concepción, no saxofone.
A rádio lhes permitiu mostrar seu projeto, mas onde encontraram maior audiência foi nas boates e cafés ao ar livre de Havana, nos alpendres do hotel Saratoga, na rua Paseo del Prado. Nesse lugar se tornaram uma verdadeira atração.
O Saratoga se tornou um lugar proeminente, com a presença da primeira orquestra totalmente feminina, já que mostraram força em suas interpretações e sem nenhuma contradição, a delicadeza de alguns acordes de passagens.
Este hotel da rua Prado, que quase fica em frente do Capitólio, quer retomar sua notoriedade e tem acolhido como hospedes, por exemplo, a estrela do pop Madonna, quem em 2016, festejou em Havana seu 58º aniversário e antes, em 2013, Beyoncé.
Continuando com Anacaona, nos anos 30 e 40 essas talentosas mulheres viajaram ao México e participaram de filmes como La noche es nuestra, No niego mi pasado e Mujeres de teatro, ofereceram concertos em Nova York e Paris e ganharam popularidade internacional.
Neste breve reconto da orquestra não se pode deixar de lembrar que com elas estiveram cantores que depois fizeram história na música cubana: Omara Portuondo, na década dos 40, é uma delas; mas anteriormente Paulina Alvarez e Estela Pérez Grillo, irmã de Machito, cantor, trompetista e diretor musical de várias orquestras famosas, como os Afro-Cubans junto a Mario Bauzá, em 1940.
Numa zona muito populosa do Vedado havanês, encontramos casualmente, outra das integrantes da famosa orquestra, Tete Caturla, filha mais nova do grande compositor cubano Alejandro García Caturla e ao falar-lhe da Anacaona lembrou: «Minhas irmãs e eu fizemos parte de Anacaona, uma orquestra ícone de Cuba». Tete, tal como antes Omara, fez parte de outra lenda da música cubana: o quarteto D´Aida.
TRADIÇÃO E CONTINUIDADE
Em 1983, as irmãs Georgia e Dora Aguirre, baixista e saxofonista, respectivamente, com uma sólida formação profissional, formadas no conservatório Amadeo Roldán, começaram o trabalho em Anacaona, sob a regência da segunda diretora, Alicia Castro e quatro anos depois, aposentadas as irmãs Castro Zaldarriaga, Georgia assumiu a direção.
É uma continuação sem rupturas, conservando o estilo, mas atentas às mudanças e o mostram através da sua, ainda escassa, discografia. Alguns desses discos são para lembrar.
Em 1991, gravaram com a casa de discos PM Records e com a produção musical do mestre Juan Formell, Anacaona ... AY! onde incluíram peças emblemáticas da música popular para dançar, algumas das quais fizeram parte do repertório das fundadoras, Si me pudieras querer, de Ignacio Villa, Bola de Nieve, entre outras e peças contemporâneas, em alguns casos criadas especialmente para elas, como a que dá nome ao CD, composta pelo próprio Juan Formell.
Com a casa gravadora Lusafrica lançaram, em 2000, ¡Lo que tu esperabas!, sob a produção de Joaquín Betancourt. Outra vez, uma magnífica seleção de músicas tradicionais e contemporâneas e, inclusive, uma versão de um clássico da música francesa, Il fait trop Beau por travailler, de Claude Bolling, para confirmar sua versatilidade.
A orquestra gravou dois CDs interessantes com a BisMusic, um em 1995 produzido por Pucho López, que se intitula Como un milagro, um belo bolero de Juanito Márquez. E outro em 2008, produzido pela própria Georgia Aguirre junto a Reinaldo Aguirre, ¡No lo puedo evitar!, onde contaram com as vozes de Lourdes Torres e Omara Portuondo.
A gravadora Colibrí gravou-as para comemorar seu 80ª aniversário de fundação e resulta uma antologia onde incluem a peça Anacaona, do porto-riquenho Tite Curet, que conta a história da rainha que dá nome à orquestra.
No palco do Grande Teatro de Havana Alicia Alonso, Georgia Aguirre deu à imprensa especializada algumas declarações acerca dos festejos pelo 85º aniversário da orquestra.
