Nota da FIMVJ-MG:
Tributo aos mortos e desaparecidos políticos, aos que lutaram contra a repressão, que foram perseguidos, presos e torturados pela ditadura militar (1964-1985).
Pela mudança do nome do Viaduto Castelo Branco - primeiro ditador imposto pelo golpe de 1964 - para Viaduto Dona Helena Greco – militante dos direitos humanos, que lutou contra a ditadura e contra todas as formas de exploração e opressão!
Há 50 anos, o golpe de 1º de abril de 1964 implantou ditadura militar sangrenta no país, levada a cabo pelo Estado de Segurança Nacional. Assume o poder, então, o marechal Castelo Branco, primeiro dos cinco generais-ditadores que vão se revezar no poder. A ditadura durou 21 anos (1964-1985) e serviu de referência para as outras ditaduras dos países do Cone Sul da América Latina, nas décadas de 1960 e 1970.
Estes longos anos de ditadura deixaram marcas indeléveis, que têm sido reforçadas nestes igualmente longos vinte e nove anos de transição conservadora – pactuada e controlada – sem ruptura e sem perspectiva de desenlace. Não há dúvida quanto ao caráter de classe do golpe, da ditadura e da transição.
Trata-se do projeto burguês de concepção, articulação, e consecução da chamada modernização conservadora do capitalismo no Brasil. Sua essência é o aumento exponencial da exploração dos trabalhadores e da repressão política para garantir a aceleração da acumulação capitalista.
Seus protagonistas são a burguesia, associada ao capital multinacional – portanto ao imperialismo estadunidense -, os donos do aparato midiático, os latifundiários, as Forças Armadas, a Igreja Católica e a ortodoxia cristã: as mesmíssimas forças conservadoras e reacionárias responsáveis pela opressão desenfreada à qual a sociedade brasileira continua submetida, agora em novo formato: o pessimamente chamado Estado Democrático de Direito.
O que está na base da ditadura militar implantada pelo golpe de 1964 é o Terror de Estado. Este está consolidado na Doutrina de Segurança Nacional, arcabouço ideológico do Estado de Segurança Nacional. Tal projeto veio para aniquilar toda a construção política e todas as conquistas acumuladas pela classe trabalhadora e pelo movimento popular pelo menos desde a década de 1920.
Para isto montou-se gigantesco aparato repressivo que tinha como objetivo explícito a eliminação dos inimigos internos. Eram considerados inimigos internos todos aqueles que faziam - ou pensavam em fazer - qualquer tipo de oposição ao sistema. A tortura sistemática, a interdição continuada do exercício da política, a censura, o obscurantismo político e a mentira organizada foram institucionalizados e adotados não apenas como método de governo, mas como política de Estado.
Milhares de brasileiras e brasileiros foram perseguidos, monitorados, cassados, presos, torturados, exilados e banidos. Cerca de 440 foram mortos sob tortura nos porões da repressão. Cunhou-se a categoria de desaparecidos políticos. A ditadura fez desaparecer os corpos de, pelo menos, 183 presos políticos.
Estas contas não estão fechadas uma vez que, até hoje, não se abriram os arquivos da repressão. Os governos constituídos a partir de 1985, quando o último general deixou o poder, têm mantido o acordo com as Forças Armadas. Elas são preservadas de quaisquer desgastes - sempre em nome do pacto da transição política sem ruptura.
Cinquenta anos depois do golpe, o contencioso da ditadura militar não foi sequer equacionado: não houve desmantelamento do aparato repressivo; não houve esclarecimento circunstanciado das torturas, mortes e desaparecimentos de opositores; não houve abertura dos arquivos da repressão; não houve a responsabilização dos torturadores e assassinos de presos políticos.
Também a mentira organizada e a fabricação do esquecimento têm prosperado: a Comissão Nacional da Verdade/CNV, instituída pela presidente Dilma Rousseff (PT), não passa de um simulacro cuja prioridade é a reconciliação nacional e a manutenção do pacto com os militares e os empresários.
O exercício da justiça está descartado. Até agora, depois de mais de dois anos de vigência, a CNV tem evitado cuidadosamente a abordagem do que realmente importa para que a verdade prevaleça: a solução definitiva da questão dos mortos e desaparecidos e a punição dos torturadores e assassinos de presos políticos.
