A médica Aleida Guevara
Foto: Cuba Solidarity Campaign
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“Nosso futuro está cheio de sorrisos, música e amor”
Aleida Guevara analisa a sociedade cubana e aponta os desafios do governo da ilha para os próximos anos
23/01/2013
Nilton Viana
da Redação
Filha do guerrilheiro e revolucionário Ernesto Che Guevara, pediatra e militante da revolução cubana. Aleida Guevara vive em Havana desde seu nascimento em 1960, um ano após o trunfo da revolução que seu pai ajudou a construir ao lado de Fidel Castro e outros guerrilheiros.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Aleida, que esteve presente no ato de fundação do jornal, analisa o atual contexto de Cuba no cenário latino-americano e traça as perspectivas para o futuro.
Brasil de Fato – A América Latina passou por mudanças importantes – principalmente com a chegada de governantes progressistas, anti-imperialistas e de esquerda. Como você avalia o atual cenário latinoamericano em relação a Cuba?
Aleida Guevara - Para nossa grande pátria é um momento de esperança, mas o melhor é que já se pode ver os sonhos tornando-se realidades, nossos povos começam a sentir que se pode, começam a desfrutar, pela primeira vez em nossa história, de seus próprios recursos naturais, com os quais se pode obter reais benefícios na educação, na saúde, em moradia.
Pela primeira vez, vemos exércitos que costumavam nos reprimir participando das novas construções e defendendo seu povo. Is-to permite uma relação muito mais estreita entre nossos povos, onde os intercâmbios econômicos e culturais aumentam diariamente e o povo cubano participa ativamente em todo esse processo de união. Trabalhamos muito pela solidariedade e recebemos muita solidariedade. Já não estamos ilhados, somos parte integrante de um amanhecer, a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). Agora sim começamos a desfrutar da pátria grande.
Nesses 10 anos, ocorreram algumas mudanças em Cuba, como a saída de Fidel Castro e a chegada de Raul ao poder. Como avalia essas mudanças?
Não são mudanças, é a continuidade de um processo revolucionário, que amadurece, cresce e se desenvolve. Po-demos dizer com certeza que ainda há muito o que melhorar, mas podemos fazê-lo pela acumulação de experiência, porque temos vencido milhares de enfrentamentos e vamos buscando soluções para os problemas que temos.
A reforma migratória acaba de entrar em vigor em Cuba. Qual deve ser a importância dessa nova medida?
Isto reflete o que eu disse anterior-mente, somos mais fortes como sociedade, temos maior desenvolvimento na nossa segurança interna, então podemos ser muito mais hospitaleiros com a nossa gente. É um processo de amadurecimento que leva anos se aperfeiçoando, não são coisas decididas em pouco tempo, levamos muitos anos buscando soluções, escutando o sentimento de nosso povo, mas sem perder nem por um instante a consciência das manipulações que o governo dos EUA realizam para tentar danificar nossa soberania, é sem dúvidas um inimigo muito poderoso e não podemos nos descuidar. Por outro lado, o governo cubano sempre foi criticado por não permitir que seus cidadãos viajassem livremente, mas poucos conhecem os acordos migratórios que nosso governo tem tentado negociar com os EUA.
Há anos lhes temos pedido que cumpram os 20 mil vistos anuais prometidos e que so-mente nos últimos anos têm feito. Poucos conhecem sobre a lei implementada por eles para receber ilegalmente cubanos em seu território nacional, nós somos os únicos cidadãos deste planeta que se chegamos ilegalmente à costa dos Estados Unidos somos recebidos como heróis e está estabelecido por lei que temos direito a moradia, trabalho e algum dinheiro e em um ano podemos optar pela cidadania estadunidense, tudo isso se chegarmos ilegalmente a seu território. Pensem quantos mexicanos ou haitianos morreram tentando fazer o mesmo.
Por que é diferente para os cubanos? Será pela propaganda que desenvolvem contra nossa sociedade? De toda forma, seguimos em frente, agora veremos quantos vistos receberemos, mas pessoalmente estou contente, acho que essas medidas são boas para nosso povo.
Qual é, a seu ver, o principal legado de Che Guevara para a América Latina?
Che é o arquétipo mais completo do novo homem, com capacidade para amar, para lutar, para aprender, para viver com dignidade. Sua própria vida se converte em seu melhor legado, mas pessoalmente me comove sua capacidade para amar, só dessa forma se pode estar disposto a entregar sua vida por outros homens e mulheres. Che representa a continuidade dos melhores próceres de nossa América. Che é futuro.
O que você acha do socialismo? Devemos continuar insistindo na luta por uma sociedade socialista?
