Luiz Eça (*)
“Penso que a longo prazo será no interesse do Oriente Médio que a Palestina seja um Estado, um Estado responsável pelo bem-estar dos seus cidadãos, um Estado responsável por oferecer educação e saúde pública e oportunidades econômicas aos seus cidadãos”.
Adivinha quem disse isso? Errou.
Por incrível que pareça, foi Hillary Clinton. É verdade que faz tempo, foi em 1998.
De lá para cá, ela mudou muito. Depois de censurada fortemente por figuras significativas do establishment, inclusive de Israel, que negavam o direito dos palestinos à independência.
Ela rapidamente corrigiu seu erro e passou a endossar todas as posições pró-Telavive.
Mudou um tanto quando secretária de Estado, para seguir a posição moderada do seu chefe, o presidente Obama.
Em meados de 2009, manifestou-se contra os assentamentos. Uma vez fora do seu posto, voltou a defender os interesses do governo de extrema-direita de Bibi Netanyahu como sendo seus.
Talvez tenha chegado ao máximo na conferência da AIPAC (maior organização pró-Israel dos EUA), quando, segundo o The Intercept, nas 3.301 palavras do seu discurso, totalmente dedicado a exaltar a política de Israel, não mencionou uma única vez os palestinos.
Como ela, Donald Trump navegou de uma posição mais equilibrada para o apoio incondicional a Israel.
Em fevereiro deste ano, ele apresentou-se como neutro no conflito entre israelenses e palestinos.
Mas logo abriu os olhos para os bilhões de dólares dos judeus norte-americanos e sua influência no Congresso e na imprensa do país.
Há alguns meses, o chefe dos seus assessores, David Friedman, comunicou à imprensa que The Donald não aceitava mais a possibilidade de uma Palestina independente. Não disse porque mudara tão abruptamente, embora ninguém tivesse dúvida sobre as razões.
E Friedman ainda disse que o seu boss estava comprometido com a expansão dos assentamentos e apoiava in totum a ideia da anexação de parte significativa da Cisjordânia.
Por aí se vê que, ainda que haja dúvidas sobre quem será o substituto de Barack Obama, o grande vencedor será Israel.
Netanyahu e seus confrades da extrema-direita radical israelense dormem tranquilos o sono dos justos, ou melhor, dos injustos.
2017 vai ser um feliz ano novo para eles. Pobre Palestina.
Diplomatas querem EUA em guerra
Longe vão os tempos de Franklyn Delano Roosevelt, quando o departamento de Estado, centro da diplomacia estadunidense, buscava resolver conflitos com o recurso que lhes era próprio: diplomacia.
Longe vão os tempos de Jimmy Carter, quando os diplomatas do departamento de Estado pressionavam as ditaduras militares sul-americanas aliadas para que parassem de torturar seus adversários.
Hoje, o departamento de Estado mereceria mudar seu nome para departamento de Guerra.
Com Ronald Reagan, Bill Clinton e os dois presidentes Bush, falcões foram invadindo e tomando conta daquele arsenal da paz.
Um deles, Victoria Noland, sub-secretária de Defesa para a Europa Oriental, destacou-se ao dirigir a revolução ucraniana, que George Friedman, presidente do insuspeito think-tank Straford considerou “o mais clamoroso golpe da história. ”
A diplomata Noland ficou famosa por uma gravação telefônica mandando a Europa “se f...” por estar tratando a revolução na Ucrânia com moderação.
Agora, mais uma desse moderno “american way of diplomacy” foi revelada quando o New York Times publicou um “Dissent Channel” do departamento de Estado.
Trata-se de um mecanismo pelo qual funcionários do departamento expressam desagrado com o governo, sem o temor de serem penalizados; 51 diplomatas e outros funcionários pedem “uma posição mais assertiva dos EUA na guerra da Síria (contra o governo Assad), com o uso inteligente e equilibrado das armas aéreas”.
Eles se explicam afirmando que a guerra contra o ISIS fracassará e os EUA precisam de “uma postura mais muscular” na Síria, mirando diretamente o governo Assad.
