domingo, 15 de julho de 2012



                                             OS BANDIDOS E A POLÍTICA

                                                Mauro Santayana

                                     

A criminalidade se exerce em todos os setores da sociedade, e um de seus objetivos é o controle ilegítimo das instituições do estado. A elas podem chegar, mediante a compra de votos e outros recursos, ou controlando alguns políticos mediante o suborno, a corrupção.

Em um de seus melhores ensaios sobre Política e Criminalidade (Politik und Verbrechen), o pensador contemporâneo Hans Magnus Enzensberger, conta que Al Capone, em 1930, chegara a seu apogeu, sem que fosse incomodado pelas instituições do Estado. Ao contrário, eram notórias suas relações com os políticos, com a polícia e com os jornalistas, e todos cultivavam o seu poder e se nutriam de seu dinheiro.

Era um mito ou, como melhor explica Enzensberger, um paramito, criação dos tempos modernos, que não passam de uma miragem dos tempos realmente heróicos, nos quais os mitos nasceram. Os turistas pagavam para, de ônibus, percorrer os bairros em que a quadrilha de Scarface exercia, de fato, o poder de estado, sob o olhar indiferente dos moradores e de seus asseclas – da mesma forma que os visitantes, com a permissão dos narcotraficantes de hoje, passeiam pelas favelas cariocas.

Nesse ano de 1930, segundo as fontes do escritor alemão, a Warner Bros, que crescera com os mitos que criava e vendia, ofereceu uma fortuna a Al Capone para que, em um filme sobre o gangster, interpretasse o próprio Al Capone, o que ele recusou. O criminoso novaiorquino, que se transferira para Chicago aos 20 anos, fizera fulgurante carreira e, aos 30 já reunira cem milhões de dólares daquele tempo - uma quantia equivalente a muito mais de três bilhões de dólares em nossos dias. Tal como em nosso tempo, com o neoliberalismo, a globalização liberal dos anos 30 criara a crise de confiabilidade na moeda e nas instituições políticas. Só Roosevelt, com o New Deal, restabeleceria a confiança no Estado.

Al Capone queria ser o homem mais rico e mais poderoso dos Estados Unidos. Como se sabe, um ano depois a Justiça pegou Capone, porque não pagava imposto de renda. Condenado a 11 anos, transferido para um hospital, acometido de demência provocada pela sífilis, Capone morreu aos 48 anos, em uma propriedade sua na Flórida. Já naquele tempo, havia laranjas, e com a doença do gangster, a maior parte de sua imensa fortuna se distribuiu, naturalmente, entre os prepostos. Os que lhe mantiveram fidelidade garantiram o seu bem-estar possível, mesmo na demência, até o fim.

A criminalidade se exerce em todos os setores da sociedade, e um de seus objetivos é o controle ilegítimo das instituições do estado. A elas podem chegar, mediante a compra de votos e outros recursos, ou controlando alguns políticos mediante o suborno, a corrupção. Os políticos, quando honrados, buscam conquistar o mando mediante a confiança dos cidadãos, e se dedicam a promover o bem comum. Os criminosos se preocupam em construir o seu poder mediante os meios conhecidos, entre eles os da violência sem limites. 

Um traço comum aos chefes de gangsters é o da “generosidade”. Os defensores de Cachoeira, a começar pela mulher, dizem que ele está sempre disposto a ajudar os outros. Desde, é claro, que os outros o obedeçam. Capone se considerava o grande benfeitor de Chicago, oferecendo dinheiro para iniciativas sociais e obras de caridade.

É o que estamos constatando mais uma vez, nas relações de Carlos Cachoeira com parlamentares e personalidades do poder executivo. São tantas as evidências que não é arriscado identificar, no empresário goiano, o epicentro de uma vasta rede de jogos ilícitos e de assalto aos bens públicos, com a prática de corrupção política, e, talvez, de delitos mais graves. A ministra Carmem Lúcia teve um momento de desabafo ao se referir à Lei da Ficha Limpa: ninguém suporta mais tanta corrupção.

Os senadores respiraram, aliviados, a decapitação de Demóstenes Torres. Provavelmente, alguns dos que comemoraram o sacrifício do bode expiatório estejam sendo precipitados. Estamos no início de uma revolução de caráter ético, bem diferente de outras do passado. A Revolução Francesa foi o resultado da circulação de mais de duzentos jornais em Paris e nas províncias. Hoje, com a internet, cada um de nós pode ser, ao mesmo tempo, jornalista, impressor e distribuidor de informações e opinião. Ainda que a rede esteja sendo usada pelos centros internacionais de poder, a fim de semear a discórdia e impor a sua vontade, a ação coordenada dos cidadãos pode vencer a batalha da informação.

Como nos ensina a dialética, a quantidade faz a qualidade.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

Texto: / Postado em 15/07/2012 ás 10:45 (Com a Pátria Latina)


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