sábado, 8 de março de 2014

VIVA PRESTES!


                                                   

(Vinte e quatro anos da morte de Luiz Carlos Prestes)        

José Carlos Alexandre

Com a colaboração da Gerência de Documentação (GEDOC) do jornal Estado de Minas consegui recuperar um conto de minha autoria sobre o mais civil dos generais: Luiz Carlos Prestes, publicado na Revista Nacional que circulava, na ocasião, nos jornais dos Diários e Emissoras Associados, por ocasião de sua morte.

Um conto sobre um trabalhador brasileiro. Melhor: um mineiro de Nova Lima, cidade operária, um dos símbolos da luta sindical em todo o mundo. Cujo Sindicato foi pioneiro em várias conquistas, como a da aposentadoria especial para trabalhadores das minas do subsolo.

Meu personagem, na verdade, é um mineiro, que, como tantos brasileiros, acreditavam na pregação do "Cavalheiro da Esperança", no Partido Comunista Brasileiro, o Partido da Classe Operária, na luta por melhores dias.

E que continuam a acreditar, já que a história do socialismo, do comunismo, está apenas em seu início...O texto original foi publicado numa página que mantinha numa Revista Nacional, sim, este o nome dela, um tabloide semanal que era publicado todo sábado nos jornais dos Diários Associados. Em BH, no então Diário da Tarde.

Não me perguntem por quanto tempo a publicação durou. Sou péssimo de memória e o tempo impediu-me de pesquisar, junto com os companheiros do GEDOC, muitos detalhes. Mesmo porque, no dia estava com um calor quase chegando aos 37 graus...

Algumas modificações no texto original resumiram-se a colocar palavras em letras maiúsculas e a acrescentar mais algumas reticências...Vamos então ao texto, publicado na edição que circulou em 9 de março de 1990, à propósito da morte de Luiz Carlos Prestes. Vamos revivê-lo, neste dia em que Prestes estaria completando 115 anos de idade, a maior parte dos quais à serviço da classe operária, dos brasileiros e da causa da paz e da coexistência pacífica:

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  " Viva Prestes!
              
Estava numa cidade operária. Vez por outra movimentada por greves que eu, na condição natural de criança, confundia com guerra. Talvez porque as ruas principais, a porta da companhia empregadora, as imediações do armazém que abastecia trabalhadores e suas famílias, o Sindicato, o Teatro Municipal, e proximidades se transformavam como que numa praça de guerra... Tamanho o aparato policial. E anos antes de 1964...

Greves, guerra, polícia, corre-corre, sindicato, grupos de compra, passeatas, geralmente eram associadas a um nome próprio e a um adjetivo: Luiz Carlos Prestes e comunistas...E a repressão acabava, às vezes, ganhando versões próximas da lenda...Alguns episódios, em que o real e o imaginário se misturavam, me ficaram na lembrança: a de trabalhadores sendo retirados de suas casas na calada da noite, mulheres e crianças chorando. Gritos. E informações que corriam de boca em boca no dia seguinte.

Na fila do chafariz, na vendinha, e no caminho da escola: “Dizem que a polícia obrigou fulano a engolir um manifesto de Luiz Carlos Prestes. Com óleo de Rícino”... “Enfiaram taquara debaixo das unhas de M...”.

E os boatos, os disse que me disse, não paravam: “O. está urinando sangue, de tanto apanhar”. “Os filhos de B. estão passando fome”, e assim por diante.

Passada a repressão, eis que as vítimas de torturas reais ou ilusórias estavam de novo fazendo o que sempre fizeram: lutando no Sindicato, nas associações, nos grupos de compra, até em organizações religiosas pela melhoria das condições de vida do povo, naquela época, como agora, bem críticas...

Mas o nome de Prestes continuava na boca do povo, como um ser irreal, talvez sonhador, “Cavaleiro da Esperança” de milhões e milhões de brasileiros. Falado quase em surdina. Murmurado...A não ser por um cidadão pacato ao extremo, desses tipos populares que toda cidade tem, vestido com simplicidade. Sério. Religioso.

A ponto de não perder uma só das festas do cruzeiro do bairro onde morava.Tratava-se de M.L... Aparentando uns 30 anos, embora talvez tivesse bem menos, pés sempre protegidos por uma simples sandália.Uma pessoa maravilhosa. Apolítica. Completamente apolítica.

Embora talvez, no fundo, torcesse pela vitória das causas de seus companheiros operários.Quando ele tirava o dia para beber era um deus-nos-acuda... Não que dissesse palavrões, hoje comuns às mulheres. Na época raros até entre os homens...

Não que desrespeitasse este ou aquele. Caísse pelas ruas... Mesmo porque, amigo de todos, sempre encontrava um braço para compará-lo...O grande problema era que já na sétima dose, ele não resistia e, mesmo naqueles tempos de suave repressão (em comparação com o que viria anos depois, na ditadura militar) bradava:

_Viva Luiz Carlos Prestes!

Beatas que passavam se benziam, trabalhadores aplaudiam, embora sempre olhando de soslaio...Amigos mais chegados, “por precaução”, procuravam retirá-lo do bar...E ele a gritar, impassível:

“Viva Luiz Carlos Prestes! Viva Prestes!

M.L. está morto. Há vários anos. Antes mesmo de Prestes sair pela última vez do país, na clandestinidade.Morreu como sempre viveu. Cercado de amigos. Embora, em seu enterro, muitos ainda discutissem se ele era um pouco louco ou se o álcool o tornava corajoso ao extremo...

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