Cinquenta anos depois do golpe, a tortura permanece como uma das instituições brasileiras mais sólidas. Sabemos que o Estado burguês não abre mão dos instrumentos de violência que tem à sua disposição. Assim sendo, o pau de arara, os choques elétricos, o afogamento e o desaparecimento forçado vieram para ficar.
O aparato repressivo continua vivo e ativo e se volta agora para aqueles que são considerados pelo Estado os inimigos internos de sempre: o movimento popular; a luta dos trabalhadores da cidade e do campo; os 2/3 da população que vivem no limiar da linha de miséria – sobretudo jovens, negros, indígenas, moradores das comunidades de periferia e das favelas. Para estes, o Estado de exceção é permanente. Este é o país do racismo e do genocídio institucionalizados contra negros e indígenas, do encarceramento em massa, da guerra generalizada contra os pobres, da criminalização das lutas dos trabalhadores e do povo.
O aparato repressivo tem sido aperfeiçoado e reforçado. Nas jornadas de junho de 2013, todo o repertório de violência policial e militar disponível foi mobilizado: Guardas Municipais, Polícia Civil, Polícia Militar, Forças Armadas, Força Nacional de Segurança Pública. Lembremo-nos de alguns casos exemplares da exacerbação da violência do Estado: o ajudante de pedreiro Amarildo Souza, trucidado sob tortura na Unidade de Polícia Pacificadora/UPP da Rocinha – RJ, em julho de 2013; ainda no Rio de Janeiro, os quinze moradores executados pela PM no Bairro Nova Holanda, no Complexo da Maré; a morte de quatro jovens nas manifestações em Belo Horizonte e na região metropolitana (Douglas Henrique de Oliveira Souza, Luiz Felipe Aniceto de Almeida, Luís Estrela e Lucas Daniel Alcântara Lima).
São os novos mortos e desaparecidos políticos de responsabilidade do governo federal (PT, PMDB, PCdoB) da presidente Dilma Rousseff (PT), do governo estadual Anastasia (PSDB), do governo municipal Márcio Lacerda (PSB) e demais governos estaduais e municipais por todo o país. Há também os novos presos políticos: são centenas de manifestantes, em todo o Brasil, indiciados pelo simples fato de saírem às ruas para protestar.
Trata-se, portanto, de reciclagem do Terror de Estado. O governo federal quer reeditar o AI-5 através das leis antiterrorismo e da Portaria Normativa 3.461 do Ministério da Defesa (19 de dezembro de 2013) que deposita a operação de garantia da lei e da ordem nas mãos das Forças Armadas e tacha os manifestantes e os movimentos sociais de Forças Oponentes.
Trata-se da mesma lógica e do mesmo vocabulário canhestro da ditadura na implementação da Doutrina de Segurança Nacional: contenção e repressão radical dos inimigos internos. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff declarou que as Forças Armadas atuarão na repressão das manifestações de protesto à Copa do mundo.
Nós, da Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça - MG, entendemos que há uma linha direta entre o Estado de Segurança Nacional implantado pelo golpe de 1964 e o Estado Penal – verdadeiro nome do Estado Democrático de Direito.
Reiteramos que temos como princípios: a punição dos responsáveis por torturas e assassinatos perpetrados pela ditadura militar; a abertura irrestrita dos arquivos da repressão; o desmantelamento do aparato repressivo – o que inclui o fim da Polícia Militar, da Polícia Civil, da Força Nacional de Segurança e das Guardas Municipais; a erradicação da tortura; a solução da questão dos mortos e desaparecidos.
Repetimos à exaustão: tortura e desaparecimento constituem crime de lesa humanidade. Como tal não prescrevem, são inafiançáveis e não são, definitivamente, passíveis de anistia - muito menos de auto anistia. O Estado brasileiro tem dificuldades intransponíveis de se haver com as próprias iniquidades.
Para a Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça - MG, a única maneira de erradicar estas iniquidades é o fortalecimento e a radicalização da luta da classe trabalhadora e do movimento popular, com absoluta independência em relação ao Estado, aos governos, aos patrões e à institucionalidade.
