Carlos Marighella
A Situação mundial distingue-se, no momento, pela posição firme, mesmo ofensiva da URSS e das forças da democracia contra as tentativas do imperialismo.
Além da Conferência de Varsóvia, que foi uma demonstração da ofensiva a que passaram as forças da democracia, vimos outras demonstrações nos discursos de Vichinski e Molotov atacando o imperialismo ianque e as forças da social-democracía.
A chantagem guerreira da bomba atômica foi desfeita definitivamente com a declaração de Molotov de que essa arma não constituía segredo para a URSS e na Assembléia das Nações Unidas o imperialismo norte-americano viu-se obrigado a ceder. A pequena assembléia — tentativa de liquidação do direito de veto — não trouxe resultados práticos, uma vez que a União Soviética não lhe deu apoio, e — pelo contrário — lhe fez o boicote. A Ucrânia acabou sendo eleita para o Conselho de Segurança — mesmo contra a vontade dos Estados Unidos.
Depois de tudo isso, assistimos ao desenrolar da Conferência dos 4 Grandes. Ainda aí a firme posição da URSS é de molde a desmascarar toda e qualquer pretensão do imperialismo ianque de lançar mão da Alemanha como trampolim de guerra contra a pátria do socialismo e as nações da nova democracia. Fazer do Ruhr base industrial para nova guerra significa ferir os imediatos interesses nacionais da França e da Inglaterra.
É o próprio Zhdanov, no seu informe à Conferência dos Nove Partidos, que o afirma: "A perspectiva de restaurar o imperialismo germânico como força real capaz de opor-se à democracia e ao comunismo na Europa não pode seduzir nem a Inglaterra nem a França, eis que nos encontramos em presença de uma das principais contradições internas do bloco Inglaterra—Estados Unidos—França.
Visivelmente, os monopólios americanos, como toda a reação internacional, não pensam que Franco ou mesmo os fascistas gregos sejam um baluarte mais ou menos seguro dos Estados Unidos contra a URSS e as novas democracias da Europa. Nutrem, por isso, esperanças particulares na restauração da Alemanha capitalista, considerando tal fato como a mais importante garantia de sucesso da luta contra as forças democráticas na Europa. Não confiam nem nos trabalhistas da Inglaterra nem nos socialistas da França, não obstante sua complacência como "semi-comunistas" não suficientemente merecedores de confiança."
Essas contradições entre a França e a Inglaterra, de um lado, e o imperialismo americano, de outro, indicam bem que não é possível com as forças do campo imperialista dominar as nações do campo antiimperialista, cuja frente vai se ampliando dia a dia.
Isso quer dizer que não há condições de guerra, que o antagonismo entre o socialismo e o capitalismo ainda pode ser resolvido por via pacífica, pela submissão do imperialismo.
O que se torna necessário é resistir, em toda a parte, aos golpes do imperialismo, que só avança onde não encontra resistência.
Cooperação entre as nações, portanto, só é possível com a resistência ao imperialismo. Sem resistência, seríamos levados à guerra. Havendo resistência, o imperialismo recuará. Nesse caso, quem iria fazer a guerra, que não interessa à URSS nem às nações da nova democracia?
São os próprios acontecimentos que vêm confirmando nossa orientação. Os fatos desenrolados na França e na Itália bem o demonstram. Nesses países as grandes massas dirigidas pelos comunistas lutam pela defesa da Constituição e da democracia. Aspiram a um governo capaz de resolver seus problemas. No caso da França, o governo de Schuman é apenas intermediário, mas se sobreviesse o golpe de De Gaulle, seria a guerra interna, a resistência do povo francês de armas na mão. Contudo não estaríamos em face de uma inversão da marcha da democracia. Quanto à Itália, foi o próprio Togliatti quem declarou na Federação de Milão do Partido Comunista:
"Desejamos conquistar uma democracia progressiva, desejamos conquistá-la, na medida do possível, de maneira pacífica, mas estamos decididos a fazer frente de todos os modos a qualquer tentativa de retorno à reação e ao fascismo."
O quadro internacional nos mostra, assim, que por toda a parte se desenvolve e cresce a resistência ao imperialismo, cada vez mais acentuada, principalmente depois da constituição do Bureau de Belgrado.