Com certeza. Como podemos garantir uma educação gratuita e em igualdade de condições para todo o povo? Como garantir saúde para todos, como direito do ser humano? Como assegurar a alimentação do povo? Somente podemos conseguir isso se somos donos do que produzimos, se nossas terras são utilizadas como propriedade coletiva e não por poucos ou companhias estrangeiras e se garantirmos reforma agrária, se o capital se emprega em benefício social e não para o lucro de poucos. Enfi m, só atingiremos a soberania e a prosperidade para nossos povos se construirmos uma sociedade de direito com respeito a cada um de nossos homens, mulheres e crianças. E eu só conheço isso em uma sociedade socialista.
Como você vê o futuro de Cuba, diante da difícil situação econômica?
Com muito trabalho, com muito que aprender e muito o que resolver, mas sempre melhorando e aperfeiçoando nossa sociedade socialista, certamente seria muito útil se abolissem o bloqueio econômico criminoso que os EUA nos impõem há mais de 50 anos.O futuro vem cheio de tecnologia, já estamos desenvolvendo um polo científico que produz, ainda nessas condições de bloqueio, medicamentos e vacinas que podem ajudar a melhorar a vida de milhões de pessoas neste planeta, nosso futuro está cheio de sorrisos, música e amor, porque assim somos, mas também há determinação, valor e força.
Como você avalia a gestão de Obama, em relação a Cuba, sobretudo em comparação com os governos anteriores (Clinton e Bush)?
De Obama esperávamos muito mais, mas simplesmente se tem comportado como mais um fantoche dos interesses econômicos das transnacionais e da indústria armamentista de seu país, mas, todavia, não perdemos as esperanças de que possa fazer algo útil para seu próprio povo em relação à saúde, educação, moradia e sobretudo protegê-los da violência em que vivem, mas a verdade é que acho isso muito difícil de ocorrer. O importante para mim é que o povo dos Estados Unidos desperte de sua letargia e tome consciência do poder que tem como povo e tome as rédeas, só então poderemos falar de alguma mudança, enquanto isso não ocorrer, teremos o mesmo cachorro com uma coleira diferente.
O que você diria aos jovens da periferia urbana brasileira, que gostam do Che?
O que eu digo a todos os jovens, estudem Che, leiam-no, pratiquem-no, tragam-no junto a vocês para enfrentar sua realidade cotidiana.
E o que você diria aos jovens que se formam em medicina, e que às vezes apenas pensam em ganhar dinheiro, para “subir” na vida?
Digo que se pensarem assim, nunca serão médicos. Esta profissão, como a dos professores, é de entrega total e o único amo a quem respondemos é o povo. Estar perto da dor e da alegria das pessoas te converte em um ser humano melhor, se não é assim, melhor não ser médico.
No Brasil, estamos completando uma década de um governo progressista. Como você vê o cenário brasileiro?
A verdade é que eu gostaria de ver uma reforma agrária, gostaria que esse gigante latino-americano fizesse parte da Alba, gostaria que nenhum homem, mulher ou criança desse belo país passasse fome ou alguma necessidade, pois não posso entender como com tanta riqueza exista uma única pessoa passando necessidades. Creio que podem fazer muito mais e não só o governo, mas vocês mesmos, como massa humana, com força suficiente para defender seus direitos. Creio nos movimentos sociais como o MST, porque eles mostram que “sim, se pode” e tornam o sonho realidade.
Há algum tempo visitei uma das maiores minas de ferro do mundo e fiquei muito impressionada, está na Amazônía brasileira e para tirar o ferro têm cortado milhares de árvores ancestrais, por favor, amigos, tenham cuidado! O homem pode viver sem ferro, mas não pode viver sem oxigênio, defendam o futuro da nossa espécie.
A chamada grande mídia tem se posicionado cada vez mais como um verdadeiro partido político das elites. Como você analisa a imprensa?
A imprensa é muito importante, tem a responsabilidade de alertar as pessoas sobre tudo o que acontece em nosso entorno, mas quando essa imprensa se converte em papagaio repetidor de notícias e sequer toma o trabalho de investigá-las, essa imprensa se converte em uma grande máquina de desinformação e isso é muito perigoso e danoso, pois pode impedir que as pessoas reajam a tempo contra algo perigoso ou injusto.
Você esteve no lançamento do nosso jornal Brasil de Fato, em janeiro de 2003. Agora, estamos completando 10 anos. Qual a importância de um veículo como este e qual o papel da mídia alternativa/popular para os povos?
O povo necessita sentir que tem voz, que é escutado e defendido. É esse o pa-pel tão importante que têm os meios alternativos. Feliz aniversário. E que tenham muitos anos, mas sempre a serviço dos que sabem amar.
Aleida Guevara March é filha do revolucionário Ernesto “Che” Guevara, médica pediatra. Trabalhou como médica em Angola, Equador e Nicarágua. Mora atualmente em Cuba e é militante do Partido Comunista Cubano. (Com o Brasil de Fato)
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