Osvaldo Coggiola (*)
Em reunião plenária do Senado, a 11 de maio de 2016, foi aprovado, por 55 votos favoráveis e 22 votos contra, a admissibilidade do impeachment de Dilma Rousseff, afastada do cargo por um período de até 180 dias, para que o processo seja concluído com sua previsível destituição (para a qual bastam 54 votos do Senado).
Um mês antes disso, um conceituado jurista, vinculado às Forças Armadas e conspícuo defensor do impeachment, afirmou o que segue num dos jornais mais lidos do país, no exato dia da votação da matéria na Câmara de Deputados: “A presidente Dilma tornou o país ingovernável, sem condições de reverter a recessão, o desemprego, o crescimento da inflação para dois dígitos, os juros altos e a pestilência da corrupção que inundou sua administração.
O impeachment será, pois, julgado politicamente à luz do imperativo da governabilidade do país e dos elementos jurídicos que o embasam”. Em bom português: os “elementos jurídicos” do impeachment são apenas funcionais à questão central da capacidade ou da incapacidade do governo para enfrentar a crise econômica e política, ou seja, possuem uma função ornamental.
O impeachment de Dilma Rousseff, só por causa disso, pode ser qualificado politicamente como um golpe de Estado. Quem limita o uso desse conceito aos golpes militares, ou às mudanças de regime político obtidas mediante o uso explícito da força, possui um conceito estreito e formal, não só do conceito de golpe, mas também do próprio Estado e de seus regimes políticos.
A ascensão de Hitler e a concentração em suas mãos de todas as alavancas de poder, que concluiu rapidamente na criação do Estado nazista, foram realizadas mediante o uso dos mecanismos constitucionais existentes na República de Weimar.
Foi uma maioria parlamentar do Reichstag (com o Partido Comunista da Alemanha já posto na ilegalidade) que concedeu os plenos poderes ao ditador, que os usou depois para dissolver o parlamento e criar um regime declaradamente antidemocrático, racista, corporativo e genocida (e também, claro, para suprimir a Constituição precedente). Contrariamente às esperanças do reformismo de todas as cores, pela porta da democracia burguesa não passou o socialismo, mas o regime político mais reacionário da história.
O golpe-impeachment brasileiro pôs na berlinda um prato que vinha sendo cozinhado como possível alternativa política havia mais de um ano (ou seja, apenas três meses depois da posse do governo Dilma II) em reuniões mensais de parlamentares opositores e situacionistas (da “base aliada”), além de juristas e economistas de todas as cores políticas e ideológicas, reuniões organizadas por um deputado federal piauiense do PSB em Brasília. Tudo concluiu na apresentação da moção de destituição da presidente por juristas de origens políticas diversas, como Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr, além de uma professora de Direito da Universidade de São Paulo (USP) até então desconhecida do grande público.
Que o impeachment estivesse sendo preparado quase desde o início da quarta administração petista tem um significado político que transcende sua circunstância imediata. Dilma Rousseff foi, no momento de suas duas vitórias eleitorais, qualificada (ou melhor, desprezada) como um “poste” de Lula não só pela oposição, mas também pelos aliados parlamentares do PT, partido responsável pela vitória eleitoral da coalizão que a tinha como candidata presidencial.
Sua substituição por um vice-presidente peemedebista que ninguém ousaria qualificar de “poste” significa que foi usada como “escada” para a chegada ao poder do partido mais fisiológico e coberto de denúncias de corrupção do país, que não teria podido conseguir esse feito por si só, posto que amargou resultados eleitorais lamentáveis em todas as eleições posteriores à “redemocratização” brasileira em que apresentou candidatos presidenciais próprios.
A votação do impeachment na Câmara de Deputados, como se sabe, apresentou um espetáculo digno de um circo, capaz de desmitificar historicamente o parlamento brasileiro e, com ele, todo o regime político vigente no país. Dos 513 deputados presentes somente cem, menos de 20%, poderiam mostrar um curriculum vitae não manchado pela corrupção. Para dez deles só caberia, como notou um correspondente estrangeiro, o qualificativo de assassinos.
Isso explica que o julgamento político da presidenta se baseasse em denúncias sobre as pedaladas fiscais, ou seja, sobre a maquiagem das contas públicas para esconder o déficit público, prática muito comum, que já fora usada no passado pelo governo federal de Fernando Henrique Cardoso, e continua sendo usada por governos estaduais encabeçados por partidos favoráveis ao impeachment. O relator do impeachment no Senado, o ex-governador mineiro Antônio Anastasia, também praticou no seu estado as “pedaladas” pelas quais se busca destituir a titular do Poder Executivo federal.
Não entraram no rol das acusações contra Dilma as denúncias de corrupção na Petrobras e sua rede de empreiteiras. A omissão se deve ao fato de que os deputados que propuseram e votaram o impeachment carregam nas costas também denúncias de corrupção nesse assunto. A lista é encabeçada pelo agora ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, possuidor de contas no exterior não declaradas, negadas em depoimento juramentado (embora comprovadas pela Justiça), que não se apresentou à citação da Justiça amparando-se nos foros parlamentares.
Até um afilhado político de Cunha (Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal) denunciou seu padrinho como beneficiário de uma propina de R$ 52 milhões em apenas um de seus “negócios” escusos. Denúncias desse tipo também atingem o vice-presidente, “presidente em exercício”, Michel Temer.
A pressa em votar o impeachment respondeu ao interesse de garantir a impunidade dos próprios acusadores de Dilma. Por isso, o presidente da comissão de impeachment no Senado, Raimundo Lira (PMDB), decidiu não incluir as denúncias da “Lava Jato” no processo de julgamento da presidente.
(*) Osvaldo Coggiola é historiador.
(Com o Correio da Cidadania)
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(Com o Correio da Cidadania)
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