* * *
Na situação nacional as dificuldades maiores e incompreensão situam-se na subestimação de nossas forças. A reação tem conseguido golpear a democracia, porque não temos organização de massas.
A verdade, porém, é que aumentam as contradições das classes dominantes, enquanto a miséria se agrava no país. É manifesta a incapacidade do governo, obediente à pressão do imperialismo e cercado por um grupelho fascista de nefastas atividades para a nossa Pátria.
Diante das enormes dificuldades, as massas já começam no Brasil a sentir a necessidade de luta pela defesa de suas reivindicações. Tal fenômeno vem se tornando patente sobretudo em S. Paulo, onde durante o pleito municipal e no presente momento podemos ver o grau de intensidade das lutas de massas em oposição às diretrizes reacionárias da ditadura terrorista de Dutra e seus lacaios à frente do governo estadual.
Nossa própria aliança com o PSD no caso da vice-governança paulista veio evidenciar que os setores mais ponderáveis da indústria e do proletariado estão com os comunistas e que são estes os mais conseqüentes defensores de nossa soberania. A vitória de Novelli Jr. apenas indica que os diretórios do PSD no interior obedecem à orientação dos fazendeiros, e a nenhuma dependência se sujeitam por parte do Diretório Nacional.
É isso, aliás, o resultado de ainda no Brasil possuirmos uma democracia formal, mercê da sobrevivência do monopólio da terra — base da reação e do fascismo.
Nossa aliança em S. Paulo com o PSD constituiu, entretanto, um decisivo passo em frente no caminho da União Nacional contra a reação, o imperialismo e pela defesa da democracia.
A cassação dos mandatos poderia parecer à primeira vista a mais completa negação do acordo feito em S. Paulo, que revelou, aliás, a desagregação petebista no caso da derrota de Cirilo Jr., visto como este último só obteve maioria de votos nos municípios de eleitorado comunista majoritário.
A aparente contradição da atitude do PSD em face do projeto de cassação e do acordo realizado não indica, entretanto, que o nosso caminho seja o do isolamento. Pelo contrário, as alianças e acordos dificultam os objetivos dos elementos reacionários, que há em todos os partidos das classes dominantes, como os há também democratas e progressistas.
É que o problema não pode ficar situado no terreno da luta parlamentar simplesmente. Antes de mais nada, compete mobilizar as grandes massas para o resistência a esses atentados contra a democracia.
A luta contra a cassação dos mandatos constitui, assim, o centro de nossa atividade política atual. Contra a cassação dos mandatos é que temos de nos empenhar a fundo, levantando paralelamente as pequeninas reivindicações das massas.
O principal é resistir. O perigo é subestimar nossas forças. As massas querem resistir. Nada devemos recear. Qualquer resistência de massas colocará mal o governo. Devemos, por isso, defender ativamente a Constituição, os direitos nela assegurados, e não nos conformarmos com os falsos pretextes do grupo de desordeiros fascistas que pretende anular a prática da democracia por medidas anti-constitucionais.
Somos os mais conseqüentes lutadores pela indústria nacional, pelas reivindicações das massas, pelos interesses da burguesia nacional. À medida que crescem as dificuldades, que nos aproximamos da crise americana, subsistem condições para a aliança com a burguesia nacional. Marchamos, assim, para a unidade com o burguesia e em prazo tanto mais curto quanto mais firmemente soubermos levantar as reivindicações das massas e evitar o isolamento.
Nosso dever principal é, portanto, a organização das massas na luta pelas suas reivindicações.
A luta contra a cassação dos mandatos é política, mas está intimamente ligada à nossa luta paciente e constante pela organização das massas. Na luta contra a cassação dos mandatos, estamos lutando por assegurar a liberdade e a Democracia, a legalidade do Partido Comunista e a defesa da Constituição. Mas essa luta seria inútil sem nos colocarmos à frente das massas, com o objetivo decidido de orientar suas lutas e levantar, sem desfalecimentos, varrendo toda e qualquer sombra de passividade, suas reivindicações mais sentidas. (Com a Revista Problemas, dezembro de 1947)
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