Quanto à discografia, anunciou que se encontra na etapa de produção um novo CD — ainda sem nome — produzido pela BisMusic, que abrangerá uma compilação de peças que durante estes anos foram sucessos dentro do repertório da orquestra, bem como outras novas, da autoria de Gustavo Cabañas, Osvaldo Montero e Alberto Reina, entre outros compositores.
Para comemorar este aniversário estão preparando uma turnê pelos bairros da capital e atuaram, por exemplo, nas emblemáticas ruas Prado e Neptuno, no parque Trillo, em Centro Habana, onde durante muitos anos morou Georgia e fez da sua casa o local de ensaio e no município Diez de Octubre, onde moraram as fundadoras da orquestra.
A turnê incluirá todos os grandes teatros das províncias e concluirá com um concerto, pelo ensejo do Dia da Cultura Nacional (em 20 de outubro), no teatro Mella, de Havana.
GEORGIA EM EXCLUSIVA
Depois de compartilhar os projetos e antes de oferecer um pequeno concerto para mostrar as novas cantoras, Georgia aceitou responder umas perguntas para a nossa publicação.
Mantém-se a estrutura musical?
«Renova-se evidentemente. Digo-lhe, por exemplo, quando começamos não havia mulheres trompetistas e então colocamos como primeira voz dois instrumentos de sopro, uma flauta, um saxofone alto e um saxofone tenor, que era minha irmã. Avançamos pouco a pouco, na medida em que as mulheres foram se desenvolvendo.
Eu tive mulheres trompetistas que não eram graduadas de trompete, elas tocavam trompa e se tornavam trompetistas ao ritmo de Anacaona. Hoje, por sorte, tenho duas trompetistas graduadas em nível médio e agora, são estudantes do Instituto Superior da Arte, e naturalmente se percebe na sua preparação que têm uma base sólida tocando esse instrumento e isso é muito bom para a orquestra.
Temos mudado com os tempos, temos incorporado, em alguns momentos, o teclado, o violão (três). Damos um caráter mais moderno, demonstrando que Anacaona percorre toda a música, desde a mais tradicional até a mais atual. Vamos-nos aperfeiçoando. Dou-lhe mais uma prova disso: hoje, a música de fusão precisa de mais percussão eletrônica e para isso nos preparamos também».
O repertório então se tem ampliado...
«Nós fazemos, fundamentalmente, música cubana para dançar com um repertório tradicional que, obviamente, sempre tocamos, mas perceba, nas festas populares o público cubano pede música mais atual. Nós temos esse repertório tradicional e nos acompanha pelo mundo todo. Quando tocamos no estrangeiro o levamos obrigatoriamente embora, e evidentemente, incluíssemos a música mais atual, peças que nos escrevem diferentes compositores e conformamos um novo repertório e o trabalhamos para que se possa conhecer, com boleros e novamente latin jazz, porque o público de hoje não sabia que Anacaona sempre o fez. Dessa forma homenageamos as fundadoras».
Como as recebem no exterior?
«Com modéstia lhe digo, surpreende-nos que as pessoas nos recebem tão bem. Apesar de que não tivemos a possibilidade de estar na rádio, em nível internacional, e que nossa música se escute, sempre pelos problemas do bloqueio norte-americano que não nos permite chegar através da rádio ou os CDs, no estrangeiro o público se surpreende ao ver uma orquestra feminina com tamanha qualidade, que o faz dançar. Acho que é um privilégio de Cuba ter uma orquestra totalmente de mulheres, que completa os 85 anos».
Nos últimos tempos qual tem sido a peça mais bem sucedida?
«Em Cuba foi um sucesso Llora si te duele. Foi uma revolução na música de Anacaona, um gênero diferente e as pessoas o aceitaram com agrado. É bom que orquestra se tenha renovado com os tempos. Este tema, inclusive, teve repercussão internacional, escutou-se em algumas boates, pode se ver o vídeo, o que é importante para ser conhecido no mundo».
«O reguetton estava na moda, mas nós fazíamos música de fusão, que tinha de tudo, com a essência da música cubana, mais a letra muito bem feita. A partir daí, comecei a trabalhar com Osvaldo Montero o compositor desta peça».
Anacaona faz parte do patrimônio musical cubano. Este ‘ensamble’ feminino, o mais antigo e prestigioso de Cuba, mantém seu estilo inconfundível, forte, empolgante, de sólida base instrumental. Com essas características conseguiu ficar no coração dos que amam a música cubana.
(Com o Granma)
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