Obama deveria deixar os selvagens do ISIS em paz, ou pelo menos atacá-los menos, concentrando seu fogo, inclusive da sua aviação, contra as forças do governo Assad.
Dá para prever o que aconteceria.
Livres das bombas ianques, os milicianos radicais do ISIS poderiam expandir seus territórios e aumentar seus atentados contra alvos no Ocidente.
É claro, matando muitos civis europeus inocentes. Matar norte-americanos seria mais complicado devido à distância.
Enquanto isso, bombardeios estadunidenses de alvos da Síria sob Assad acabariam causando choques com aviões russos, empenhados em bombardear as forças da Frente Al-Nusra, filial da al Qaeda, aliada dos moderados pró-Ocidente.
Não carece dizer que poderia ser o estopim de uma 3ª Guerra mundial. A ideia de que os russos fugiriam aos combates com os aviões dos EUA, intimidados pela superioridade ianque, é ilusória.
Putin não costuma amainar. Nesse contexto, seria inevitável uma escalada até se chegar a um desfecho imprevisível.
As mortes causadas por essa estratégia bélica, via ISIS no Ocidente e via forças armadas norte-americanas e russas no Oriente Médio, fazem lembrar frase da secretária de Estado de Bill Clinton, Madeleine Albright.
Quando perguntada numa entrevista se não lamentava a morte de 500 mil crianças iraquianas provocadas pelas sanções norte-americanas, ela respondeu: “Acho que foi uma decisão difícil de tomar. Mas o preço... O preço acho que valeu a pena”.
Inesperadamente, acho que para fazer média com seu pessoal, o secretário John Kerry disse que a tese tinha sido inteligentemente construída.
Esta, digamos, delicadeza, revela que Obama – chefe de Kerry – está sofrendo poderosas pressões para aumentar consideravelmente seu apoio militar aos rebeldes sírios, deixando a guerra ao ISIS em segundo plano.
Talvez até colocar a força aérea em ação contra o regime de Assad. A CIA já se manifestou na mesma linha, acrescentando que qualquer sugestão de que se deve continuar focando o ISIS é “propaganda russa”.
Por aí vemos que o ex-presidente Kennedy queria fechar a CIA, não somente pelo facciosismo dela, mas também por sua incompetência, provada no fracasso na invasão da baía dos Porcos, em Cuba.
Felizmente, desta vez o Pentágono está contra os diplomatas do departamento de Estado adeptos do war party.
Ele reafirmou que a prioridade é a guerra contra o ISIS, ao frustrar um contrabando de armas da CIA e do departamento de Estado a rebeldes moderados, já que eles eram “praticamente inexistentes e que acabam, em geral, aderindo ao Nusra”.
O Pentágono prefere que o país se limite a bombardear o ISIS, em apoio ao eficiente exército curdo, enquanto a Rússia lança seus aviões em coordenação com os ataques terrestres sírios.
Por enquanto, vai indo bem, o ISIS está perdendo terreno, enquanto se espera por um acordo entre good guys e bad guys sírios, negociado por seus patrocinadores.
O grande problema é que, daqui a seis meses e meio, assume uma das duas figuras belicistas que vai substituir Obama.
Muito provável que, não sendo os fuzis embainhados de vez até esta data, teremos soluções mais agressivas, próximas às fantasias guerreiras desses 51 diplomatas do departamento de Estado.
Eles sonham especialmente com a chegada de H. Clinton ao governo, certos de que ela autorizará uma invasão da Síria para estabelecer as chamadas “zonas seguras” e “zonas livres de aviões”.
Que, por serem de difícil e discutível delimitações, podem trazer combates indesejáveis entre aviões sírios e norte-americanos ou, o que será muito pior, entre aviões russos e norte-americanos.
Parece que os fracassos nas guerras da Líbia, Iraque e Afeganistão não foram suficientes para saciar a sede de glórias desses diplomatas, indiferentes às baixas de dezenas de milhares de soldados de seu país, entre mortos e feridos – e ao 1,5 trilhão de dólares do povo, queimado inutilmente.
(*) Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.
(Com o Correio da Cidadania)
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