Decidimos marcar o cinquentenário do golpe de 1964 com a mudança definitiva do nome do Viaduto Castelo Branco, em Belo Horizonte - MG. Trata-se do primeiro ditador a se instalar no poder a partir do golpe de 1964. Precisamos extirpar, de uma vez por todas, a estranha mania brasileira de contemplar aqueles que cometeram crimes contra a humanidade.
Nenhum sequer foi punido, mas a todos foi outorgada impunidade e, até, inimputabilidade. Muitos foram premiados com cargos públicos, promoções, comendas, nomes de ruas e de locais públicos – com é o caso do Viaduto Castelo Branco. Não podemos mais tolerar que ruas, avenidas, escolas, praças, estádios e viadutos de nossa cidade ostentem os nomes de articuladores do golpe, ditadores, torturadores e assassinos de opositores.
Propomos, então, que o viaduto passe a se chamar Viaduto Dona Helena Greco . A partir da luta contra a ditadura, D. Helena dedicou a sua vida à luta pelos direitos humanos e ao combate contra a repressão e todas as formas de exploração e opressão. Ela é uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia/MG (1977), do Comitê Brasileiro de Anistia (1978) e do Movimento Tortura Nunca Mais/MG (1987).
D. Helena nunca transigiu: considerava a ditadura como o inimigo a ser combatido e derrotado, não algum eventual interlocutor a ser depositário de reivindicações pontuais. Seus focos principais eram a luta feminina e feminista e a luta contra o aparato repressivo – portanto, pela erradicação da tortura e pela punição dos torturadores.
Tornou-se inimiga pública dos militares, das polícias, dos grupos parapoliciais e paramilitares e da mídia burguesa. São suas marcas registradas a radicalidade, a capacidade de indignação e a adesão permanente às causas da classe trabalhadora e do movimento popular. D. Helena Greco faleceu no dia 27 de julho de 2011, aos noventa e cinco anos.
Alguns anos antes de sua morte, em entrevista para um documentário sobre sua trajetória, foi instada a caracterizar sua própria pessoa. Ela se declarou, sem titubear: “Sou feminista radical e militante socialista de extrema esquerda”.
Com esta iniciativa da nomeação do Viaduto D. Helena Greco, prestamos tributo a todas e todos que tombaram na luta contra a opressão e a todas e todos que combateram a ditadura e mantêm desfraldada a bandeira da luta por memória, verdade e justiça. Nossas homenagens àquelas e aqueles que foram perseguidos, cassados, presos, torturados, exilados e banidos. Nossas maiores homenagens aos mortos e desaparecidos políticos e seus familiares.
Pelo direito à Memória, à Verdade e à Justiça!
Pela mudança do nome do Viaduto Castelo Branco para Viaduto D. Helena Greco!
Nem perdão, nem esquecimento, nem reconciliação: punição para os responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos durante a ditadura militar!
Pela abertura irrestrita dos arquivos da repressão!
Pelo cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Brasil a punir os responsáveis pelas mortes, torturas e desaparecimentos políticos ocorridos durante a ditadura militar!
Abaixo a repressão! Pela liberdade de manifestação e expressão!
Pelo fim das torturas e das execuções! Pelo fim do genocídio dos jovens, negros, indígenas e pobres!
Pelo fim do aparato repressivo! Pelo fim imediato das Guardas Municipais, da Polícia Militar, da Polícia Civil e da Força Nacional de Segurança Pública! Fora as Forças Armadas e fora a FIFA!
Pelo fim da criminalização dos pobres! Pelo fim da criminalização das lutas dos estudantes! Pelo fim da criminalização da luta dos trabalhadores da cidade, do campo e do movimento popular!
Pelo fim das leis repressivas que criminalizam manifestantes!
Abaixo as UPPs! Abaixo as invasões policiais e militares dos morros, universidades, ocupações e favelas!
Pela luta independente, realizada pela classe trabalhadora e pelo movimento popular,
em relação ao Estado, aos governos, aos patrões e à institucionalidade!
Belo Horizonte, 1º de abril de 2014
FRENTE INDEPENDENTE PELA MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA – MG
frentemvj.blogspot.com.br
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania / I.H.G.
Rua Hermilo Alves, 290 - Santa Tereza - BH/MG
Onibus: 9103, 9210 e SC01 - Metrô: Estação Sta Efigênia
(Os grifos são meus, José Carlos Alexandre)